Por Victor Sigaud, Camila Carvalho e Silvia Bernardino
Ainda em sua infância no Brasil, o seguro R&W (Representações & Garantias) é considerado o “novo normal” pela comunidade global de M&A. Essa modalidade, que visa cobrir riscos de descumprimento de declarações e garantias prestadas por vendedores a compradores em negociações, foi utilizada em 75% das transações de private equity e em 64% das transações de large cap nos Estados Unidos no ano passado, segundo dados um estudo de Woodruff Sawyer. O padrão repetiu-se no Reino Unido e noutros países europeus, onde a utilização deste seguro já é tradicional em fusões e aquisições. No Brasil, a procura por essa modalidade tem crescido, ainda que de forma tímida, impulsionada pelas seguradoras que buscam oferecer novos produtos e pelo maior entendimento do mercado sobre suas funcionalidades e vantagens.
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Os contratos de compra e venda muitas vezes contêm cláusulas de indenização baseadas em declarações e garantias feitas pelo vendedor. Essas cláusulas preveem que a empresa objeto da compra esteja em situação regular de funcionamento e cumpra a legislação aplicável, entre outros requisitos. Se tais condições não se confirmarem no futuro, o vendedor, em regra, é obrigado a compensar o comprador pelas perdas financeiras resultantes.
Neste contexto, o seguro R&W pode substituir (ou minimizar) o papel e as responsabilidades do vendedor como fiador da indemnização em caso de violação da representação e da garantia. A seguradora assume a responsabilidade e garante o pagamento da indenização, reduzindo riscos para o vendedor e proporcionando maior segurança para o comprador.
Embora os custos da modalidade no Brasil ainda sejam elevados, o seguro R&W apresenta diversas vantagens. A principal delas é a redução dos custos de informação, transferindo o risco da operação para a seguradora. Isto reduz as tensões nas negociações, além de simplificar e acelerar o processo. Em transações em que as partes continuam envolvidas no negócio (como aquisições parciais), a vantagem fica ainda mais evidente, evitando conflitos sobre a atribuição de responsabilidades e valores de compensação, seja após o fechamento da transação ou durante a relação comercial. Essa característica minimiza desgastes, reduz a probabilidade de litígios e permite que as partes foquem no desenvolvimento do negócio.
Outra vantagem é o impacto positivo na liquidez de ambas as partes. O comprador não precisa depender da liquidez do vendedor para receber a remuneração, dispensando a necessidade de mecanismos como a retenção de parte do preço de compra. Já o vendedor consegue uma saída “limpa” do negócio, sem se preocupar com passivos residuais. Além disso, dependendo das condições oferecidas pela seguradora, o seguro R&W pode aumentar o limite de proteção do comprador em relação ao limite de indenização oferecido pelo vendedor, bem como estender o prazo de cobertura para sinistros de terceiros.
Apesar dessas vantagens, a modalidade ainda não ganhou força no Brasil, devido à oferta limitada e aos preços elevados. Contudo, as recentes mudanças no mercado sinalizam uma possível mudança neste cenário. As transações brasileiras tornaram-se mais complexas, muitas vezes envolvendo múltiplas jurisdições. Além disso, os investidores passivos e avessos ao risco adoptaram padrões mais sofisticados, e o aumento dos desinvestimentos de fundos de private equity também pode impulsionar a utilização de seguros de R&W, uma vez que estes fundos procuram alinhar as suas obrigações com as expectativas de compensação dos compradores e a vida útil do próprios fundos.
Segundo estudo da Factor Risk Management, corretora de seguros inglesa, a redução no volume de fusões e aquisições nos últimos dois anos também pode favorecer o crescimento do mercado de seguros de R&W. Isso se deve à maior concorrência entre as seguradoras, que buscam diversificar riscos, reduzir exposições e ampliar a oferta de produtos. Esse movimento tem atraído cada vez mais seguradoras estrangeiras para o Brasil, algumas delas formando parcerias com seguradoras locais.
No Chile, por exemplo, a popularização do seguro R&W resultou na redução dos custos da modalidade. Algo semelhante poderá acontecer no Brasil, caso o uso de seguros se torne mais difundido. No entanto, as mudanças de paradigma são graduais. Os agentes de mercado precisam de tempo para se adaptarem aos novos desenvolvimentos e avaliarem adequadamente os riscos e benefícios envolvidos. Quando a conclusão é favorável, o mercado responde e inicia-se um efeito cascata, reduzindo os custos de informação e, em última análise, promovendo a adoção em larga escala.
Os sinais de mercado sugerem que o seguro R&W pode estar próximo de um ponto de inflexão no Brasil. Vale acompanhar se, desta vez, o esporte finalmente se consolidará no país.
* Victor Sigaud, associado da área transacional da Trench Rossi Watanabe; Camila Carvalho, diretora associada de Gestão de Fatores de Risco; Silvia Bernardino, sócia da área transacional da Trench Rossi Watanabe
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