Para os motoboys, o veículo é mais que um meio de transporte: é o sustento de suas famílias. Um acidente pode colocar em risco a sobrevivência de crianças, mulheres, mães e outros dependentes. Com o dia inteiro sobre duas rodas, eles trabalham para cumprir metas de entrega, sendo a categoria mais vulnerável no trânsito. Muitos trabalham mais de 12 horas, pois falta regulamentação e direitos trabalhistas, principalmente para quem trabalha em aplicações de entrega e transporte de passageiros.
Diego Dutra, 39 anos, brasiliense, parou para almoçar por volta das 16h, como de costume, no início deste ano. O horário é de descanso entre o meio-dia, quando há pico de pedidos no delivery, e o jantar, no início da noite. Ao retornar ao trabalho, antes mesmo de atender o primeiro pedido, sofreu um acidente. Ao fazer meia-volta, preocupado com o caminhão que vinha logo atrás, não conseguiu evitá-lo quando o carro da frente parou repentinamente.
“Caí de cabeça no asfalto. Tive uma pequena fratura em uma vértebra e machuquei o pulso. Fiquei mais de um mês parado, sem poder trabalhar. E estava fazendo mais ou menos 50 por hora, só isso, ” ele disse.
Apesar de estar logado em dois aplicativos de entrega no momento do acidente, ele não tinha direito ao seguro porque estava a caminho do trabalho. Para ter direito ao valor, ele teria que já ter aceitado um trajeto no momento do acidente, ou ter uma encomenda na mochila térmica.
Wilker Luiz, de 25 anos, de São Paulo, também foi vítima de acidente de trabalho. Ele estava viajando pelo corredor quando um motorista desavisado abriu a porta. “Machuquei o pé, quebrei a clavícula, quebrei a articulação do ombro. Fiquei 20 dias internado, fiz uma cirurgia, fiquei três meses afastado e estou voltando agora. o acidente”, disse ele.
Ele também reclama da falta de atendimento das plataformas. “O aplicativo também é negligente. Tem seguro, mas até agora nada. E estamos muito negligenciados, né? Trabalhamos, mas se nos machucamos não recebemos nenhum apoio”, lamentou Wilker.
Motociclista profissional há seis anos, com formação e especialização, teve que vender a moto para sustentar a família durante os três meses que esteve afastado. Ele voltou ao trabalho com um veículo emprestado. Wilker chamou um advogado para garantir seus direitos no acidente. Segundo ele, há muita negligência no trânsito com os motociclistas e falta de conscientização e preparo por parte de alguns entregadores.
“Falta profissionalismo por parte dos motociclistas. Há muito descaso também. Corredores apertados, muitos carros. Deveria ter mais Faixas Azuis (leia abaixo). , talvez o acidente não tivesse ocorrido”, explicou. Contudo, fez questão de destacar que “adora esta profissão”.
Legislação
O presidente do Sindicato dos Motociclistas Profissionais do Distrito Federal (Sindmoto-DF), Luiz Galvão, arca pessoalmente com os perigos desse trabalho. Questionado se acidentes são comuns, ele mostrou as cicatrizes. “Traqueostomia. Seis alfinetes na coluna. Joelho. Tendão do braço rompido. Só estou vivo pela misericórdia de Deus”, disse ele.
Parte de sua rotina no sindicato envolve o apoio aos motociclistas acidentados, que buscam seus direitos. No caso de profissionais liberais, ou seja, contratados com direitos garantidos pela legislação, um telefonema para a empresa contratante pode ser suficiente. Mesmo na Justiça é mais fácil comprovar os direitos do trabalhador, pois eles estão registrados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
No entanto, os motoboys baseados em aplicativos ainda são precários. Luiz defende que eles estejam sujeitos à legislação vigente, aplicada aos motociclistas profissionais, ou seja, devem ter no mínimo 21 anos, possuir carteira de habilitação de dois anos, fazer curso de especialização com duração de três meses e utilizar equipamentos de segurança completos, inclusive colete reflexivo. . A motocicleta também precisa ter mecanismos de segurança, incluindo protetores de pernas e motocicleta, aparador de linha e antena cortadora de pipa.
Atualmente, o motociclismo baseado em aplicativos não é regulamentado. A discussão acontece junto ao governo, com a participação de entidades representativas dos motociclistas, incluindo o Sindmoto-DF. A lei exige que as motocicletas sejam registradas no órgão de trânsito competente.
“O que a gente quer é que a lei seja cumprida. Agora diminuiu, mas teve até leilão de motos na rua. Toda a omissão é do governo, tem lei federal, lei distrital. “, disse Luiz Galvão.
Ele citou as leis 14.297, de 2022, que regulamentou a entrega via aplicativos durante a pandemia de covid-19; 12.009, de 2009, que regulamenta a atividade dos mototaxistas e dos mototaxistas; 12.997, de 2014, que considera as profissões sobre motocicletas perigosas para a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT); e 12.436, de 2011, que proíbe às empresas quaisquer práticas que incentivem os motociclistas profissionais a aumentar a velocidade.
Para Luiz, as plataformas colocam os motociclistas em situações de perigo, incentivando longas jornadas de trabalho, que podem chegar a 16 horas. Além disso, desrespeitam a lei ao encorajarem os trabalhadores a apressarem-se para entregar as encomendas a tempo. “A família fica desamparada. É comum os familiares ficarem desamparados, pedindo ajuda para enterrar o ente querido. Sorteio, vaquinha. É todo dia. Todos os dias tem mensagens assim nos nossos grupos de WhatsApp”, lamentou Galvão. “Todos ajudam da maneira que podem.”
