À medida que o planeta aquece, muitos seres vivos estão a mudar-se para novos ambientes, uma vez que os seus habitats históricos se tornaram inóspitos. As árvores não são exceção – a distribuição atual de muitas espécies já não é adequada à sua resiliência. No entanto, a velocidade de migração para áreas que poderiam melhor apoiá-los tem sido mais lenta em comparação com outras plantas e animais. Agora, os cientistas revelam que a causa deste atraso pode ser subterrânea.
Um estudo publicado na revista Pnas, desta segunda-feira (27/5), mostra que as árvores, principalmente as localizadas no extremo norte do planeta, estão se deslocando para solos que não possuem a vida fúngica necessária para mantê-las. A maioria das plantas forma parcerias subterrâneas com organismos chamados micorrízicos. Eles são microscópicos e filamentosos e se conectam às raízes da flora. Assim, são capazes de fornecer nutrientes essenciais em troca de carbono. Espécies grandes conhecidas como coníferas – devido ao seu formato de cone – estabelecem relações com um tipo de fungo denominado ectomicorrízico.
“Examinando o futuro destas relações simbióticas, descobrimos que 35% das parcerias entre árvores e fungos que interagem com raízes seriam impactadas negativamente pelas alterações climáticas”, alertou, numa nota, Michael Van Nuland, ecologista da Society for the Protection de Redes Subterrâneas (Spun), principal autor do estudo. Segundo Van Nuland, as árvores mais vulneráveis à crise climática na América do Norte são as da família dos pinheiros. As áreas de maior preocupação são os espaços que delimitam a distribuição das espécies, onde estas plantas enfrentam frequentemente condições adversas.
Diversidade
Durante a pesquisa, os pesquisadores descobriram que as árvores com maior taxa de sobrevivência nesses locais mais inóspitos possuem fungos micorrízicos mais diversos. Isto indica que as simbioses podem ser essenciais para ajudar a flora a resistir aos efeitos das alterações climáticas.
Marco Moraes, geólogo, pesquisador de mudanças climáticas e autor do livro Planeta Hostil (Matrix Editora), destaca que cerca de 60% das árvores do mundo formam simbiose com plantas micorrízicas. “As árvores fornecem carbono para os fungos, ao mesmo tempo que fornecem nutrientes essenciais para a vegetação, como nitrogênio, fósforo e potássio. Sem esses nutrientes, as árvores não podem sobreviver.”
O especialista detalha que, quando as temperaturas mudam, as espécies procuram migrar em busca de situações mais favoráveis para sua sobrevivência. “Era esperado que pares de simbiontes árvore-fungo migrassem juntos. Mas foi observado que em pelo menos 25% dos casos isso não ocorre, com os fungos não acompanhando as árvores em seu movimento”, diz Moraes.
Rodrigo Basílio, biólogo e professor de biologia do Colégio Olímpico, em Brasília, detalha que, sem a presença de fungos, as plantas devem ter solo pelo menos rico para que possam viver sem a necessidade da ação de micorrizas. “Caso contrário, se o solo for pobre em nutrientes, terá que ser fertilizado com compostos e nutrientes que faltam aos vegetais”.
Segundo Basílio, os fungos apresentam alto nível reprodutivo e podem ser encontrados em quase todos os substratos com condições favoráveis para a germinação de seus esporos. “Portanto, para introduzir fungos em ambientes onde eles não estão presentes, basta garantir um nível de umidade onde eles possam se instalar. É importante destacar que a presença de agrotóxicos inibe o crescimento de fungos”.
Helga Corrêa, especialista em conservação do WWF-Brasil, destaca, porém, que ainda não é possível prever os impactos da inserção artificial de fungos nas regiões onde as árvores irão se estabelecer. “Qualquer experimento nesse sentido será de tentativa e erro, e quanto maior o número de espécies existentes no sistema, mais complicado será saber quais espécies de micorrizas devem ser introduzidas. É um problema muito complexo”.
Urgência climática
O estudo também destacou como as mudanças climáticas podem estar afetando a simbiose. “Embora esperemos que as migrações induzidas pelo clima sejam limitadas por fatores abióticos, como a disponibilidade de espaço em latitudes e altitudes mais elevadas, geralmente não consideramos as limitações bióticas, como a disponibilidade de parceiros simbióticos”, explicou a coautora do artigo, Clara Qin. cientista de dados. “É absolutamente crucial que continuemos a trabalhar para compreender como as alterações climáticas estão a afectar as simbioses micorrízicas”, disse Van Nuland. “Essas relações sustentam toda a vida na Terra – é fundamental que as compreendamos e protejamos.”
Para Helga Corrêa, devido às alterações climáticas, cria-se um estado de alerta para o risco de perda de interações que se desenvolveram ao longo de milhares de anos. “Não sabemos a grande escala dos impactos disto. Sabemos muito pouco sobre quantas espécies estão envolvidas e qual é o nível de dependência”.
Duas perguntas para Maria Carolina Faleiros, bióloga e professora de biologia da Rede Blue Educação
Como os especialistas podem contribuir para proteger as redes fúngicas subterrâneas num cenário de mudanças climáticas aceleradas?
Monitorar a distribuição e diversidade destas redes em diferentes ecossistemas, analisando fatores ambientais, como disponibilidade de nutrientes, pH do solo, temperatura, disponibilidade de água, fisiologia da planta hospedeira. Além de avaliar como as mudanças climáticas afetam essa relação e qual a resposta das micorrizas a essas mudanças. É necessário desenvolver práticas sustentáveis de gestão da terra, com menor impacto no solo.
Como ocorre essa relação em outras regiões, como a América do Sul?
Esta relação mutualística entre fungos e plantas também pode ocorrer através da associação entre líquenes e algas, ou cianobactérias, bastante comum em regiões montanhosas e zonas costeiras. Essas conexões podem variar dependendo das condições climáticas.
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