Há quase um ano na magistratura, a ministra Daniela Teixeira — que vestiu a toga em novembro de 2023, após ser nomeada ao STJ para a vaga de quinto advogado constitucional no STJ o presidente Lula — destaca dois casos que julgou no 3ª Seção, responsável pela jurisprudência penal do país. São eles: a questão da validade da confissão, quando tiver sido decidido que ela por si só não pode levar à condenação, especialmente quando realizada fora da delegacia, e a definição de quando há um “motivo fundado” que justifique a conduta pessoal. busca em via pública e entrada em domicílio sem ordem judicial.
Existem dois entendimentos que, segundo o ministro, garantem o direito ao devido processo legal. Integrante da 5ª Turma, Daniela Teixeira herdou milhares de processos ao ingressar no Superior Tribunal de Justiça. Chegou a pedir a mudança de turma, temendo que a demora no andamento dos processos pudesse gerar prescrições ou injustiças. Uma medida foi então adotada pela presidência do STJ: a criação de uma força-tarefa para aliviar a arrecadação do gabinete.
Daniela continua julgando casos e trabalhando cerca de 10 horas por dia. Com perfil de fiadora, ela analisa com rigor os casos de feminicídio. Mas alerta que aumentar as penas para quem mata mulheres não é a solução para reduzir este tipo de crime.
Cada ministro, para realizar o trabalho, precisa contar com mais de 50 assessores. É possível formar uma equipe em que se possa confiar totalmente?
Desde que assumi, há 10 meses, tenho me surpreendido com a alta qualificação dos servidores do STJ, em sua maioria servidores públicos. Eles são muito comprometidos com a instituição e vão além de suas funções para garantir que tudo funcione corretamente. Formei minha equipe com um mix de conselheiros em quem confio ou indicados por juízes mais experientes que eu e aqueles que têm carreira pública. Todo mundo me diz que meu gabinete deverá levar dois anos para funcionar em plena capacidade. Tal como acontece com toda gestão de pessoas, existe um período de maturação para encontrar as pessoas certas para cada função.
Faltam ministros?
O número actual de ministros é adequado. O problema está no excesso de casos que chegam ao Tribunal, muitas vezes abordando questões já decididas, mas que não são acompanhadas pelos tribunais estaduais. Além disso, o Brasil enfrenta um nível extremamente alto de litígios. O foco deve ser repensar esse cenário.
A senhora apresentou pedidos de mudança de turma, para outra também na área criminal, com acervo menor de processos. Como foi o tratamento do seu pedido pelo STJ?
Tenho trabalhado intensamente, trabalhando de segunda a segunda cerca de 10 horas por dia, tomando centenas de decisões. Minha preocupação não é apenas com o meu excesso de trabalho, mas, principalmente, com a possível prescrição de crimes graves e com pessoas que estão presas injustamente. O presidente Herman (Benjamin) me pediu para permanecer neste gabinete, que teve cinco ministros nos últimos dois anos e possui o maior acervo da Corte. Para que eu possa julgar esses casos de forma rápida e justa, ele criou uma força-tarefa de 90 dias, colocando mais 30 funcionários à minha disposição até dezembro. Estamos trabalhando com o máximo comprometimento. Neste primeiro mês de regime de mutirão, consegui fazer 1.653 despachos terminativos monocráticos, julguei 335 processos na Turma e preparei 2.096 acórdãos que serão julgados em outubro. Além de todos esses processos, realizei 81 audiências com a advocacia e com a Defensoria Pública. Poderemos reduzir o grande acervo de processos no escritório que assumi, para que os sob jurisdição possam exercer o seu direito a uma audiência judicial célere. Quanto à mudança de classe, este é um procedimento normal no Tribunal. Porém, quaisquer alterações só serão feitas após o término do mutirão, quando o número de processos, espero, for equivalente à média dos demais gabinetes.
O Congresso aprovou e o presidente Lula sancionou o projeto que aumenta a pena para feminicídios. Esta medida ajuda a reduzir os casos de assassinato de mulheres?
A aprovação deste projeto se deve ao avanço do discurso punitivo no Brasil. Aumentamos as penas e vamos dormir em paz. A criminalidade diminuirá? Claro que não. Este é um debate simplista, que não resolve o problema de ninguém, muito menos das mulheres que morrem todos os dias vítimas de violência doméstica. O homem que dá um soco em um estranho na rua, por causa de uma disputa de trânsito, pode temer a justiça e pensar duas vezes antes de agir, por medo de punição. Mas o ex-companheiro que agride alguém que já amou, dentro de sua casa, na frente dos filhos, não mudará de ideia por causa do aumento da pena. Ele nem pensa no pênalti. Na maioria dos casos, ele comete suicídio depois, e o direito penal não o atinge. E, nessa medida, aumentar a pena representa um discurso sem qualquer efetividade e não garante redução de casos.
E o que garante a redução da violência?
Punições mais severas podem ter um efeito dissuasor sobre alguns agressores iniciais, com punição e vigilância aumentadas após a primeira tentativa de lesão corporal, e com penas mais duras para o incumprimento de medidas de protecção urgentes. Ao primeiro sinal de violência mínima, o homem deve ser afastado do contato com a vítima. É fundamental investir em políticas públicas de prevenção, educação, proteção às vítimas e justiça ágil nos casos de descumprimento de medidas protetivas urgentes.
Quem comete feminicídio pensa nas consequências?
Geralmente agem movidos por sentimentos de posse, controle e impunidade, sem considerar as consequências jurídicas no momento do ato.
Que mudanças na jurisprudência penal do STJ você considera um avanço desde que chegou?
O STJ tem demonstrado um compromisso crescente com a proteção dos direitos fundamentais, especialmente no que diz respeito a grupos vulneráveis, como crianças e mulheres. Desde que cheguei, julguei dois casos muito importantes na 3ª Seção, que decide processos criminais: a questão da validade da confissão, quando foi decidido que ela por si só não pode levar à condenação, principalmente quando realizada fora da delegacia , sem qualquer garantia de defesa de direitos ao réu (Relatório do Ministro Ribeiro Dantas); e a definição de quando existe um “motivo fundado” que justifique uma revista pessoal em via pública (o famoso “baculejo”) e a entrada em uma residência sem ordem judicial (Relatório do Ministro Schietti). O Tribunal tem se destacado na garantia dos direitos das pessoas menos privilegiadas, reforçando seu papel como Tribunal da Cidadania, especialmente na garantia dos direitos humanos e do devido processo legal. A jurisprudência se consolida pela consistência dessas decisões e espero contribuir trazendo minha visão humanista sobre os processos penais.
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