De todos os mais de 100 tipos de cancro já identificados, estima-se que apenas 5% a 10% podem ser diretamente atribuídos à genética. O resto está associado a fatores dietéticos, ambientais e de estilo de vida – isoladamente ou, mais comumente, em combinação. Nos últimos anos, a nutrição tem sido destacada como uma poderosa aliada na prevenção, e pesquisas recentes detectaram propriedades anticancerígenas em diversos alimentos que, segundo os autores, podem ajudar a reduzir o risco da doença.
Embora não exista uma dieta capaz de prevenir o câncer, segundo a Escola de Saúde Pública TH Chan da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, um padrão alimentar saudável pode reduzir o risco em 10% a 20%. O percentual, indicado em revisão da literatura médica publicada no Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics, varia de acordo com a localização do tumor e o sexo do indivíduo. No entanto, os autores observam que as recomendações sobre o que comer e o que evitar são bastante semelhantes.
Equilibrado
“A prevenção do câncer requer uma alimentação balanceada, à base de vegetais com efeitos antiinflamatórios”, aponta o pesquisador iraniano Hassan Bahrami. Ele é autor de um estudo publicado recentemente na revista Nutrition for Cancer Prevention and Control, avaliando os resultados de mais de 100 estudos que analisam a associação entre dieta e risco da doença. Embora reconheça a necessidade de mais investigações, Bahrami encontrou pontos comuns nos artigos.
Na literatura científica revista pela investigadora destacam-se os alimentos alcalinizantes como amêndoas, vegetais de folhas verdes, tomate, cenoura, aipo, pepino, ervilha, limão, manga, figo, cebola roxa, uva, alho, azeite, gengibre e especiarias. como preventivo. , como pimenta preta. Por outro lado, carboidratos refinados, álcool, batata frita, refrigerante, alimentos ultraprocessados e carne vermelha são os itens mais citados que devem ser evitados.
Uma explicação reside na inflamação, uma reação do sistema imunológico a patógenos e toxinas que, quando crônica, pode danificar os tecidos. Por outro lado, os alimentos que ajudam a equilibrar o pH do corpo são ricos em micronutrientes, fibras e compostos bioativos que podem ter efeitos antiinflamatórios e antioxidantes. “Esses componentes ajudam a neutralizar os radicais livres e a regular processos hormonais e metabólicos que podem contribuir para o desenvolvimento do câncer”, explica a endocrinologista Cintia do Couto. Mas lembra também que, mais do que o efeito na escala de acidez, “é a qualidade nutricional destes alimentos que contribui para os benefícios para a saúde”.
Brócolis
Antioxidante e nutritivo, o brócolis é um dos alimentos com maiores evidências de propriedades de prevenção do câncer. Uma revisão de 35 estudos com um total de 730.000 pessoas publicada este ano na revista Nutrients descobriu que o consumo frequente deste vegetal reduziu o risco de tumores de pulmão, sistema reprodutivo, gástrico, colorretal, bexiga, próstata e mama entre 11% e 36%. %. .
Embora não estabeleça uma relação de causa e efeito, o artigo, realizado pela Academia Espanhola de Nutrição e Dietética, aponta mecanismos biológicos que podem ajudar a explicar a associação. Um deles é o sulforafano, composto natural do brócolis e de outros vegetais crucíferos, como couve e agrião, que combate o estresse oxidativo e promove a morte de células cancerígenas, entre outros.
“Numerosos estudos destacaram a eficácia do sulforafano no combate às células-tronco cancerígenas (indiferenciadas) em vários tipos de câncer, aumentando assim seu potencial para prevenir a resistência aos medicamentos, metástases e recorrência tumoral”, diz o artigo.
As cenouras também passaram no teste de alimentos com potencial anticancerígeno. Um estudo apresentado no congresso Nutritions 2024, nos Estados Unidos, mostrou que um punhado de minicenouras (a versão miniaturizada da raiz) três vezes por semana aumenta significativamente os carotenóides no corpo — esses nutrientes naturais estão associados a maior proteção antioxidante e redução de risco. de doenças crónicas, incluindo alguns tipos de tumores oncológicos. Melhorias na saúde da pele e na função imunológica também foram demonstradas.
“Nossas descobertas sugerem que uma pequena e simples modificação na dieta – incorporar cenouras infantis como lanche – pode aumentar significativamente o acúmulo de carotenóides”, disse Mary Harper Simmons, estudante de mestrado em nutrição na Universidade de Stanford que apresentou o trabalho, em um comunicado. .
Igor Morbeck, oncologista da Oncoclínicas Brasília
O que já está bem estabelecido hoje sobre a relação entre nutrição e câncer?
É claro que existem alimentos que levam a um estado de maior acidificação do organismo, piorando o metabolismo e causando mais inflamação. E essa inflamação maior pode, de fato, estar relacionada com o aumento da chance de câncer. Por outro lado, existem alimentos chamados de alimentos protetores, que são alcalinos, relacionados a menos inflamação e que também são antioxidantes — dessa forma, reduzem o estresse nas células, e isso leva a menos risco de câncer.
