Cinco mil milhões de pessoas — mais de metade da população mundial — ingerem uma quantidade insuficiente de micronutrientes cuja deficiência está associada à cegueira, maior suscetibilidade a doenças infecciosas e eventos adversos durante a gravidez, entre outros. Publicado na revista The Lancet Global Health, este é o primeiro estudo global sobre o consumo alimentar de substâncias essenciais à saúde humana e, segundo os investigadores, mostra um quadro preocupante.
Coordenados pela TH Chain School of Public Health da Universidade de Harvard, em Boston, nos Estados Unidos, os pesquisadores usaram dados do Global Dietary Database e do Banco Mundial, além de registros nacionais, para verificar se a ingestão de 15 micronutrientes essenciais (ver tabela nesta página) corresponde às necessidades das populações de 185 países, incluindo o Brasil. Foi feita uma divisão por sexo e faixas etárias, desde recém-nascidos até pessoas com mais de 80 anos.
Com base em estimativas de ingestão de nutrientes provenientes dos alimentos – suplementos e fortificações foram deixados de fora da análise – o estudo mostra que 68% da população mundial não consome iodo suficiente; 67% ingerem menos vitamina E do que o necessário e 66% estão abaixo do nível recomendado de cálcio. Além disso, para mais de 4 mil milhões, a dieta é deficiente em ferro (65%), riboflavina (55%), ácido fólico (54%) e vitamina C (53%).
Globalmente, a ingestão inadequada de iodo, vitamina B12, ferro e selênio foi mais comum em mulheres. A insuficiência de magnésio, vitamina B6, zinco, vitamina C, vitamina A, tiamina e niacina é maior entre os homens. Os investigadores observaram também que pessoas de ambos os sexos, com idades compreendidas entre os 10 e os 30 anos, são as que consomem menos alimentos com cálcio, especialmente no Sul e Leste da Ásia, na África Subsariana, na América do Norte, na Europa e na Ásia Central.
Brasil
No Brasil, a ingestão de vitamina B12, folato, zinco, niacina, tiamina, ferro e riboflavina é superior a 50% entre homens e mulheres; as principais inadequações estão relacionadas ao selênio, vitamina B6, iodo e vitamina E. A deficiência desta última, que previne os danos da oxidação celular, pode prejudicar os reflexos e a coordenação, causar dificuldade de marcha e enfraquecimento dos músculos, sendo insuficiente para mais de 75% da população com mais de 10 anos.
“Esses resultados são alarmantes”, comenta Ty Beal, especialista técnico sênior da Aliança Global para Melhoria Nutricional (Ganho) e um dos autores do estudo. “A maioria das pessoas – ainda mais do que se pensava anteriormente, em todas as regiões e países de todos os rendimentos – não consome o suficiente de vários micronutrientes essenciais. Estas lacunas comprometem os resultados de saúde e limitam o potencial humano à escala global.”
Embora os autores não tenham investigado as causas da insuficiência de micronutrientes, especialistas apontam que o consumo excessivo de alimentos ultraprocessados — produtos industrializados, como pratos prontos, embutidos, salgadinhos, biscoitos e refrigerantes — reduz a ingestão de vitaminas e minerais. “O excesso de produtos ultraprocessados na dieta pode contribuir para deficiências de micronutrientes, pois são ricos em calorias, açúcares, gorduras e sódio, mas pobres em vitaminas e minerais essenciais”, afirma Michely Tomazini, nutricionista da WB Nutri.
No Brasil, o consumo de alimentos ultraprocessados aumentou 5,5% em uma década, segundo pesquisa da Universidade de São Paulo (USP). “Mesmo pessoas com boa situação financeira podem optar pelo sabor e pela praticidade dos alimentos ultraprocessados, mas o excesso desses alimentos é comprovadamente prejudicial à saúde”, destaca a nutricionista Jana Caiado, de Brasília, especialista em saúde intestinal. “O uso contínuo destes pode causar diversos problemas de saúde a longo prazo. Alterações nos exames de sangue são frequentemente observadas nesta população”, atesta.
Decisões
Para os autores do estudo publicado na revista The Lancet Global Health, a pesquisa pode ser um guia para a tomada de decisões sobre política alimentar. “O desafio de saúde pública que enfrentamos é imenso, mas os profissionais e os decisores políticos têm a oportunidade de identificar as intervenções dietéticas mais eficazes e orientá-las para as populações mais necessitadas”, disse Christopher Golden, autor sénior do estudo, num comunicado. e professor da Harvard Chan School. Segundo Golden, a pesquisa abre caminho para que cada país investigue, com mais profundidade, as causas e a gravidade das deficiências.
