Por Luís Alberto de Paiva*— Muito se fala sobre o crescente volume de recuperações judiciais no Brasil, mas nenhuma previsão indica redução dessas taxas. O modelo de negócios no Brasil é caracterizado por um alto nível de alavancagem de curto prazo, com financiamento realizado pelo setor privado e marcado por altas taxas de juros.
Os juros brasileiros estão elevados porque são guiados pela Selic, devido às altas expectativas inflacionárias, além da alavancagem do setor público, motivada pela falta de controle das contas públicas. Se por um lado o setor público, diante do descontrole e do déficit primário, se torna um grande tomador de empréstimos e, por outro, o Banco Central tenta conter as expectativas inflacionárias por meio das taxas de juros, não podemos esperar níveis mais baixos de taxas de juros.
A economia brasileira gira em torno dos juros, e há uma presença cada vez mais significativa de terceiros na estrutura de capital das empresas, não diferente da situação das pessoas físicas. Se a alavancagem de capital de terceiros é extremamente relevante, por outro lado, o nível de liquidez corrente do setor privado fica comprometido, e 31% das empresas brasileiras estão inadimplentes.
A inadimplência limita ainda mais a capacidade de obtenção de crédito, obrigando as empresas a se relacionarem principalmente com o mercado financeiro. Contudo, a rolagem dessas dívidas às atuais taxas básicas de juros inviabiliza a operação do ponto de vista da liquidez.
É importante considerar que o que paga os compromissos com terceiros é o fluxo de caixa livre. No entanto, o abrandamento da actividade económica, resultante do empobrecimento da massa de consumidores, inviabiliza qualquer tentativa de saneamento das contas das empresas privadas.
O nível atual de inadimplência chega a R$ 146 bilhões, com sete milhões de empresas em dívida negativa — número alarmante e crescente, visto que a inadimplência em 2024 representou um aumento de 13% em relação à média histórica.
- 56% no setor de serviços
- 36% no comércio
- 7,4% na indústria
- 0,6% em outros setores
O setor de serviços é o mais impactado, pois tem menos acesso ao crédito, uma estrutura de custos mais elevada devido à folha de pagamento e é mais rapidamente afetado em tempos de crise. Em segundo lugar, o comércio sofreu um grande impacto durante a pandemia e, desde então, tem enfrentado dificuldades para mudar o seu modelo de negócio, buscando um ciclo de vida mais favorável, mas com enormes desafios, especialmente porque o mundo aproximou o fabricante do consumidor. , tornando a participação comercial cada vez mais incipiente.
As altas taxas de juros e as elevadas taxas de inadimplência reforçam o cenário desfavorável, indicando que a tendência não será revertida no curto prazo. A falta de perspectivas de negócios tem levado cada vez mais empresas a recorrer à recuperação judicial. O modelo exagerado de cobrir resultados negativos com financiamento dispendioso a curto prazo conduz inevitavelmente a uma alavancagem excessiva e à incapacidade de refinanciar e renovar a dívida.
Desde a promulgação da Lei de Recuperação Judicial, 14,6 mil empresas recorreram à proteção da lei para evitar possíveis falências ou, estrategicamente, conseguir um reperfilamento de dívidas que permitisse a sua sobrevivência ou crescimento diferenciado.
O número de recuperações judiciais tem crescido de forma alarmante nos últimos anos, e esse formato de gestão mais rígido obriga os credores a renegociarem suas dívidas em condições mais favoráveis.
Se esta tendência se mantiver, iniciaremos o ano de 2025 com uma média de mais de 200 recuperações judiciais por mês. Todo esse movimento leva à reflexão sobre o futuro dos modelos de negócios de autofinanciamento no Brasil.
O Brasil carece de uma política industrial que financie o setor produtivo, que permita a entrada de empresas internacionais de grande porte, que geram muito pouco emprego. O mercado financeiro, que oferece grande volume de capital baseado em garantias para lastrear dívidas, carece de modelos de proteção e monitoramento do desempenho dos tomadores de recursos.
A falta de políticas mais ativas e de fácil acesso ao crédito dos bancos regionais de desenvolvimento e do BNDES leva os setores da indústria, serviços e comércio a tentarem rentabilizar seus negócios com operações financeiras de curto prazo e extremamente onerosas.
Vivemos um modelo de esgotamento do crescimento, com muita inadimplência e tentativas de sobrevivência pela judicialização, enquanto o setor público desgovernado não consegue apresentar nenhum modelo alternativo de industrialização e crescimento sustentado.
*Economista e CEO da Corporate Consulting Strategies, consultoria especializada em reestruturação econômico-financeira de empresas
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