Parques, jardins, canteiros, telhados verdes e muros naturais podem reduzir as temperaturas em até 5ºC nas cidades, cada vez mais afetadas pelo aquecimento global. Uma revisão de 27 mil pesquisas coordenadas pela Universidade de Surrey, no Reino Unido, com a participação de cientistas brasileiros, sugere a adoção de infraestruturas urbanas verde-azul-cinza (GBGI). O conceito, defendido pela Organização das Nações Unidas (ONU), refere-se à preservação das funções dos ecossistemas naturais e artificiais na engenharia, contribuindo para o combate aos efeitos das mudanças climáticas.
Uma das autoras do estudo publicado na revista The Innovation, Maria de Fátima Andrade, do Departamento de Física da Universidade de São Paulo (USP), destaca que o fenômeno das ilhas de calor urbanas é um dos maiores desafios que as cidades enfrentam no século 21. “Essas ilhas são áreas densamente povoadas, onde o uso de concreto e asfalto aumenta significativamente as temperaturas em comparação com as regiões rurais vizinhas”, explica.
Segundo o especialista em poluição atmosférica, a vegetação não só ameniza o aumento da temperatura, como também restaura áreas destruídas nos centros urbanos. Maria de Fátima Andrade defende que as GBBIs são uma alternativa promissora para as cidades. “As soluções locais não resolvem as alterações climáticas, mas podem ser extremamente úteis na mitigação das temperaturas”, afirma.
Subutilizado
As áreas climatizadas nos centros urbanos vão desde jardins botânicos até zonas húmidas, com recursos hídricos como lagos e muros verdes (cobertos por vegetação). Os investigadores defendem que, em geral, parques, campos de golfe e jardins zoológicos, por exemplo, são subutilizados, recebendo pouca atenção nas políticas climáticas. No entanto, eles têm o potencial de mitigar o calor. Além de mitigar a temperatura, os GBBIs melhoram a qualidade do ar, aumentam a biodiversidade e criam espaços de convivência, contribuindo para a saúde física e mental dos residentes.
O estudo analisa também o impacto das alterações climáticas na eficácia destas infra-estruturas no futuro. Com base em projeções de elevadas emissões de gases com efeito de estufa, os investigadores sugerem que os centros urbanos sofrerão alterações climáticas significativas até ao final do século. Cidades que atualmente possuem clima temperado, como São Paulo, poderão enfrentar condições mais áridas, necessitando de adaptações.
Portanto, os autores do artigo defendem o planejamento de longo prazo. “As soluções aplicadas hoje podem não ser eficazes no futuro devido às mudanças climáticas, o que torna essencial que os urbanistas considerem os cenários futuros na concepção de novos projetos”, argumenta Maria de Fátima Andrade. “A resiliência será essencial para enfrentar os desafios climáticos e as cidades precisarão investir em soluções que combinem inovação tecnológica com sustentabilidade ambiental.”
Obstáculos
A pesquisa enfatiza que a implementação de GBBIs em larga escala enfrenta obstáculos, como a falta de políticas públicas e de investimentos. Além disso, a manutenção destas áreas requer atenção, especialmente em cidades com orçamentos limitados. As árvores urbanas, por exemplo, requerem poda e irrigação constantes, enquanto as zonas húmidas podem atrair insectos se não forem geridas adequadamente.
A conscientização pública também é essencial para que essas soluções sejam priorizadas no desenvolvimento urbano, afirmam os autores do artigo. “A colaboração entre governos, cientistas e sociedade civil é essencial para garantir a adoção efetiva destas infraestruturas e maximizar os seus benefícios”, diz o texto.
A pesquisa oferece recomendações para gestores e planejadores urbanos. Em áreas densamente povoadas, paredes e telhados verdes, que podem ser integrados em edifícios existentes, são uma opção. Em zonas com mais espaço, parques e zonas húmidas (onde existem recursos hídricos naturais ou artificiais) são considerados soluções ideais para arrefecimento, além de contribuírem para a gestão de cheias e para a preservação da biodiversidade.
*Estagiário sob supervisão de Renata Giraldi
Frederico Flósculo Pinheiro Barreto, Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília (1988), Doutor em Desenvolvimento Humano e Processos de Saúde pelo Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (2009).
Frederico Flósculo Pinheiro Barreto, doutor em desenvolvimento humano e processos de saúde pelo Instituto de Psicologia e mestre em arquitetura e urbanismo pela Universidade de Brasília.
Esta proposta, apresentada por cientistas do “jardim botânico”
É o caminho para melhorar a qualidade de vida?
Os jardins botânicos podem ser uma grande coisa. Eles são excepcionais. É uma sugestão que você me faça pensar em áreas especialmente destinadas à recuperação de áreas devastadas por incêndios, por ocupação humana, áreas que correm risco de desertificação e seriam as recuperadas.
Brasília também sofre com a pressão das ilhas de calor, embora o planejamento original da cidade fosse bem diferente, certo?
Temos o exemplo do projeto urbanístico de Brasília, feito pelo Lucio Costa, porque o projeto urbanístico é excepcional. É um projeto que criou uma cidade-parque. Então o Plano Piloto é uma área relativamente livre e verde, arborizada, em que as quadras da superquadra são distribuídas sob pilotis, permitindo assim um enorme e notável nível de impermeabilidade, a ponto de Brasília ser uma das cidades mais arborizadas do mundo em esse sentido. . Pelo menos no que diz respeito às áreas residenciais da Asa Norte e Asa Sul. Esse padrão de arborização, relacionado ao parque, já não se repete em mais de 30 bairros da cidade.
Como anda atualmente a preservação de áreas verdes no Distrito Federal?
(Infelizmente) não conseguimos fazer com que os governos adotassem, como um dos princípios de conservação do complexo urbano de Brasília, a preservação do Cerrado, a criação de novas áreas de cuidado ambiental, de cuidado com formações naturais, florestas e matas ciliares . Pelo contrário, temos presenciado a devastação do Cerrado em todo o Distrito Federal, nunca tivemos tão pouco Cerrado na capital.
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