Do ponto de vista individual, a nutricionista esportiva Rayane Marques recomenda incluir uma variedade de produtos ricos em nutrientes. “É a chave para garantir que estamos recebendo todos esses micronutrientes de forma adequada”. A suplementação, que só deve ser feita com orientação profissional, não traz nenhum benefício se a dieta for deficiente, destaca Jana Caiado: “Os suplementos, como o nome sugere, precisam complementar uma alimentação balanceada para o efeito correto”.
Como aumentar a ingestão
A nutricionista esportiva Rayanne Marques ensina onde encontrar os micronutrientes avaliados na pesquisa da The Lancet:
O cálcio é essencial para ossos e dentes e pode ser encontrado principalmente em laticínios como leite, queijo e iogurte. Também está presente em vegetais de folhas verdes, como couve e brócolis, além de sardinha e amêndoa. Para aumentar a ingestão, experimente incluir laticínios ou produtos fortificados no café da manhã e adicionar folhas verdes às refeições.
O iodo é essencial para o funcionamento da tireoide e pode ser encontrado em peixes marinhos, frutos do mar, algas e sal iodado. Para garantir que você está consumindo o suficiente, use sal iodado ao preparar os alimentos e inclua frutos do mar em sua dieta regularmente.
Quando falamos em ferro, ele é fundamental para o transporte de oxigênio no sangue. Carne vermelha, frango, peixe e legumes como feijão e lentilha são ótimas fontes. Para melhorar a absorção, consuma esses alimentos com fontes de vitamina C, como frutas cítricas.
A riboflavina, ou vitamina B2, é encontrada em carnes, ovos, laticínios, amêndoas e vegetais de folhas verdes. Uma boa forma de aumentar a ingestão é incluir ovos no café da manhã e adicionar amêndoas no lanche ao longo do dia.
O folato é extremamente importante para a formação do DNA e está presente em vegetais de folhas verdes, legumes e frutas cítricas. Para garantir uma boa ingestão, acrescente mais vegetais e legumes ao prato e opte por cereais fortificados.
O zinco ajuda o sistema imunológico a funcionar bem e pode ser encontrado em carnes, frutos do mar, feijões, nozes e sementes. Experimente variar o consumo de nozes e sementes e adicionar mais carnes magras e frutos do mar às suas refeições.
O magnésio é vital para muitas funções corporais e está presente em sementes de abóbora, espinafre, amêndoas, feijão preto e abacate. Uma boa dica é incluir mais nozes, sementes e vegetais verde-escuros em sua dieta.
Para o selênio, uma excelente fonte é a castanha-do-pará, além de frutos do mar, carne de frango e ovos. Comer uma única castanha-do-pará por dia já supre a necessidade diária desse mineral.
A tiamina, ou vitamina B1, é encontrada em carnes magras, grãos integrais, nozes, sementes e legumes. Para aumentar sua ingestão, inclua mais grãos integrais e nozes em suas refeições.
A niacina (vitamina B3) é encontrada em carnes, aves, peixes, amendoins e cereais fortificados. Incluir mais carnes magras e peixes nas refeições, além de consumir amendoim como lanche, é uma ótima forma de garantir essa vitamina.
Para a vitamina A, pense em alimentos como fígado, cenoura, batata doce, espinafre e laticínios. Adicionar mais vegetais laranja e verde-escuros ao prato e consumir fígado ocasionalmente pode ser muito benéfico.
A vitamina B6 pode ser encontrada em carnes, aves, bananas, batatas e espinafre. Para garantir uma boa ingestão, varie a ingestão de frutas e inclua banana na rotina diária, além de carnes magras e espinafre nas refeições.
A vitamina B12 é essencial e está presente em carnes, peixes, ovos e laticínios. Aumente sua ingestão incluindo mais fontes de proteína animal e ovos em sua dieta.
A vitamina C é famosa por seu papel no sistema imunológico e é encontrada em frutas cítricas, morangos, pimentões, brócolis e kiwi. Consumir diariamente uma porção de frutas cítricas ou pimentões pode ajudar a manter bons níveis dessa vitamina.
E, finalmente, a vitamina E é importante para a pele e está presente em nozes, sementes, óleos vegetais e vegetais de folhas verdes. Para melhorar a ingestão, use óleos vegetais como o azeite e consuma nozes como lanches saudáveis.
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