Por Danyelle Galvão, Camile Eltz de Lima (RS), Flávia Guth (DF), Maíra Fernandes (RJ), Maria Carolina Amorim (PE), Maria Jamile José (SP), Marina Coelho Araújo (SP), Nicole Trauczynski (PR) e Silvia Souza (DF)* — A análise de dados estatísticos do Poder Judiciário é uma ferramenta não só para compreender o funcionamento dos Tribunais, mas também para contribuir para o debate sobre uma melhor distribuição da justiça. Em 2021, estudamos dados estatísticos do STJ (Superior Tribunal de Justiça) referentes ao ano de 2020, com base em relatórios apresentados pelo próprio Tribunal. Agora, três anos depois, a importância e a utilidade dos números judiciais permanecem inalteradas.
O ano de 2023 registrou novo recorde histórico de processos recebidos anualmente (461.810), com aumento de 34,23% (117.776) em relação a 2020. Desse total, 72,69% foram recursos especiais e agravos em recursos especiais, e 18,75% foram habeas corpus. . A comparação entre os dados de 2020 (ano da pandemia) e 2023 apresenta um cenário interessante: em 2020, os habeas corpus representavam 23% da distribuição no STJ, enquanto em 2023 representavam quase 19%, apesar de, em números absolutos, terem foram quase 5 mil processos a mais. Isso significa que, em 2023, as decisões dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais foram contestadas mais por meio de recursos especiais e recursos do que por meio de habeas corpus.
Outro dado relevante é que o número de acórdãos publicados em 2023 superou em 35 mil o de 2020. Naquele ano, entre as dez matérias com maior número de processos na Corte, cinco eram de Direito Penal. Em 2023, esse número aumentou para seis. A execução criminal não aparece mais como um dos temas recorrentes, e o sexto lugar da lista é ocupado pelo crime de estupro de vulnerável, atrás de tráfico de drogas (o recordista), homicídio qualificado, roubo grave, prisão preventiva e contratos bancários . O crime de furto qualificado, que não constava da lista em 2020, ocupa o oitavo lugar em 2023.
O Ministério Público do Estado de São Paulo continua sendo o maior litigante do país, com mais que o dobro de processos do INSS, três vezes e meia o número registrado pela Fazenda Nacional e quatro vezes mais que a Receita Federal. União. A Defensoria Pública de São Paulo, que ficou em sexto lugar em 2020, está atualmente em nono, com 9.407 casos. A presença de cinco Ministérios Públicos estaduais (SP, MG, SC, RS e RJ) entre os dez maiores litigantes está diretamente ligada ao predomínio da matéria penal no Tribunal.
O relatório de 2023 indica ainda que foram concedidos 33,3% dos recursos especiais, bem como 20,6% dos recursos de habeas corpus, 11,2% dos recursos de habeas corpus e 5,1% dos recursos em recursos especiais, apenas para citar as classes processuais mais comuns no STJ .
Mantemos a mesma conclusão de 2020: embora o relatório não apresente dados sobre taxas de concessão ou negação com base em questões de Direito Penal, é notável a resistência de alguns Tribunais de Justiça em aderir aos entendimentos já estabelecidos pelo STJ, o que resulta em aumento de habeas corpus impetrados e, consequentemente, decisões favoráveis.
Os números absolutos do STJ não devem ser interpretados como justificativa para reduzir as chances de recursos ou habeas corpus. Revelam, de fato, a necessidade de as duas primeiras instâncias de Justiça adotarem os entendimentos consolidados na Corte. A função do STJ deve ser cada vez mais a de pacificar a interpretação da legislação infraconstitucional, para evitar desigualdades na prestação de competência em casos semelhantes. Além disso, a adoção de posições consolidadas contribui para otimizar a tramitação dos casos, reduzir a sobrecarga do Judiciário e melhorar a eficiência dos julgamentos. Um sistema de justiça bem administrado torna-se mais coerente e previsível, proporcionando maior confiança na sociedade.
Embora o tempo médio entre a distribuição de um processo e o julgamento seja cerca de 43 dias menor do que em 2020, o volume de processos no STJ torna possível, e até provável, o eventual colapso do sistema de Justiça. Portanto, é fundamental que os tribunais inferiores estejam mais alinhados com as posições do STJ. Os dados estatísticos dos tribunais podem e devem ser utilizados para promover um debate racional sobre a qualidade e funcionalidade do sistema de Justiça. Engana-se quem pensa que essa tarefa é de responsabilidade exclusiva do Poder Judiciário. Magistrados, advogados, defensores, membros do Ministério Público e a própria sociedade estão diretamente envolvidos neste processo.
Os recursos judiciais constituem uma oportunidade valiosa para controlar a legalidade e a conformidade constitucional do exercício do poder estatal. Se os tribunais estão sendo acionados com tanta frequência — e com alto percentual de recursos concedidos — isso sugere que o Judiciário ainda tem muito a melhorar. Cabe a nós, profissionais do direito, identificar as causas desta elevada taxa de revisão por parte das autoridades superiores.
*Advogados
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