Há pouco mais de uma década, os países membros da Organização das Nações Unidas (ONU) assumiram o ambicioso desafio de reduzir, até 2025, em 25% a incidência e a mortalidade precoce — antes dos 70 anos — por quatro doenças crónicas não transmissíveis (DCNT ). Quando a meta foi estabelecida, sozinho, o grupo das doenças cardiovasculares era responsável por 60% das mortes por DCNT.
Faltando cerca de dois meses para a chegada do ano em que o objetivo deverá ser alcançado, o mais recente documento de monitorização da ONU, publicado em 2022, destaca: houve progressos, mas “nenhum país está no caminho certo” para atingir a meta.
Consideradas uma epidemia, as doenças cardiovasculares (DCV) são as mais comuns no mundo e também as que mais matam globalmente. Em 30 anos, houve um aumento de 60% nas mortes por estas causas e as projeções para 2050 são alarmantes. De hoje até terça-feira, uma série de Correspondência mostra os desafios de reduzir a carga global de DCV, num momento de fatores de risco emergentes.
Prevenção
A boa notícia é que a tendência pode ser interrompida. Segundo estudos, até 80% dos casos de ataque cardíaco e acidente vascular cerebral – as duas principais causas de morte por DCV – são evitáveis com mudanças no estilo de vida. “A prevenção é o conceito mais importante. É preciso criar condições para prevenir a ocorrência de doenças, e não apenas tratá-las”, define o membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) Protásio Lemos da Luz, cardiologista e pesquisador da Universidade de São Paulo. Paulo (USP).
Amanda Gonzales, cardiologista do Hospital Sírio-Libanês, destaca a necessidade de ações públicas urgentes para reduzir as doenças cardiovasculares. “Não sabemos se é possível mudar o cenário global, mas, individualmente, podemos melhorar, e muito, se começarmos agora”, afirma. Segundo a WHF, os principais fatores de risco modificáveis incluem colesterol, índice glicêmico elevado, obesidade, tabagismo, sedentarismo e hipertensão.
Contudo, não existe uma receita fácil para reduzir as doenças cardiovasculares. Além do envelhecimento da população e da epidemia de obesidade, novos factores de risco, como as consequências da Covid-19 e os efeitos fisiológicos das alterações climáticas, somam-se aos já conhecidos.
“Entre os jovens, por exemplo, existe um novo fator de risco: o consumo excessivo de cafeína, encontrada em energéticos e suplementos”, alerta o cardiologista Murilo Morhy, que foi professor e diretor do Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza, da Universidade Federal do Pará. “Esse hábito tem levado ao aumento das arritmias, que podem evoluir para paradas cardíacas. Se não tratarmos o problema de forma preventiva, veremos um aumento na prevalência de doenças cardiovasculares em idades mais jovens”, destaca.
Conhecimento
Para Renato David, cardiologista do Instituto do Coração de Taguatinga (ICTCor), uma das dificuldades na prevenção é o desconhecimento da população sobre os fatores de risco. “A grande maioria dos pacientes hipertensos, diabéticos e com colesterol alterado só tomará conhecimento de que tem comorbidade após alguns sintomas ou complicações. Ou seja, quando a situação já estiver tardia e houver perda de qualidade de vida e aumento do risco de morte.”
Mesmo entre os universitários da área da saúde, a percepção não é das melhores. Uma pesquisa apresentada no VI Congresso Brasileiro de Ensino de Fisioterapia com 320 estudantes da Universidade Federal do Paraná (UFPR) constatou que quase metade não sabia que a hipertensão é um fator de risco cardiovascular.
