O ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Tarcísio Vieira de Carvalho Neto preferiu atuar de forma mais discreta nas eleições municipais deste ano, colaborando com algumas candidaturas, mas sem a contundência do trabalho realizado em defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro. Mas o advogado, procurador do Distrito Federal, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), acompanhou com olhar de jurista experiente, com mandato no TSE de 2014 a 2021, a eleição que chega ao primeira rodada no próximo domingo.
Tarcísio avalia que houve “irregularidades profusas”, tanto tradicionais, como o uso abusivo da máquina administrativa nas reeleições, quanto contemporâneas, relacionadas a fake news e inteligência artificial. O destaque negativo foram os ataques, especialmente em campanhas para a Prefeitura de São Paulo.
Como avalia a campanha municipal deste ano?
As campanhas eleitorais no Brasil têm sido extremamente perturbadoras há muito tempo. Como destaques detalhados, merecem destaque o uso massivo da tecnologia e o evidente crescimento exponencial da violência política. Mesmo diante da concepção de ferramentas engenhosas e eficientes para combater as feridas anteriormente reveladas, pela Justiça Eleitoral, há registros preocupantes de comportamento irracional por parte dos atores eleitorais.
Pelo que você viu, quais foram as principais irregularidades observadas?
São inúmeras as irregularidades, ligadas a problemas tradicionais e mais contemporâneos. Entre os tradicionais, permanecem o uso abusivo da máquina administrativa nas reeleições para chefes de executivos municipais, captação e gastos irregulares — com destaque para o fundo secreto eleitoral — e abuso de poder político e econômico. No contexto das práticas ilícitas mais modernas, existem ainda enormes desafios a superar nas áreas da desinformação (notícias falsas e deepfakes), da necessidade de uma maior participação feminina e da mitigação vigorosa da violência política.
Houve muitos ataques entre candidatos, principalmente na campanha para prefeitura de São Paulo, onde vimos até agressões físicas. A Justiça Eleitoral agiu como deveria?
Mesmo desafiada por formas de abuso cada vez mais inventivas e criativas e pela falta de fair play eleitoral, a Justiça Eleitoral do Brasil está totalmente preparada para fornecer respostas eficazes aos problemas trazidos à luz todos os dias. Normas abstratas primárias e secundárias de prevenção e repressão de condutas que violem os cânones democráticos foram previamente concebidas e, além disso, no âmbito de sua competência jurisdicional, sua arquitetura político-institucional foi estruturada e reforçada para responder adequadamente às provocações.
O TSE pretendia coibir notícias falsas. Mas houve casos de baixeza e até mentiras com conotações sexuais envolvendo os candidatos paulistas. O que estava faltando?
Como braço especializado do Poder Judiciário, a Justiça Eleitoral, em relação à sua competência jurisdicional, não sendo atribuída a nenhum juiz para atuar de ofício, depende de provocações específicas para movimentar sua portentosa máquina. E tais provocações, infelizmente, nem sempre vêm à luz da forma e dos prazos mais oportunos e convenientes para a erradicação dos múltiplos males que não são úteis à democracia em sentido substancial. Em relação à sua competência administrativa, são notáveis os avanços normativos e comportamentais ligados à questão do poder de polícia, ainda que permaneça uma discussão urgente e séria sobre os limites da liberdade de expressão.
A uma semana das eleições, o aplicativo Pardal, da Justiça Eleitoral, registrou mais de 64,6 mil denúncias de publicidade irregular, principalmente em São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul. Você acredita que haverá punições severas por parte da Justiça Eleitoral?
Com o órgão decisório das últimas eleições bem medido e ponderado, é credível supor que a Justiça Eleitoral, tomada em sentido amplo, tenha capacidade física e mental para dar respostas ágeis e adequadas ao grande volume de processos típicos do período. Em termos de propaganda eleitoral, além do sistema jurídico ter regras do jogo democrático bem definidas e ajustadas, existem estruturas paralelas a funcionar a todo vapor. Os juízes de propaganda têm trabalhado com enorme coragem e obstinação na implementação do direito estabelecido, de forma a garantir aos candidatos igualdade de oportunidades de oportunidades, garantindo plenamente a sinceridade eleitoral.
Que lição esta eleição nos deixa para as expectativas em relação a 2026?
Sempre há vetores ávidos por melhorias. É um processo contínuo, mas sempre inacabado. No dia seguinte ao fim do processo eleitoral, os olhos experientes de legisladores e juízes já se voltam para as futuras eleições. Podem e devem ser feitos ajustes no embelezamento e operacionalização das festas democráticas. A (inadequada) proteção excessiva da inteligência eleitoral e uma melhor avaliação jurídica da liberdade de expressão, na minha humilde opinião, são questões dignas de maior reflexão global.
Você acredita que o ex-presidente Jair Bolsonaro ficará inelegível em 2026 ou ainda há chance de reverter essa sentença?
Em relação às duas inelegibilidades hoje existentes, alusivas ao ex-presidente Jair Bolsonaro — reunião com embaixadores e 7 de Setembro —, há recursos extraordinários em sentido estrito preparados para o Supremo Tribunal Federal, que caberá, com método e verticalidade, resolver o assunto com um toque de certeza.
Qual a sua avaliação sobre a decisão do STF de suspender o funcionamento de X?
Não me parece adequado fazer um juízo de valor sobre processos judiciais em curso, sem conhecer plenamente os detalhes jurídicos relevantes da questão. Em qualquer caso, é necessário reconhecer que a resolução técnica virtual da disputa já teve o poder de desencadear um debate público genuíno e saudável de ideias opostas. Numa democracia que não é meramente semântica, a livre circulação de ideias e informações, mesmo que ácidas e incómodas, é vital para a formação de juízos de valor. Esta é uma premissa inegociável, alojada num debate mais amplo entre os “limites dos limites” da liberdade de expressão e a adequação, em boa sintonia, da lei prevista no ordenamento jurídico vigente.
O projeto que tramita no Congresso com mudanças nas regras de inelegibilidade é uma forma de acabar com a Lei da Ficha Limpa?
Com total respeito pelas opiniões divergentes, penso que não. As melhorias legislativas, como produto de debates sérios e bem intencionados, podem e devem ser recebidas de braços abertos. A Lei da Ficha Limpa, reconhecida como um marco importante na purificação essencial do cenário político brasileiro, foi projetada para reverter instantaneamente um aumento na insatisfação social. E leis como essa, geralmente, tendem a carregar manchas e pesar na mão. Ao longo dos anos de aplicação, áreas ávidas por melhorias foram devidamente mapeadas. E melhorias não significam necessariamente retrocessos. A reforma da Lei de Improbidade Administrativa é um bom exemplo de melhoria legislativa virtuosa. A Lei da Ficha Limpa é uma conquista histórica. E está aqui para ficar.
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