Por Daniel Becker* —O senador Angelo Coronel apresentou em julho um projeto de lei que, por meio de alterações na legislação do pilar nacional, como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados, visa, principalmente, prever a regulação e fiscalização de provedores de aplicações de internet. O texto, apesar de muito recente e ainda pendente de debate no Senado, já levanta preocupações sobre seu impacto prático na internet, nos seus players e no mercado de tecnologia e inovação.
É importante criticar imediatamente a definição adotada para parametrizar o que seria um “provedor de aplicações de internet”, dada a escolha de um conceito amplo que, inegavelmente, pode gerar incerteza sobre quais empresas se enquadrariam nesta categoria e, consequentemente, estariam sujeitas à regulamentação. O ideal seria uma definição mais clara, evitando interpretações divergentes e possibilitando um quadro de segurança jurídica e de tangibilidade concreta da nova legislação.
Além disso, a falta de mecanismos de participação social na preparação e implementação da regulação também é um ponto fraco. Consultas e audiências públicas são essenciais para garantir que as vozes de todas as partes interessadas sejam ouvidas, promovendo uma regulação mais legítima e, acima de tudo, que possa se adaptar ao dinâmico setor tecnológico.
Passando do próprio PL aos seus impactos práticos, é preciso abordar um dos aspectos mais delicados do texto: a sugestão de tributação das plataformas digitais, cuja receita operacional seja igual ou superior a R$ 50 milhões. O PL propõe que essas empresas contribuam para o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações — FUST, em valores equivalentes a 5% de sua receita, a fim de promover uma compensação justa pelo uso intensivo da infraestrutura de telecomunicações. Porém, a tributação proposta, mesmo com isenção para empresas com faturamento inferior a R$ 50 milhões, poderia representar um custo adicional significativo para empresas em crescimento, impactando sua capacidade de investimento.
Além disso, a complexidade da regulação e dos custos de conformidade pode ser desproporcionalmente maior para as empresas mais pequenas, criando uma barreira à entrada de novos concorrentes e proporcionando uma concentração de mercado que não favorece o mercado nacional, muito menos o posicionamento internacional do país como país. atraente para novas tecnologias e plataformas. No papel, a tributação possibilitaria a expansão da internet para as áreas rurais do país, mas, na vida real, a proposta pode não alcançar os resultados esperados. Até porque a eficácia da medida depende principalmente da gestão eficiente do FUST e da priorização de investimentos nas áreas mais necessitadas.
Além disso, o PL tem o poder de desestabilizar o mercado e, portanto, desencadear o movimento contrário. A regulamentação das big techs pode gerar incertezas sobre as regras do jogo, custos de conformidade e possibilidade de novas obrigações e restrições. Estas incertezas podem desencorajar o investimento no sector das telecomunicações, tanto por parte de grandes empresas como de fornecedores regionais e locais, que são essenciais para a expansão da Internet nas zonas rurais.
Por fim, é preciso dizer que a proposta de colocar a ANPD e a Anatel como corresponsáveis pela regulação dos provedores de aplicações de internet suscita sérias preocupações. A ANPD, focada na proteção de dados, e a Anatel, focada no setor de telecomunicações, possuem expertises e áreas de atuação diferentes que podem se sobrepor, criando insegurança jurídica e aumentando os conflitos regulatórios.
Esta divisão de responsabilidades pode resultar numa regulamentação fragmentada e ineficiente, com risco de decisões contraditórias e sobreposição de competências. A concentração de poder em dois órgãos também esclarece um potencial aumento de custos e uma burocracia excessiva — o que prejudica a inovação e o desenvolvimento do setor, favorecendo as grandes empresas que dispõem de mais recursos para lidar com a complexidade regulatória. A criação de um órgão regulador específico para o setor, com competências multidisciplinares, ou, melhor ainda, a divisão de responsabilidades regulatórias entre diferentes órgãos com competências complementares é uma alternativa mais eficiente e equilibrada.
*Daniel é sócio das áreas de resolução de conflitos e proteção de dados e regulação de novas tecnologias do BBL — Becker Bruzzi Lameirão Advogados, diretor de novas tecnologias do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA).
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