O ministro Luís Roberto Barroso anunciou que o CNJ está criando um grupo de trabalho para “entender o contencioso trabalhista no Brasil”, que seria, segundo ele, “desproporcionalmente maior do que no resto do mundo”. Afirmou ainda que “ao conversar com um grupo de investidores, uma das reclamações que ouvi(u) foi a imprevisibilidade do custo do vínculo empregatício”. E, acrescentou, tendo ouvido de seus interlocutores que “Só sabemos o custo de uma relação de trabalho no Brasil depois que ela termina. (…) Tudo que encarece o Brasil e diminui a atratividade e que passa pelo Judiciário, nós deve ser capaz de igualar.”
O presidente do STF e do CNJ atua com prudência ao ouvir os destinatários da prestação judicial. Mas além de antecipar um julgamento influenciado pela opinião dos empregadores, vale ficar atento às reclamações dos trabalhadores. Até o momento, não há registro, por parte do ministro Barroso, de premissas da discussão que não sejam ecos de reclamações feitas exclusivamente por investidores ou empresários.
Talvez a resposta ao “alto contencioso trabalhista” possa ser encontrada em algumas manchetes recentes da grande imprensa:
“O país resgatou 980 crianças e adolescentes de trabalhos análogos ao escravo”
“Empresa é condenada por racismo no trabalho”
“Lista Suja do Trabalho Escravo tem 289 empregadores, segundo Ministério do Trabalho e Emprego”
O flagelo da escravidão insiste em se revelar não só nas esquinas, mas nos grandes centros urbanos e até na nossa capital federal, onde 193 trabalhadores foram resgatados só nos últimos quatro anos. Em situações como estas em que há danos à dignidade dos trabalhadores, de facto, o custo do trabalho pode ser pago em excesso se o trabalhador exercer o seu legítimo e constitucional direito de ação. Aos empresários que cumprem as suas obrigações legais, garanto-vos, sabem exatamente o “custo de uma relação laboral” antes de contratar e não têm nada a temer.
O trabalho escravo, a discriminação e o trabalho em condições de risco expõem o preconceito de classe que permeia a nossa sociedade. Os próprios empresários não têm vergonha de admitir que estão negando direitos trabalhistas.
Recentemente, o ex-presidente do Banco Itaú, Roberto Setúbal, num arroubo de sinceridade, afirmou que “cumprir os detalhes (a CLT) que a legislação estabelece é impossível para as empresas. Ninguém pode cumprir”. A frase, dita por um executivo de uma empresa que lucra dezenas de bilhões de reais todos os trimestres, é bastante emblemática.
O presidente da CNI, evocando de forma distorcida a legislação francesa, manifestou o desejo de ver os funcionários trabalhando até 80 horas semanais. Porém, em França, esta situação só pode ocorrer excepcionalmente e com um limite de até 60 horas.
O próprio ministro Barroso chegou a afirmar, em evento no exterior, que “o Brasil, sozinho, teria 98% das reclamações trabalhistas do mundo”, fato que não é sustentado por simples pesquisas na internet, mas considerado verdadeiro e que foi afirmado, inclusive, o relatório final do senador Ricardo Ferraço, relator da reforma trabalhista no Senado, em 2017.
Afirmações enganosas como essas causam aversão injusta à legislação trabalhista e ao Judiciário Trabalhista. Dados do próprio CNJ informam que mais da metade das reivindicações trabalhistas dizem respeito a verbas rescisórias, empresas que rompem vínculos empregatícios e nem sequer se dignam a pagar os direitos correspondentes.
Ressalte-se que o STF decidiu que os créditos trabalhistas deverão ser corrigidos pelo IPCA-E até a propositura da ação e pela Selic até a satisfação do crédito, sem incidência de juros de mora. Em caso de demissão e não pagamento de verbas rescisórias, mesmo que todos os trabalhadores apresentem reclamação trabalhista e recebam todas as suas verbas rescisórias, terá sido economicamente vantajoso para a empresa adiar seu plantão. Mas a realidade mostra que apenas 40% dos ex-empregados lesados recorrem à Justiça do Trabalho e muitos destes fazem acordos para receber cerca de 50% dos seus direitos parcelados.
A explicação para o contencioso trabalhista é simples: num contexto desumano de erosão dos valores sociais do trabalho, a evasão aos direitos trabalhistas no Brasil tornou-se uma prática muito lucrativa. Atribuir a culpa às vítimas, aos feridos, é demasiado cruel.
Ronaldo Curado Fleury
Ex-procurador-geral do Trabalho, é advogado
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