Por André de Almeida* — Talvez o caso mais emblemático de fraude contabilística internacional no passado recente tenha sido o que envolveu a Enron Corporation, uma empresa energética, que desenvolveu um sistema institucionalizado de fraude contabilística que lhe permitiu esconder a sua real situação financeira, enganando autoridades e investidores.
Entre as irregularidades contábeis cometidas estão o aumento indevido do valor contábil dos ativos da empresa devido à utilização irregular do chamado Método de Contabilidade do Valor Justo (Mark to Market Accounting), por meio do qual é permitida a contabilização dos ativos pelo valor de mercado. (e não custo), facilitando a manipulação (de forma simplificada, os ativos eram registrados por um valor muito elevado, enquanto o fluxo de caixa real deles derivado era muito menor, inflacionando os resultados da empresa).
Um castelo de cartas tão insustentável, evidentemente, um dia ruiu, e as acções da Enron, negociadas em meados de 2001, a 90,75 dólares, caíram para 0,26 dólares em Novembro do mesmo ano. Estima-se que as perdas dos acionistas ultrapassaram os 70 mil milhões de dólares.
A magnitude do escândalo gerou profundas repercussões na legislação dos Estados Unidos, seguida pela promulgação de leis rígidas de controle e governança, como a Lei Sarbanex Oxley (SOX) e a Lei FCPA (Lei de Práticas de Corrupção no Exterior). Ambas as leis visam fazer com que as empresas norte-americanas ou com ações negociadas nos Estados Unidos sigam as regras de governança e anticorrupção globalmente. O não cumprimento desta norma está sujeito a sanções económicas e criminais nos Estados Unidos.
Temos agora a introdução da Fepa (Foreign Extortion Prevenct Act) que criminaliza, perante os Estados Unidos, agentes públicos estrangeiros corruptos. Ou seja, a partir de agora está em vigor uma lei que determina que qualquer agente ou funcionário público, de qualquer país do mundo, que “exija, receba, aceite ou concorde em aceitar qualquer quantia” para obter benefícios está sujeito a medidas econômicas. e sanções criminais nos Estados Unidos.
Apesar das amplas críticas e discussões teóricas sobre a extraterritorialidade da legislação norte-americana, o fato é que a Fepa introduz um novo elemento no arsenal dos Estados Unidos de multar ou prender funcionários públicos estrangeiros, uma vez que entrem em território americano. Ou têm muitos problemas ao redor do mundo, em aeroportos de qualquer país que siga as regras da Interpol e prendem e extraditam esses agentes públicos para os EUA.
Outro capítulo jurídico abre-se no debate sobre o alcance da extraterritorialidade do direito de qualquer país, e os esforços geopolíticos de vários Estados para defenderem os seus interesses num mundo globalizado, mas à beira de fissuras e rupturas em zonas de influência soberanas.
Agentes Públicos, medo.
*André de Almeida é Sócio do Almeida Advogados, autor do livro A Maior Ação do Mundo — A História da Ação Coletiva contra a Petrobras
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