Um artigo recente afirma que comer alimentos vegetais em quantidade suficiente com efeitos alcalinizantes pode ajudar a reduzir o risco de câncer. O que pode explicar essa relação?
Os chamados alimentos alcalinizantes também estão relacionados com a dieta mediterrânica, uma dieta rica em frutas e vegetais e também em folhas verdes, nozes e óleos vegetais, especialmente azeite. Alguns outros alimentos também são considerados protetores, por exemplo, como alho, espinafre e brócolis. Então, sim, esses são os chamados alimentos alcalinizantes, que deveriam fazer parte do consumo diário das pessoas para que inúmeras doenças possam ser evitadas, inclusive o câncer.
O que deve ser evitado na alimentação para reduzir o risco?
Os principais alimentos que devem ser evitados com o consumo excessivo são os alimentos ultraprocessados. Quando falamos de alimentos ultraprocessados, são carnes, presuntos, embutidos, laticínios, biscoitos embalados de supermercado. Na verdade, todos esses alimentos estão relacionados ao agravamento das taxas de diversas doenças crônicas, incluindo o câncer. A questão da carne vermelha chama muita atenção porque o consumo elevado — acima de três vezes por semana — está relacionado ao câncer de intestino, pulmão, mama e próstata, que são os mais comuns.
Padrões equilibrados
Embora não exista uma dieta específica capaz de garantir proteção completa contra o câncer, há evidências de que padrões alimentares equilibrados podem reduzir o risco de desenvolver a doença. Dietas balanceadas e ricas em alimentos de origem vegetal, como frutas, grãos integrais e oleaginosas, têm papel protetor para o organismo por serem alimentos pouco inflamatórios. Os alimentos ultraprocessados são compostos por diversas substâncias que estimulam a inflamação sistêmica no organismo. Além disso, a baixa ingestão de fibras e de alimentos ricos em antioxidantes, como frutas, vegetais e grãos integrais, pode impactar negativamente na prevenção de doenças. É importante evitar simplificações ou promessas milagrosas, pois o câncer é uma doença multifatorial e a alimentação é apenas um dos aspectos que influenciam na sua ocorrência.
Cintia do Couto é endocrinologista especialista em terapia hormonal
Consumo moderado de carne vermelha
Se os estudos encontraram evidências sobre alimentos potencialmente protetores, numerosos estudos também apontam quais alimentos estão mais associados ao desenvolvimento do câncer. “O consumo de carne vermelha deve ser evitado — a quantidade recomendada seria de 65g de carne cozida por dia ou 130g, três a quatro vezes por semana”, ensina Mariana Bruno Siqueira, médica da Oncologia D’Or. “Carnes processadas, como linguiça, presunto, salame devem ser evitadas ao máximo, além do consumo de bebidas alcoólicas, mesmo que em quantidades moderadas”, destaca.
No caso dos pacientes com câncer já diagnosticados, o médico ressalta que um estilo de vida saudável pode impactar no resultado do tratamento. “A alimentação associada a outras mudanças no estilo de vida, como prática regular de exercícios físicos, cessação do tabagismo e limitação do consumo de álcool está associada a maior sobrevida e chance de cura em pacientes com diagnóstico, além disso, pode nos ajudar no controle dos efeitos colaterais do tratamento, especialmente diarréia.”
Imunológico
A nutricionista Rayanne Marques lembra que, durante o tratamento do câncer, o corpo enfrenta desafios, como inflamações, alterações metabólicas e possíveis efeitos colaterais dos medicamentos. “A alimentação adequada ajuda a fortalecer o sistema imunológico, preservar a massa muscular, melhorar a tolerância aos tratamentos e reduzir efeitos colaterais, como náuseas, cansaço e perda de apetite”, afirma.
Ela recomenda evitar alimentos ultraprocessados, alimentos ricos em gorduras saturadas e açúcares refinados. “Alimentos ricos em antioxidantes, como frutas, vegetais e grãos integrais, podem ajudar a combater o estresse oxidativo causado pelo tratamento. Além disso, a hidratação adequada é fundamental para manter o bom funcionamento do organismo e facilitar a eliminação de toxinas”, ensina Rayanne Marques. (PÓ)
Atraso na progressão
Um estudo apresentado ontem na reunião anual da Sociedade Norte-Americana de Hematologia, nos Estados Unidos, mostrou que uma intervenção dietética rica em fibras e à base de plantas pode retardar a progressão do mieloma múltiplo, um tipo raro e incurável de câncer no sangue que afeta o medula óssea. “O estudo demonstra o poder da nutrição e permite uma melhor compreensão de como ela pode levar a melhorias no microbioma e no metabolismo para construir um sistema imunológico mais forte”, disse Urvi Shah, um dos autores e pesquisador do Memorial Sloan, em um declaração. Centro de Câncer Kettering.
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