Rogéria Dotti*, Fernanda Pederneiras** e Diana Geara*** — O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deu grande contribuição para a necessária desjudicialização do cotidiano ao aprovar, em agosto deste ano, a Resolução 571/2024. A nova regra permite que o divórcio e o inventário, dois processos tendencialmente complexos e dispendiosos, sejam realizados em cartórios notariais, mesmo que envolvam menores e incapazes ou que o falecido tenha deixado testamento. A mudança resultou de um pedido do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) ao CNJ.
Um dos méritos da nova resolução do CNJ foi ampliar significativamente a possibilidade de os brasileiros resolverem suas questões familiares sem recorrer ao Judiciário, com maior celeridade e custos reduzidos. Ao mesmo tempo, tanto o CNJ como o IBDFAM protegeram os interesses de todos os envolvidos – especialmente os mais vulneráveis.
Em relação à realização de divórcios, a principal inovação foi a permissão para que sejam realizados por meio de escritura pública, ainda que envolvam filhos menores ou incapazes, desde que as questões de guarda, convivência e pensão alimentícia já tenham sido previamente resolvidas. resolvido por via judicial. Isso torna o processo muito mais rápido e acessível, uma vez que a aprovação judicial não é mais necessária em todos os casos.
É importante ressaltar que, diferentemente do que acontece na Justiça, o divórcio realizado em cartório não é sigiloso. Caso as partes desejem apresentar o documento sem divulgar todas as cláusulas, poderão solicitar certidão ou transferência ao notário, especificando apenas os bens, direitos e obrigações necessários.
No caso dos inventários, a resolução permite que sejam realizados extrajudicialmente, mesmo que o falecido tenha deixado testamento e haja herdeiros menores ou incapazes, mas apenas se houver autorização judicial prévia, em ação de abertura e registro do testamento , padronizando um procedimento que já era permitido em vários estados. Outra condição obrigatória é que haja manifestação favorável do Ministério Público e que os menores e os incapazes recebam uma parte de todos os bens, mantendo a copropriedade com os demais herdeiros. Ou seja, não é possível deixar a totalidade de um bem a um único herdeiro quando há menores envolvidos.
Uma advertência relevante é sobre a obrigação do executor testamenteiro declarar o valor dos bens do patrimônio na escritura pública e arcar com valores adicionais cobrados pelo cartório quando a Fazenda Pública discordar do valor declarado. Por outro lado, a resolução também dá ao inventor o poder de vender bens do espólio para cobrir despesas de estoque, desde que tenha autorização formal e consentimento de todos os envolvidos. A escritura deve, no entanto, detalhar as despesas a pagar com a venda do bem, com prazo máximo de um ano. O inventor também deverá prestar garantia de destinação do dinheiro da venda, que se extinguirá após o pagamento das despesas.
A novidade também traz avanços para pessoas que vivem em união estável. Em caso de falecimento de um dos sócios, a resolução prevê expressamente que o sobrevivente poderá receber sua herança e meação por via extrajudicial, desde que a união seja reconhecida pelos demais herdeiros. Isto também se aplica caso ele seja o único sucessor e a união estável já tenha sido reconhecida judicialmente ou por escritura pública ou termo declaratório devidamente registrado.
Escrituras públicas de divórcio, inventário e dissolução de união estável são consideradas documentos legais de transmissão de bens e direitos. É ainda possível emitir certificados específicos para cada finalidade de registro.
Em suma, o CNJ tem razão em permitir divórcios, inventários e dissoluções de uniões estáveis por via extrajudicial em situações que envolvam menores ou incapazes ou quando o falecido deixou testamento. Isso se deve ao fato de que, nesses casos, a desjudicialização é especialmente vantajosa, pois geralmente são mais complexos e demoram mais para serem resolvidos judicialmente. É importante ressaltar, porém, que essa permissão foi devidamente acompanhada de mecanismos que protegem os interesses de todos os envolvidos, sendo necessário que as questões de guarda, pensão alimentícia e convivência já tenham sido resolvidas judicialmente antes de serem levadas ao cartório. . Por sua vez, os inventários com testamento, que antes teriam que tramitar no Poder Judiciário, agora podem ser resolvidos em cartório, mantendo-se apenas a exigência de registro prévio do testamento em juízo (procedimento bem mais simples).
*Advogado, mestre e doutor em direito processual civil pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Secretaria-Geral do Instituto Brasileiro de Direito Processual
**Advogado, especialista em direito de família e sucessões e ex-presidente regional do Paraná do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM)
***Advogado e professor de direito de família e sucessões no curso de pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie
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