Quando falamos em proteínas, logo pensamos em hambúrguer. Ou em um suplemento de whey. Embora a associação imediata seja com a alimentação, as proteínas não são apenas um macronutriente. Na verdade, são moléculas biológicas que constituem o corpo dos seres vivos e estão relacionadas com absolutamente todas as funções orgânicas. A revelação da estrutura da proteína com ferramentas computacionais rendeu aos norte-americanos David Baker, 62, e John Jumper, 39, e ao britânico Demis Hassabis, 48, o Prêmio Nobel de Química.
Baker e Hassabis, do Google DeepMind, resolveram um problema que vinha sendo perseguido pela comunidade científica há décadas. Com o algoritmo AlphaFold, desenvolvido em 2020, demonstraram como a ordem dos aminoácidos define a forma da proteína. Isso é fundamental porque a estrutura determina a função da molécula. O bioquímico Demis Hassabis, da Universidade de Washington, também usou inteligência artificial para criar proteínas não encontradas na natureza, incluindo algumas capazes de neutralizar vírus e atacar células cancerígenas.
“As proteínas não são um bloco de construção passivo, mas sim pequenas máquinas moleculares que realizam todas as funções do corpo”, explica Juliana Smetana, professora e pesquisadora da Faculdade de Ciências Ilum do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (Cnpem). , em Campinas. Doutor em genética e biologia molecular e especializado em proteínas, o cientista lembra que, desde a formação da memória até a resposta imunológica, todo o organismo depende dessas moléculas para funcionar.
Função
São mais de 20 mil proteínas naturais, cada uma com sua função específica. O papel que desempenharão depende da disposição dos 20 tipos de aminoácidos — representados por letras — que compõem as moléculas. “A sequência e a ordem dos aminoácidos determinam a estrutura espacial, a forma tridimensional da proteína. Durante décadas, foram feitas tentativas para chegar a uma forma preditiva da estrutura tridimensional, sem métodos experimentais. esse problema”, destaca Smetana.
Outros ganhadores do Nobel decifraram experimentalmente a estrutura das proteínas. Em meio século, foram publicados cerca de 200 mil. Em três anos, o AlphaFold atingiu 1 milhão de formas tridimensionais. “A inteligência artificial não substitui a pesquisa experimental: ela traz velocidade, volume e precisão”, define o professor do Ilum.
Em entrevista coletiva, Hassabis afirmou que, ao longo de sua vida profissional, trabalhou com inteligência artificial, pensando em como utilizá-la em benefício da sociedade. “Sempre soube e senti que provavelmente seria uma das tecnologias mais transformadoras da história da humanidade”, disse ele.
Covid
Um dos benefícios da inteligência artificial (IA) na modelagem molecular, lembra Ubiracir Lima, membro do Conselho Federal de Química (CFQ), foi um passo muito importante para a vacina contra a covid-19. “Na época da pandemia não tínhamos nada. Tradicionalmente leva-se cerca de 10 anos para fazer estudos clínicos, e algumas empresas trabalharam com inteligência artificial para modelar uma molécula capaz de inibir outra proteína, a spike, responsável pela entrada de Sars -CoV2 nas células”, exemplifica.
Segundo Lima, graças a ferramentas como a reconhecida pela Real Academia Sueca de Ciências, responsável pelo Prêmio Nobel, podemos esperar descobertas de medicamentos com uma velocidade muito maior e com uma precisão sem precedentes. O conselheiro do CFQ lembra que, no caso de proteínas sintéticas, como as desenvolvidas para medicamentos e vacinas, é necessário encontrar um formato suficiente para caber no receptor biológico, como num modelo chave (a molécula sintética) e numa fechadura (a célula).
“Não cabe qualquer chave em qualquer fechadura, então o trabalho do químico sintético é mexer em chaves diferentes para tentar fazer com que elas se encaixem muito bem na fechadura”, compara. “Agora, a IA pode simular esse receptor biológico e diferentes substâncias químicas que se encaixarão perfeitamente nesse receptor.”
No anúncio do Nobel, o júri justificou a atribuição a David Baker por ter realizado “a façanha quase impossível de construir proteínas completamente novas”. De acordo com o comitê do Nobel, “entre uma infinidade de aplicações científicas, os pesquisadores podem agora compreender melhor a resistência aos antibióticos e visualizar enzimas que podem quebrar o plástico”. John Jumper e Demis Hassabis foram premiados por “desenvolverem um modelo de inteligência artificial para resolver um problema de 50 anos: prever as estruturas complexas das proteínas”.
Abordagens complementares
As proteínas são moléculas biológicas fundamentais para a vida como a conhecemos. Eles desempenham a grande maioria das funções essenciais para que uma célula se divida, cresça e desempenhe diversas funções e funcione corretamente em nossos tecidos e órgãos, bem como em todos os outros seres vivos.
E o prêmio deste ano homenageia pesquisadores que realizaram estudos importantes nessa área. David Baker é um pesquisador que estuda essa estrutura de proteínas há alguns anos e, recentemente, conseguiu um feito impressionante: desenvolver novas proteínas utilizando estruturas completamente diferentes daquelas que a natureza nos fornece. São proteínas customizadas e projetadas para desempenhar funções diversas, diferentes daquelas que a natureza nos deu ao longo do processo de evolução. É como se estivéssemos criando um novo repertório de proteínas, que são essas moléculas tão importantes para a vida.
Os outros dois pesquisadores estão ligados à empresa DeepMind, afiliada do Google, que desenvolveu um modelo de inteligência artificial que tem a impressionante capacidade de prever a estrutura das proteínas através de sua sequência de aminoácidos, blocos de construção proteicos.
Hoje em dia é muito fácil obter a sequência de aminoácidos de uma proteína, seja a partir do sequenciamento do DNA ou do sequenciamento da própria proteína. No entanto, isso apenas nos dá uma ordem na qual os aminoácidos estão dispostos. Para entendermos como a proteína desempenha essas funções, precisamos entender sua estrutura. E, para isso, as técnicas são muito mais elaboradas e caras, tanto em termos de recursos como de tempo necessário.
As abordagens vencedoras do Prémio Nobel são complementares no mundo das proteínas: uma que nos permite, através da sequenciação, ter uma ideia de como são as proteínas; e outra criando novas proteínas, aumentando o repertório que a natureza já selecionou ao longo desses bilhões de anos de evolução e permitindo o desenvolvimento de moléculas completamente novas para cumprir novas funções, como a produção de fármacos e medicamentos.
Sergio Ferreira, diretor científico da Ciência Pioneira/IDOR e professor dos institutos de biofísica e bioquímica médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
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