A procuradora federal da Advocacia-Geral da União (AGU) Manuellita Hermes Rosa Oliveira Filha é uma das 15 pesquisadoras do Distrito Federal homenageadas no livro Histórias no DF inspirarão futuros cientistas. A obra literária é fruto do projeto Mais meninas na Fiocruz Brasíliaque desde 2020 promove ações para incentivar a participação de meninas na ciência. Inspirado no livro Histórias para inspirar futuros cientistasCriado pela Fiocruz nacional, o projeto Brasília adaptou a iniciativa à capital federal e permitiu que todos os textos e ilustrações fossem produzidos por alunos do 6º ao 9º ano da rede pública de ensino do DF.
Manuellita é a única jurista presente na publicação, que busca mostrar às jovens que a ciência é um caminho possível para todos. “Sinto-me extremamente grata e honrada, porque, entre tantos pesquisadores, as três meninas que escreveram minha história me escolheram. Este livro é um projeto muito válido e importante. Infelizmente, nós mulheres enfrentamos uma invisibilidade constante, e ele oferece justamente a visibilidade que necessidade, reconhecendo as mulheres que se dedicam à ciência em diversas áreas”, declarou a promotora.
Nascida e criada em Salvador, Manuellita é a caçula de três filhos e recebeu esse nome em homenagem à mãe, uma de suas maiores inspirações. “Meus irmãos se chamam Raquel e Rafael, ambos com ‘R’ de Roque, nome do meu pai. Quando minha mãe estava grávida, eles não queriam saber o sexo do bebê e escolheram o nome Renata ou Roque Júnior. chegou a hora de me registrar. Mas meu pai quis fazer uma surpresa para minha mãe e me registrou como Manuellita Hermes Rosa Oliveira Filha — uma homenagem a ela”, conta.
Manoelita Hermes Rosa Oliveira, mãe de Manuellita, é de origem humilde. Sua mãe era lavadeira e seu pai morreu quando ela tinha apenas seis anos. Apesar das dificuldades, ela sempre sonhou em estudar medicina — algo ambicioso para uma mulher negra na época — e persistiu, trabalhando como auxiliar de costureira até ingressar na Universidade Federal da Bahia (UFBA). “Sua trajetória de resiliência e comprometimento sempre foi um grande exemplo para mim”, afirma a advogada.
Embora Manuellita Filha tenha crescido em melhores condições e estudado em escolas particulares, enfrentou dúvidas e desafios devido à sua cor. “Enfrentei dificuldades porque era um dos poucos negros em espaços frequentados majoritariamente por brancos. Desde cedo tive que justificar minha presença em alguns desses ambientes, como escolas particulares, e responder perguntas invasivas, explicando que minha mãe é médica e minha família consegui pagar a escola. Foi uma experiência difícil. Sempre fui uma excelente aluna, porém, o tempo todo, percebi o peso de ter que provar que merecia estar onde estava. foi, seja na escola ou mais tarde na minha carreira”, compartilha.
Após o ensino médio, Manuellita optou por estudar Direito e foi aprovada na UFBA. “Minha avó materna sempre disse que eu faria Direito, mas não gostei da ideia porque achava que o curso era apenas para memorizar leis”. Ela mudou de opinião após ler o livro Introdução ao Estudo do Direito, de Tercio Sampaio Ferraz Júnior, percebendo que o curso oferecia uma forma de participar da construção de uma sociedade mais justa. Durante a graduação, envolveu-se em projetos de consultoria jurídica e estagiou no Ministério Público e junto a magistrados.
Determinada a ampliar seus horizontes, Manuellita fez uma troca sanduíche em Madri, em uma universidade conveniada à UFBA. “Meu sonho era ter um carro, pois todos os dias fazia uma viagem de ônibus de uma hora até a faculdade. Mas, quando surgiu a oportunidade, preferi que meus pais investissem o valor na troca”, explica. O advogado se formou em janeiro de 2006 e, em maio do mesmo ano, foi aprovado no concurso para se tornar advogado da Petrobras. No ano seguinte, veio a aprovação da AGU.
Na AGU, foi designada para Ilhéus, no interior da Bahia, onde permaneceu de 2007 até o início de 2011, quando foi transferida para Feira de Santana. Em 2015, após passar pelo divórcio, Manuellita decidiu retomar os estudos. Com o sonho de estudar na Europa, candidatou-se ao mestrado na Universidade de Roma Tor Vergata, na Itália, e foi aprovada. Durante o mestrado, atuou como pesquisadora visitante no Instituto Max Planck, na Alemanha, realizou pesquisas em Munique, no mesmo Instituto, e participou de curso de direito internacional em Haia, Holanda.
“O doutorado foi uma continuação natural; queria continuar estudando na Europa”, diz Manuellita. Iniciou os estudos em 2018 na Universidade de Roma Tor Vergata e, em 2019, foi designada para assessorar a ministra Rosa Weber no Supremo Tribunal Federal (STF). Para equilibrar trabalho e pesquisa aproveitei feriados e férias para viajar para a Europa. Em 2020, com a pandemia e as restrições, optou por assumir a cotutela na Universidade de Brasília (UnB), pois teria dificuldade em ir à Itália com frequência. “Em decorrência disso, desenvolvi atividades acadêmicas no Brasil, no Centro de Estudos Constitucionais Comparados da UnB, até que foi possível retomar pesquisas presenciais na Itália, bem como realizar períodos de pesquisa de doutorado na Alemanha e em Paris”, lembra Manuellita.
Em setembro de 2022, após concluir o doutorado, Manuellita recebeu convite da ministra Rosa Weber para assumir a Secretaria de Estudos Avançados, Pesquisa e Gestão da Informação do Supremo Tribunal Federal. “Saí da função processual, na qual atuava como assessora jurídica e trabalhava com processos, e assumi uma função de liderança e gestão, que incluía a responsabilidade de quatro coordenadoras. Foi um desafio incrível, principalmente sendo uma mulher negra, ocupar essa posição em um ambiente repleto de mentes brilhantes e estudiosas”, comemora o advogado.
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