Um estudo publicado no Arquivos Brasileiros de Cardiologia com pacientes com hipercolesterolemia grave – uma condição hereditária em que o fígado não metaboliza o LDL, ou “colesterol ruim” – mostrou que apenas 18% acreditavam ter um alto risco de doença cardiovascular. O neurologista Rodrigo Silveira, do Hospital Icaraí, em Niterói, destaca que existem desigualdades no acesso à informação e que, mesmo quando existe conhecimento, há pessoas que preferem ignorá-lo. “Apesar da conscientização sobre os maus hábitos, ainda temos uma grande parcela da população que consome tabaco, álcool e outras drogas, o que também aumenta o risco de ocorrência dessas doenças”.
Emocional
Além de abordar fatores de risco bem estabelecidos, pesquisas mais recentes enfatizam o bem-estar emocional para reduzir a incidência e a mortalidade por doenças cardiovasculares. Práticas como meditação, ioga, caminhadas na natureza e até trabalhos manuais em grupo têm sido prescritas por médicos, com base em novos conhecimentos científicos.
Um estudo publicado na revista Jornal Europeu do Coraçãopor exemplo, descobriram que a solidão pode ter um impacto maior no risco de doenças cardiovasculares em pacientes com diabetes do que a dieta ou o estilo de vida sedentário. A pesquisa incluiu 18.509 adultos com idades entre 37 e 73 anos com distúrbio metabólico, mas sem histórico de DCV no início do estudo. Aqueles que relataram uma alta taxa de isolamento social tiveram até 26% de chance de ataque cardíaco e acidente vascular cerebral durante o período de acompanhamento.
“Cada vez mais, pesquisas mostram o impacto da saúde mental e das nossas relações interpessoais nas doenças cardiovasculares. Isso afeta a saúde de diversas maneiras, como alterações hormonais, inflamação e ativação do sistema adrenérgico (composto por hormônios, neurônios e receptores)”, explica a cardiologista Amanda Gonzalez, do Hospital Sírio-Libanês. “Portanto, temos que olhar para todos os pilares quando pensamos em saúde cardiovascular”.
Duas perguntas para Protásio Lemos da Luz, pesquisador sênior do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor/USP) e membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC)
Porque é que as doenças cardiovasculares continuam a ser a principal causa de morte, embora saibamos como preveni-las?
Isso tem muito a ver com o chamado controle dos fatores de risco, como hipertensão, diabetes, sedentarismo, alimentação… Acontece que a implementação desses programas é difícil porque envolve mudanças no estilo de vida, e não é fácil para pessoas mudem. A segunda coisa tem a ver com a chamada adesão ao tratamento. Em um ano, o número de pacientes que seguem orientação médica é muito pequeno, menos de 30%. Outro fator é que estamos tendo um problema de obesidade e diabetes que começa na adolescência. Então, todas essas coisas estão relacionadas ao estilo de vida e, embora tenhamos feito grandes avanços na compreensão da fisiopatologia da doença, tem sido difícil implementar o que já foi descoberto. Por fim, recentemente, com a pandemia, houve um enorme aumento de alterações emocionais, como depressão e ansiedade. Criou-se um ambiente de preocupação e incerteza, o que está a ter impacto nas doenças cardiovasculares.
As sociedades médicas estão considerando os fatores emocionais mais como uma estratégia de proteção?
Sim. Uma das terapias mais utilizadas ultimamente é a terapia cognitivo-comportamental (TCC), de menor duração, que busca focar em determinados problemas atuais da pessoa. Muitas outras abordagens estão sendo implementadas com sucesso, e uma das mais consideradas é a espiritualidade. Essa é uma questão antiga, abordada por Aristóteles e filósofos orientais, mas hoje há um enfoque mais científico, com muitas pesquisas sobre o tema. As sociedades médicas procuram abordar a espiritualidade desde a formação médica, como elemento importante na melhoria da qualidade de vida. (PÓ)
Você gostou do artigo? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê sua opinião! O Correio tem espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores através do e-mail sredat.df@dabr.com.br
pan cred login
whatsapp download blue
bpc consignado
pague menos png
abara png
picpay baixar
consignado do auxílio brasil
empréstimo sem margem inss
inss credito
bpc loa