Por João Carlos Souto* – As relações França-Bahia remontam ao período colonial, especialmente no que “parece” ter sido a participação dos franceses, ainda que tímida, na Conjuração Baiana, também conhecida como “Revolta dos Alfaiates”, insurreição ocorrida em Bahia em 1798. Há documentos que apontam a participação do capitão e chefe da Divisão Armada Naval Francesa, Antoine René Larcher (1740-1808), que teria solicitado a seus superiores apoio do governo francês para a “Revolta” que estava sendo construída pelos baianos em prol do rompimento com a Coroa portuguesa. O renomado historiador baiano Luís Henrique Dias Tavares também registra, no início do século XIX, a presença de esquadras francesas em Salvador, ainda que de passagem, incluindo uma comandada por Jerônimo Bonaparte, irmão de Napoleão.
Quase dois séculos depois, um francês chamado Pierre Verger chegou a Salvador, mas chegou aos 44 anos, em missão de paz, e fez história na Bahia, permanecendo lá até sua morte, aos 94 anos, em 1996. Verger foi um dos maiores fotógrafos do mundo, viajou pelo mundo antes e depois de se estabelecer em Salvador.
Curiosamente, na Bahia, em meados da década de 1970, no ensino primário (como era chamado na época), ensino público, com professores mal remunerados e instalações muito modestas, ensinava-se francês e não inglês. Eu fui um desses privilegiados. Muito curioso, estudou com afinco, até ser seduzido pelo dólar inoxidável e abandonar de vez a Linguagem de Dumas, Proust e Camus. Uma pena.
As aulas de francês, antes de entrar na adolescência, eram marcantes. Repetimos inúmeras vezes: “Le soleil brille dans le ciel noir”. Com o tempo, a linguagem de quem inventou o cinema foi se distanciando, de mim e do mundo. Foi engolido e deu lugar aos “hambúrgueres” e aos “milkshakes”… Mas nem tudo está perdido; a memória do menino inquieto e leitor voraz procurou preservar algumas passagens.
Entre outras palavras, frases e verbos, havia uma memória que persiste e diz respeito à pintura. Explicação que me foi dada pela professora de francês, cujo nome não lembro, mas lembro da fisionomia de traços finos e da vontade de ensinar a Língua das Liberdades numa época em que ela foi sequestrada do Brasil. Um dia ela falou sobre Matisse e o Fauvismo (o ‘fovismo’ também é aceito). E adorei a expressão (e a foto da tela) “Le bonheur de vivre”, uma pintura a óleo sobre tela de Henri Matisse, de 1905/06.
O título que Matisse deu a uma de suas pinturas mais famosas me veio à mente quando fui surpreendido, hoje, 13 de outubro, por manifestações consistentes, elogiosas e absolutamente espontâneas de um grupo de juristas e intelectuais com quem “convivemos” todos os dias e aprendemos uns com os outros, convergindo e divergindo de forma saudável e respeitosa. Essas manifestações foram sobre meu livro — Suprema Corte dos Estados Unidos — Principais Decisões — com depoimentos do professor e juiz federal Jairo Schafer (“Sempre recomendo o livro maravilhoso aos meus alunos de Direito Constitucional!”), do professor Arnaldo Godoy (“Seu livro é imbatível em nossa tradição juscomparatista”) do professor e promotor público Vladimir Aras (“Livro pioneiro e preciso”), do professor Fernando Passos, do professor e conselheiro federal da OAB Alberto Zacharias Toron, nosso “Apóstolo das Liberdades Públicas” ( “Livro, nem mais, nem menos, excepcional”).
As manifestações desse grupo de intelectuais, que são referências em suas respectivas áreas, me tocaram muito, e me levaram de volta ao interior da Bahia, ao meu interior e ao meu “Le bonheur de vivre”.
*Professor de Direito Constitucional, Mestre e Doutor em Direito, Procurador da Fazenda Nacional, autor de “Supreme Court of the United States – Main Decisions” (Atlas, 4ª ed/2021)
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