Discreto e avesso aos holofotes, o presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), Waldir Leôncio Lopes Júnior, mostra, nesta entrevista ao Correspondência, uma faceta de sua visão e experiência como juiz. O juiz critica posturas muito populares nos dias de hoje e que beneficiam mais o indivíduo do que o coletivo. “Tenho opinião pessoal de que há um excesso de garantias a favor dos arguidos e um défice de garantias a favor da sociedade”, afirma.
Especialista em direito penal, Waldir Leôncio acredita que o sistema de justiça brasileiro favorece a impunidade ao “proporcionar penas muito baixas” e “espaço para um sentimento geral de impunidade”. Ele, porém, rende-se ao texto da lei. Na sua opinião, não cabe aos juízes contestar, apenas aplicar o que está estabelecido na legislação e na Constituição.
Há 40 anos na magistratura, Waldir Leôncio Lopes Júnior assumiu a presidência em abril, para mandato no biênio 2024-2026, com o objetivo de modernizar o sistema do TJDFT com o uso de inteligência artificial para auxiliar o trabalho dos juízes e funcionários públicos. Nascido em Fortaleza, o cearense vestiu a toga em 1984, após ter trabalhado três anos como defensor público. Ele também foi advogado e promotor. A escolha pelo judiciário, segundo ele, foi muito influenciada pelo pai, que era advogado e dava aulas de justiça em casa.
Qual será o foco da sua gestão?
Pretendemos aprimorar o Processo Judicial eletrônico (PJe) de segundo grau, implementar inteligência artificial como ferramenta para auxiliar nos julgamentos de demandas repetitivas e em atendimento à orientação jurisprudencial dos Tribunais Superiores. Estamos a preparar um Plano de Transformação Digital para modernizar a informática do nosso tribunal. Queremos também implementar a Residência Jurídica, destinada a licenciados em Direito que cursam licenciatura ou pós-graduação em Direito para auxiliar funcionários públicos e magistrados de primeiro e segundo grau do Tribunal de Justiça.
O TJDFT é considerado o tribunal mais rápido do país. O que está por trás desse resultado? Eficiência de juízes e funcionários públicos?
Sim, sem dúvida. Nossos juízes e servidores são altamente qualificados e dedicados. Eles poderiam trabalhar em qualquer tribunal do mundo. Além disso, contamos com uma estrutura que nos apoia e nos permite realizar nosso trabalho de forma satisfatória. Não posso deixar de registar, de facto, o excelente clima de trabalho no nosso Tribunal de Justiça entre todos os que aqui trabalham. Aqui reinam o respeito mútuo, a tolerância, a admiração, a confiança e a cordialidade entre os colegas e entre as pessoas em geral. Isso torna o ambiente leve e promove uma convivência pacífica que acaba se refletindo em nosso trabalho judiciário e resulta em excelência na prestação judicial.
Por conta desses resultados, demandas de outras unidades da federação ou da federação acabam buscando justiça aqui. Quais as consequências disso e como evitar que o TJDFT fique sobrecarregado?
Estamos lutando no Congresso Nacional contra essa manobra jurídica que permite a propositura de ações em foro aleatório e por conveniência de uma das partes. O fórum de Brasília vem sofrendo com uma enxurrada de ações de outros Estados que sobrecarregam muito o nosso sistema judiciário. Isso ocorre porque nossos honorários advocatícios são incrivelmente baixos e a qualidade de nossos serviços é excelente. Conta não. A Lei 1.803, de 2023, de autoria do deputado federal Rafael Prudente, estabelece que a escolha do foro deve ser pertinente ao domicílio das partes ou ao local da obrigação e que é abusiva a propositura da ação em juízo aleatório. A aprovação deste PL proporciona uma solução eficiente para este verdadeiro gargalo do nosso sistema de Justiça.
Temos visto um aumento no número de casos de feminicídio no DF. Como o Judiciário pode ajudar a combater esses crimes?
Desenvolvemos campanhas contra a violência doméstica, na área de prevenção, e julgamos com muito rigor as ações penais envolvendo esses crimes. No Distrito Federal esses crimes, presentes em todas as classes sociais, não ficam impunes.
Qual deve ser o papel do Judiciário na defesa da democracia?
Numa democracia ocidental moderna, os três poderes devem funcionar de forma harmoniosa e independente. O Judiciário julga, o Legislativo faz as leis e o Executivo as administra. O Judiciário, ao julgar, aplica as leis e a Constituição. Nós, juízes, ao assumirmos nossos cargos, juramos cumprir e fazer cumprir as leis e a Constituição Federal.
Qual é a sua avaliação sobre a prevenção da libertação temporária, as chamadas fugas, de prisioneiros?
Na minha avaliação pessoal, o sistema penal permite a impunidade. As penas são muito baixas e há espaço para um sentimento generalizado de impunidade. Tenho uma opinião pessoal de que há um excesso de garantias a favor dos arguidos e um défice de garantias a favor da sociedade. Acredito que o meu pensamento é minoritário, mas há vozes respeitadas que partilham desta ideia. De qualquer forma, este tema é altamente complexo e envolve debate entre diversas áreas do conhecimento humano. A questão está longe de ser pacificada ou resolvida. De qualquer forma, volto à questão anterior: o Judiciário aplica a legislação vigente. Portanto, se os ditos são legítimos, a lei deve ser seguida.
Um dos temas muito debatidos no Judiciário é a questão da paridade de gênero. Qual a sua avaliação sobre a resolução do Conselho Nacional de Justiça?
Sem dúvida, é uma orientação digna. Porém, no âmbito do TJDFT não há denúncias de discriminação feminina. É verdade que o número de juízas é muito menor do que o número de juízes do sexo masculino, mas, por outro lado, as juízas são mais numerosas do que os juízes do sexo masculino. Em todo o caso, a igualdade de género nas carreiras profissionais jurídicas é algo que resulta de um sistema em cadeia que começa nas Faculdades de Direito, espalha-se através de concursos e termina em cargos públicos. Acredito que uma solução de baixo para cima é melhor que o contrário, mas, até que isso seja possível, vale a pena tentar soluções para amenizar o problema. Por outro lado, a distorção que ainda hoje existe é algo histórico e cultural que será resolvido com o tempo.
Por que você escolheu a carreira judiciária?
Meu pai era advogado. Ele era um homem culto e sempre passava lições de vida aos filhos e fazia comentários bem fundamentados sobre os acontecimentos do dia a dia. Então, fiz direito, fui estagiário, advogado, defensor público, trabalhei como promotor, juiz e sou juiz há 20 anos. Eu encontrei minha vocação. Gosto de falar sobre o processo. Sou avesso aos holofotes e a falar fora dos tribunais. Estou muito feliz e realizado como juiz do TJDFT.
Que marca você quer deixar na sua gestão à frente do TJDFT?
Administrar o TJDFT é um desafio para um juiz de carreira. Nosso tribunal tem o orçamento e a população de um município brasileiro. Ao deixar a Presidência, gostaria que o Processo Judicial Eletrônico (PJe) de segundo grau estivesse mais avançado, que o Plano de Transformação Digital fosse implementado, incluindo o uso de inteligência artificial, e que a Residência Legal estivesse funcionando e dando bons resultados.
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