Ao se aposentar das funções públicas, Humberto Adjuto Ulhôa, 76 anos, está na terceira fase da carreira na justiça. O mineiro de Paracatu alcançou a cúpula do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), como Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal, por dois mandatos, entre 1996 e 2000, vestiu a toga de juiz, no quinto vaga constitucional, presidiu o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-DF) e agora se prepara para ser advogado. Ele está apenas aguardando o fim da quarentena para poder começar a representar clientes na Justiça, ao lado do amigo e colega Lecir Manoel da Luz, com quem trabalhou no MP e no Tribunal de Justiça.
Nesta entrevista ao Correio, Ulhôa apresenta seu posicionamento sobre temas como a liberação de presos para visitarem seus familiares, benefício que considera justo, a descriminalização do porte de drogas, que considera uma questão de saúde pública, e o espaço da mulher na tomada de decisão níveis, posição ainda abaixo do necessário, na sua opinião. Sobre o destaque de alguns juízes do STF, Humberto Ulhôa é incisivo: “Esse chamado protagonismo pode ser reflexo do papel fundamental que o Judiciário vem desempenhando na proteção da Constituição, ou seja, é parte necessária do sistema de freios e contrapesos que garantem a governação democrática”.
Você atuou no Ministério Público e no Judiciário e agora está do outro lado do balcão. Como essa experiência ajuda na sua função de advogado?
Minha experiência no Ministério Público e no Poder Judiciário me proporcionou um conhecimento profundo e abrangente do sistema jurídico. Conhecer o funcionamento interno dos tribunais, bem como a perspetiva dos magistrados e do Ministério Público, permite-me uma compreensão sistémica da defesa e facilita a sua construção, de forma ética e justa.
Em quais áreas você já trabalhou?
Primeiramente, quero deixar registrado que tenho grande satisfação em trabalhar ao lado do meu ex-Ministério Público e colega de Tribunal, Dr. Lecir Manoel da Luz, que junto com seu sócio Wilson Sahade, estão me apresentando ao Direito gradativamente, em diversas áreas, mas sempre respeitando a quarentena do TJDFT que termina no ano que vem.
Você pode citar uma decisão como juiz que, na sua opinião, marcou sua trajetória no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios?
Não posso citar uma decisão específica, pois sempre procurei dar a mesma importância a todos os casos que julguei, em consequência de um Judiciário independente e comprometido com a justiça.
E no Ministério Público? Qual caso você nunca esquecerá?
Também não posso destacar um caso específico da minha atuação no Ministério Público, pois sempre tratei todos os casos com a mesma importância e imparcialidade, mas lembro com muita saudade de quando tive a honra de ocupar o cargo de Procurador-Geral de Justiça, ocasião em que após a inauguração da sede própria do MPDFT, implementámos a informatização de todos os sectores e criámos vários Ministérios Públicos especializados, o que aumentou significativamente a eficácia no combate à criminalidade.
Qual a diferença entre o Judiciário desde o início da sua carreira até hoje?
O Poder Judiciário evoluiu significativamente, especialmente no contexto da modernização tecnológica que agilizou muitos processos, tornando o acesso à justiça mais rápido e eficiente. Além disso, houve um avanço na formação e especialização dos juízes, bem como uma maior sensibilidade para questões de direitos humanos e garantias fundamentais. Contudo, um desafio persistente é a sobrecarga de processos, que resulta em tribunais sobrelotados.
Você acha que faltam mulheres em espaços de destaque no Judiciário?
Sim, ainda existe uma sub-representação das mulheres em espaços de destaque no Judiciário, embora com base no progresso que estamos acompanhando, tenho fé que seja apenas uma questão de tempo até que a paridade de gênero ocorra.
O que você acha da visão garantorista no Judiciário, que privilegia os direitos individuais em detrimento dos coletivos?
A visão do garante é essencial para a proteção dos direitos individuais e das liberdades civis, mas o grande desafio é encontrar o equilíbrio entre os direitos individuais e os interesses coletivos. O problema da segurança pública não pode ser confundido ou atribuído ao garantismo.
Você acredita que a democracia do nosso país está em risco?
A democracia é um processo contínuo e, portanto, o Judiciário deve manter vigilância constante. Acho que hoje não temos mais riscos, mas para isso temos que ter ações sistêmicas, que envolvam diversas áreas, como o fortalecimento da profissão jornalista e a conscientização dos líderes políticos como requisito de elegibilidade.
Como você vê o protagonismo de alguns ministros do STF?
Essa percepção de que alguns ministros seriam protagonistas decorre do fato de alguns terem recebido relatórios sobre temas delicados, mas no final de tudo quem tem a última palavra é o Colegiado, por isso não vejo um papel individual. Na verdade, este chamado protagonismo pode ser um reflexo do papel fundamental que o Judiciário tem desempenhado na proteção da Constituição, ou seja, é uma parte necessária do sistema de freios e contrapesos que garante a governação democrática.
Você acha que o Ministério Público perdeu credibilidade após a Operação Lava-Jato, com os ataques que a investigação sofreu nos últimos tempos?
A Operação Lava-Jato é um caso que deveria ser objeto de muito estudo para não cometer os mesmos erros, pois algumas ações durante a operação tiveram impactos negativos consideráveis para grandes empresas brasileiras, especialmente do setor de construção. O enfraquecimento destas empresas teve repercussões económicas significativas e o sector ainda sente os efeitos desta desarticulação. É fundamental que as futuras operações considerem estratégias que combinem o necessário e incansável combate à corrupção com medidas que preservem os direitos fundamentais e a proteção das empresas, evitando danos colaterais desnecessários.
Você é a favor de permitir que presos que cumprem pena na prisão visitem parentes?
Estou, porque o “saidão” é uma medida que visa ressocializar os presos, permitindo-lhes manter os laços familiares e sociais, mas devem ser seguidos critérios rigorosos de avaliação e acompanhamento, garantindo apenas que os presos cumpram efectivamente os requisitos de bom comportamento, e não indiscriminadamente.
E a descriminalização do porte de drogas?
A descriminalização do porte de drogas não deve ser confundida com o combate ao tráfico de drogas, ou seja, o usuário deve ser tratado como um problema de saúde pública, enquanto o tráfico de drogas deve continuar a ser combatido com rigor.
Temos visto muitos confrontos entre promotores e advogados que acabam em vídeos nas redes sociais. O que aumentou: a intolerância, os confrontos ou a divulgação desses conflitos?
É possível que a publicidade destes conflitos tenha aumentado com o advento das redes sociais, onde qualquer incidente é amplamente partilhado. No entanto, há também uma percepção crescente de intolerância e de confrontos mais acalorados, o que é absolutamente desnecessário, como acontece hoje com as tensões sociais e políticas. O bom tratamento é fundamental na advocacia e acredito que tanto a OAB quanto os demais conselhos (CNMP e CNJ) devem ter o cuidado de reprimir esses fatos.
Você gostou do artigo? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê sua opinião! O Correio tem espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores através do e-mail sredat.df@dabr.com.br