Por Aloysio Corrêa da Veiga*— O início do século XX marcou um período de intensa convulsão social, com a luta pela formação de uma sociedade mais equitativa e justa, para que a prosperidade pudesse atingir todos os segmentos da população. Isto ocorreu em países mais industrializados, onde sucessivas revoluções tecnológicas levaram a um crescimento exponencial da produtividade, ao mesmo tempo que as exigências sindicais colectivas e a acção reguladora estatal elevaram o nível daqueles que eram economicamente mais frágeis. Foram factores que fortaleceram a classe consumidora, estimulando ciclos prolongados de crescimento económico, que tornaram possível, por exemplo, o chamado Sonho Americano, nos Estados Unidos, ou o Estado-Providência, na Europa Ocidental.
A regulamentação e a protecção do trabalho são um factor essencial para a dignidade humana, bem como para o progresso económico das sociedades modernas, que, no último século, superaram o laissez-faire individualista, anteriormente prevalecente em todo o mundo ocidental.
É neste contexto que surgiram tanto a Consolidação das Leis do Trabalho como a Justiça do Trabalho, com a nobre missão de trazer a paz e o equilíbrio social às relações jurídico-económicas entre empregados e empregadores, acelerando o processo de industrialização, então ainda incipiente, e a aumento geral dos níveis de prosperidade. Podemos dizer que tais instituições foram e são bem-sucedidas, pois ajudaram a conduzir o país, nestas mais de oito décadas, de uma economia agrária baseada em monoculturas de exportação para uma sociedade industrial e diversificada, posicionando-se entre as oito maiores economias do mundo. , com alguns períodos de pleno emprego.
A regulamentação trabalhista, no Brasil e no mundo, não é obra do acaso, nem foi concedida gratuitamente. Na realidade, constitui a sabedoria acumulada em mais de dois mil anos de avanços e retrocessos nas nossas sociedades.
Passámos das economias escravistas, na Antiguidade, ao feudalismo servil, na Idade Média, cujo progressivo afrouxamento, na Europa, deu origem à reurbanização e à expansão do trabalho artesanal livre, ao mesmo tempo que a conquista de vários territórios coloniais deu origem para dar origem às feridas da escravatura africana. O trabalho livre, porém, só existia verdadeiramente para aqueles que possuíam as suas oficinas, os seus meios de produção, uma vez que os trabalhadores subalternos também viviam sob um regime de servidão ou, no máximo, de aprendizagem – e podiam, no entanto, tornar-se eles próprios senhores e proprietários das oficinas. , perpetuando o sistema.
Este paradigma, no entanto, entrou em crise com a Revolução Industrial, nos séculos XVIII e XIX, na Europa, com a aglomeração massiva de trabalhadores e a necessidade de uma regulação mais específica e eficaz das relações jurídicas relativas ao trabalho subordinado.
No Brasil, o uso em larga escala de mão de obra livre começou com a abolição tardia da escravatura e a imigração europeia massiva. Entre 1884 e 1920, mais de 3 milhões de estrangeiros chegaram ao Brasil, mais da metade em São Paulo, não apenas nas fazendas de café, mas agora também em empregos urbanos, na nascente indústria e comércio. Esta forte afluência de trabalhadores estrangeiros foi acompanhada por ideias de organização e reivindicações colectivas por condições de trabalho mais dignas – já mais desenvolvidas no Velho Continente – gerando pressão sobre os empregadores e o governo, para que se chegasse a um modelo justo e eficiente.
É nesse contexto – dada a necessidade de evitar convulsões sociais e promover um ambiente produtivo próspero e equilibrado – que foram criadas as primeiras leis trabalhistas no Brasil, culminando com a Consolidação das Leis Trabalhistas, publicada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Dentre tantas conquistas amalgamadas em nossa CLT, um de seus principais avanços foi estabelecer métodos simples e rápidos de resolução de conflitos, com foco na simplicidade, oralidade, conciliação e limitação de recursos, resultando em uma aplicação eficaz do material jurídico e a consequente pacificação dos conflitos.
Por outro lado, para proporcionar um fórum adequado para a aplicação desta nova legislação, foram progressivamente criados órgãos de decisão específicos. Em 1923, surgiu o Conselho Nacional do Trabalho (CNT), inicialmente como órgão consultivo do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio (Maic), que mais tarde seria transformado no Tribunal Superior do Trabalho. Em 1932, foram criadas as Comissões Mistas de Conciliação (para conflitos coletivos) e as Juntas de Conciliação e Julgamento (para conflitos individuais), mas ainda sem poderes jurisdicionais para executar suas decisões. Somente em 1º de maio de 1941, com a entrada em vigor do Decreto-Lei 1.237/1939, passou a existir um “Tribunal do Trabalho”, como órgão julgador autônomo, capaz de executar suas próprias decisões, sendo formalmente integrado ao Poder Judiciário, em de acordo com os artigos 122 e 123 da Constituição de 1946 (em seu Capítulo IV, relativo ao Poder Judiciário).