Sobre a regulamentação, que está em discussão com o governo federal, o motociclista defende o modelo de convenção coletiva, ou seja, que os termos do contrato de trabalho sejam acordados entre as empresas e as entidades que representam os trabalhadores, caso a caso. Em relação ao trânsito, ele também aponta o Cinturão Azul, em São Paulo, como uma iniciativa de sucesso, e disse que está trabalhando para que seja implementado no Distrito Federal.
Exemplo
Das diversas iniciativas de trânsito já criadas para tentar conter o número de acidentes envolvendo motociclistas, uma delas é citada como exemplo tanto por especialistas quanto por motoboys. O Cinturão Azul foi criado e implantado na cidade de São Paulo em janeiro de 2022, e já completou mais de dois anos sem mortes em seu trecho original, na Avenida 23 de Maio. Atualmente, a capital paulista conta com 122 km da iniciativa, mas deve chegar a 200 km até o final do ano.
Outras cidades também se movimentam para implementar a medida, como Brasília, quando terminar o período de testes na capital paulista. Propostas que também podem ajudar a reduzir feridos e mortes incluem a redução da velocidade permitida nas estradas e o aumento da fiscalização, mas não faz sentido implementar medidas isoladas – as mudanças no trânsito precisam ser feitas de forma sistêmica.
“Diante de um cenário de aumento de acidentes e mortes no estado, a estabilidade nas estradas do Cinturão Azul da capital demonstra um efeito positivo do programa. É importante destacar que houve um aumento na frota de motocicletas na cidade em últimos dois anos”, disse ao Correio o Centro de Engenharia de Tráfego (CET) da Prefeitura de São Paulo, que idealizou e acompanha o projeto.
Os resultados são avaliados trimestralmente, mas a medida já é considerada um sucesso. “A prudência ao dirigir é extremamente importante, seja para motociclistas ou motoristas. A Faixa Azul cria um espaço seguro para os motociclistas desde que eles, assim como os condutores dos veículos, respeitem a sinalização, as regras de trânsito e os limites de velocidade”, destacou a prefeitura.
A Faixa não altera a legislação nem o uso da via, apenas cria sinalização no local onde costumam circular as motocicletas quando há trânsito, o famoso “corredor”. Como existe um espaço apertado entre as faixas, que os carros podem acabar bloqueando, muitos acidentes ocorrem nesta região. A Faixa Azul sinaliza e aumenta o espaço entre as vias, mas os carros podem atravessar ou circular no corredor sem sofrer multas. Esta não é uma faixa exclusiva.
A iniciativa também é acompanhada de placas verticais e outras sinalizações orientando motociclistas e motoristas sobre o uso da Faixa. Por exemplo, embora não haja velocidade máxima, recomenda-se manter 30 km/h no corredor quando há tráfego intenso. Os carros também devem prestar atenção redobrada ao fazer curvas.
Para a coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Transportes (PPGT) e líder do Grupo de Pesquisa em Segurança Viária (GPSV) da Universidade de Brasília (UnB), Michelle Andrade, a Faixa Azul reduz muito a interação entre motociclistas e outros veículos nas ruas. mais pesado e aumenta a segurança.
“Isso tem uma tendência muito forte de trazer resultados muito positivos. Com base na avaliação dessa proposta, que é única no mundo, é provável que a Senatran (Secretaria Nacional de Trânsito) autorize a implantação desse tipo de faixa em outras cidades “, disse ele a professora.
Em Brasília, o presidente do Sindmoto-DF, Luiz Galvão, que já está em contato com deputados distritais para implementar a bandeira assim que for permitido. Provavelmente a partir do próximo ano.
Michelle Andrade destaca que a motocicleta é o elo mais fraco do trânsito, ainda mais que ciclistas e pedestres. Afinal, eles dividem a estrada com veículos mais pesados, carros, caminhões e ônibus, e trafegam em alta velocidade. “Como todos os outros motoristas, os motociclistas não têm consciência do impacto da velocidade em um acidente”, disse ela.
Ela menciona que os acidentes nas rodovias, em altas velocidades, são muito mais graves do que os nas cidades. Porém, ela alerta que ações isoladas não são suficientes para trazer resultados duradouros. “Quando uma ação temporária de fiscalização ou conscientização é retirada, a efetividade diminui. Pode haver um efeito cumulativo ao longo do tempo, mas o ganho é muito pequeno com ações isoladas”, afirmou.
Andrade cita que é preciso reduzir a velocidade e fazer fiscalização, mas falta coordenação. “Uma liderança única, necessariamente envolvendo empresas, que fará investimentos no assunto junto ao poder público e à sociedade civil organizada. Baseada no engajamento empresarial, governamental e da sociedade civil, atuando em todas as frentes, incluindo fiscalização e veículos, ou seja, o interno cadeia de circulação rodoviária, alcançaremos um ambiente verdadeiramente mais seguro”, disse Michelle.
As motocicletas estão cada vez mais populares no Brasil, principalmente considerando o alto preço dos carros. Segundo a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), o número de unidades vendidas cresceu 16,1% em 2023, com 1,58 milhão de veículos novos nas ruas, o maior volume dos últimos 11 anos.
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