Por Souza Prudente* — Nos termos do art. 12 da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, promulgada pelo Decreto 3.413/2000, quando uma criança tiver sido transferida ou retida ilegalmente nos termos do artigo 3º e tiver decorrido um período inferior a um ano entre a data da transferência ou retenção indevida e instauração de processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado Contratante onde a criança se encontra, a respectiva autoridade ordenará o retorno imediato da criança.
A respetiva autoridade judicial ou administrativa, mesmo depois de decorrido o prazo de um ano referido no número anterior, deve ordenar o regresso da criança, exceto quando se provar que a criança já se encontra integrada no seu novo ambiente, na existência de “grave risco de a criança, ao retornar, ficar sujeita a perigos físicos ou psicológicos, ou, de qualquer outra forma, encontrar-se em situação intolerável” (art. 13, alínea “b”).
É preciso ver, portanto, que a proteção jurídica do ecossistema familiar no contexto cautelar da Convenção de Haia sobre o Tráfico Internacional de Crianças recomenda que antes de implementar o período de um ano “entre a data da transferência ou retenção indevida e a data da instauração de processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado Contratante onde se encontra a criança”, o retorno ao país de origem deverá ser imediato, salvo nos casos previstos no art. 13.
Decorrido o referido prazo, ainda é possível ordenar o regresso, “salvo se ficar comprovado que a criança já se encontra integrada no seu novo ambiente”, ou seja, na sua nova casa, garantida por um novo ecossistema familiar, socialmente equilibrado e essencial para sua qualidade de vida saudável.
Ressalte-se, portanto, que as ressalvas dos artigos 12 e 13 consagram o Princípio Orientador do Melhor Interesse da Criança, previsto no artigo 3º da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e do Adolescente, promulgada em 20/11/ 89, da Assembleia Geral das Nações Unidas, estabelecendo que “todas as ações relativas às crianças, praticadas por instituições públicas ou privadas de assistência social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, prioritariamente, o superior interesse da criança”. .
E, neste tom, proclamou a Carta Encíclica Sócio-Ecológica do Santo Padre Francisco, Laudato Si, sobre o cuidado da casa comum, publicada em 24/05/2015, considerando que “contra a chamada cultura da morte , a família constitui a sede da cultura da vida. Na família cultivam-se os primeiros hábitos de amor e cuidado com a vida, por exemplo, o uso correto das coisas, a ordem e a limpeza, o respeito ao ecossistema local e a proteção do ambiente. todas as coisas. A família é o lugar da formação integral, onde se desenvolvem os diversos aspectos, intimamente relacionados entre si, da maturidade pessoal. Na família aprendemos a pedir licença sem servilismo, a dizer “obrigado”. uma expressão de uma avaliação sincera das coisas que recebemos, para controlar a agressão ou a ganância e para pedir desculpas quando fazemos algo errado.
Estes pequenos gestos de cortesia sincera ajudam a construir uma cultura de vida partilhada e de respeito pelo que nos rodeia.” Nesta inteligência hermenêutica do melhor conceito de família, no espaço definidor de um ecossistema familiar para o desenvolvimento sustentável de uma nova cultura de vida, em benefício das gerações presentes e futuras, é necessária uma interpretação sistêmica das normas da Convenção de Haia sobre os aspectos civis do sequestro internacional de crianças e das garantias fundamentais da Constituição da República Federativa do Brasil, expressas em termos de proteção especial aos filhos, no ambiente familiar, juridicamente protegida, na dimensão de cláusulas permanentes e de eternidade (CF, arts. 60, § 4º, IV; 226, caput e 227, caput).
*Souza é juiz federal aposentado, bacharel em direito pelas Arcadas do Largo São Francisco (USP), mestre e doutor em direito ambiental pela UFPE, pós-doutorado em direitos humanos pelas Universidades de Salamanca (Espanha) e Pisa (Itália)
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