Por Jorge Ulisses Jacoby Fernandes* — Um tema de especial interesse é a possibilidade de negar acesso a informações protegidas pelo sigilo fiscal, com base no direito à privacidade. A questão do sigilo imposto aos dados fiscais deve considerar também as informações protegidas pelo sigilo obtidas pela administração tributária e quando o interesse público deve excluir o sigilo.
A Constituição Federal sustenta a polêmica, pois tratou do sigilo de dados, mas não especificamente do sigilo fiscal (ou bancário) em seu texto, o que deu origem a interpretações conflitantes.
O Código Tributário Nacional, por sua vez, no artigo 198, incorporado pela Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001, estabelece que o sigilo fiscal é limitado pela proibição da divulgação de informações obtidas em razão de ato oficial, pela Fazenda Público ou dos seus servidores, sobre a situação económica ou financeira do contribuinte ou de terceiros, e sobre a natureza e situação dos seus negócios ou atividades.
Vale ressaltar, porém, que o § 1º do dispositivo dispensa a obrigação de sigilo, além dos casos previstos no art. 199, o pedido de autoridade judiciária no interesse da Justiça e os pedidos de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que comprovada a instauração regular de processo administrativo, no respectivo órgão ou entidade, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a quem se refere a informação, pela prática de infracção administrativa.
Ainda, nos termos do § 2º, a troca de informações confidenciais, no âmbito da Administração Pública, será realizada por meio de processo regularmente estabelecido, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recebimento, que formaliza a transferência e garante a preservação do sigilo.
Dado que a actividade dos Tribunais de Contas se materializa através de um processo regular que visa a apuração de eventuais irregularidades administrativas, abre-se a possibilidade de requerimento, por parte da autoridade relatora do processo de contas e sem autorização judicial prévia, para que o Fisco proceda com a transferência de informações protegidas pelo sigilo fiscal, desde que observados os demais requisitos do § 2º.
Ressalte-se que, pela literalidade do dispositivo, não se trata de violação de sigilo fiscal ou de sua divulgação ao público, mas sim de troca de informações confidenciais do contribuinte, pessoa física ou jurídica, entre órgãos administrativos órgãos e dentro do escopo do processo anteriormente iniciado, permanecendo a obrigação de protegê-lo, devendo os arquivos ser confidenciais.
Atualmente, a jurisprudência do STF evoluiu para permitir o compartilhamento de dados fiscais sigilosos entre a administração tributária e os tribunais de contas, numa interpretação que relativiza o sigilo das informações e a preservação da intimidade diante do interesse da sociedade em conhecer o destino dos bens públicos. recursos e o exercício adequado do papel constitucional de controle externo, situação em que prevalece o dever de transparência imposto aos administradores públicos.
Nesse contexto, em 2020, o governo federal, após muitos embates com o Tribunal de Contas da União para não transferir dados fiscais protegidos por sigilo, publicou um decreto regulamentando o acesso da Controladoria-Geral da União e do TCU a dados de órgãos de do Ministério da Economia, inclusive da Receita Federal, abrangidos pelo sigilo fiscal.
Alinhada ao posicionamento do governo, a Portaria RFB nº 4, de 22 de janeiro de 2021, afirmou que a troca de informações confidenciais deve ser permitida, com definição clara do objetivo e do escopo da auditoria verificada, e os dados solicitados devem ser mantido com estes. Estabelece também que os dados somente poderão ser compartilhados mediante declaração indicando os auditores autorizados a utilizá-los, os quais assinarão termo de confidencialidade e assumirão as mesmas responsabilidades legais a que está obrigado o auditor da Receita Federal.
*Advogado, mestre em direito público, professor de direito administrativo, escritor, consultor, conferencista e palestrante
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