A própria gênese da CLT e da Justiça do Trabalho, como instrumentos para resolver os ardentes conflitos então existentes e proporcionar estabilidade e prosperidade à nação, nos leva à convicção de sua reiterada relevância para o enfrentamento dos conflitos naturalmente decorrentes das novas dinâmicas de trabalho, em uma sociedade cada vez mais tecnológica e multifacetada.
Afinal, como premissas para tal enfrentamento, aplicam-se os vetores que orientam a aplicação de todo o Direito brasileiro, como a dignidade da pessoa humana e o equilíbrio entre os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, fundamentos da nossa República (CF , art. 1º, III e IV), que visa erradicar a pobreza e promover o bem de todos (art. 3º, III e IV).
Portanto, é especialmente importante examinar novos fenómenos tendo em vista a necessidade de equilibrar a adaptabilidade aos novos factos sociais com a preservação do valor humano, base da nossa Constituição.
Temos vivido uma sucessão vertiginosa de revoluções tecnológicas, muitas vezes disruptivas, gerando algumas perdas imediatas, mas ganhos coletivos a médio e longo prazo. Basta ver que ninguém, hoje, consideraria voltar ao status quo ante em relação a tais inovações.
Num passado recente, por exemplo, tivemos a mecanização das culturas, a transição da máquina de escrever para o computador, a internet, o GPS, a nuvem, o smartphone, o trabalho através de aplicações, o teletrabalho e, mais recentemente, a inteligência artificial – sempre colocando o aplicador da lei diante de dilemas, pois a realidade mudou mais rapidamente do que as correspondentes regulamentações legais.
O Poder Judiciário (e, em particular, a Justiça do Trabalho, por tratar de casos urgentes) deve prestar um serviço judiciário cada vez mais célere e eficiente, proporcionando tratamento justo, igualitário e tempestivo aos novos conflitos sociais.
Para tanto, devemos nos unir numa reflexão sobre as melhores formas de atingir esse objetivo, racionalizando a atuação dos nossos Tribunais, proporcionando segurança jurídica para que a nossa sociedade possa, no campo das relações de trabalho, prosperar e progredir.
Dentre tais reflexões, o aprimoramento da prestação jurisdicional trabalhista hoje deve ser pautado pela modernização da nossa forma de julgar, com aderência a uma cultura de precedentes, intensificando a utilização dos diversos mecanismos já presentes em nossa legislação, que conferem aos Tribunais maior efetividade no estabelecimento de teses que possam servir de paradigma seguro e isonômico para o sistema judicial e a sociedade. Tal racionalização do trabalho judicial, hoje, passa também pela utilização de soluções tecnológicas que racionalizam o tempo despendido em atividades acessórias e permitem maior eficiência na recepção e processamento dos processos. Por último, a melhoria contínua do serviço judiciário passa pela ampliação do diálogo e da cooperação, quer através da promoção de soluções negociadas, quer através de uma maior cooperação interna entre os Tribunais, bem como através da cooperação interinstitucional com os principais litigantes do país, ajustando as políticas de desjudicialização e outras formas de encurtar demandas, reduzir custos e aumentar a eficácia.
Diante dessa situação, é necessário reafirmar a atualidade da regulação trabalhista no Brasil, bem como a aptidão da Justiça do Trabalho para interpretar e adaptar normas às novas realidades, potencializadas pela sucessão de novas tecnologias.
O direito é produto da nossa história e, ao mesmo tempo, ajuda a moldá-la. Através do diálogo social, realizado num Judiciário célere e eficiente, poderemos avaliar adequadamente o Direito aplicável às atuais relações trabalhistas, comprometidos com instrumentos que nos permitam prosperar, influenciando positivamente as relações sociais e econômicas de nosso país, maximizando avanços e evitar retrocessos na proteção dos direitos humanos, propósito último da nossa Constituição e do Poder Judiciário como um todo.
*Ministro e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)
Você gostou do artigo? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê sua opinião! O Correio tem espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores através do e-mail sredat.df@dabr.com.br
empréstimo para pensionista do inss
empresas de emprestimo consignado
nova taxa de juros consignado
telefone noverde
picpay idade mínima
pague menos bancarios
simulador de financiamento safra
simulação consignado bb
simular empréstimo para aposentado
go pan consignado
emprestimo para negativados bh