Por Estela Mares Vaz Rodrigues, Advogada Criminalista
A evolução da tecnologia e o aumento do acesso à internet transformaram a forma como as relações interpessoais são estabelecidas, proporcionando uma comunicação imediata que se estende por todo o mundo. Contudo, as novas possibilidades também trazem riscos à segurança e à liberdade dos usuários.
Dentre os fenômenos surgidos na era digital, destaca-se o virtual stalking, conhecido mundialmente como cyberstalking, em que o agente, na esfera virtual, persegue sua vítima de forma obsessiva e repetitiva, com o objetivo de invadir e perturbar sua liberdade. e privacidade. de várias maneiras.
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Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2024) do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), foram registrados 57.294 casos de perseguição, sob qualquer forma, cujas vítimas eram mulheres, em 2022, e 77.083 em 2023, um aumento de 34,5. %, o que evidencia a expansão e o agravamento deste problema.
Em termos legislativos, a Lei de Contravenções Penais de 1941 já continha contornos da conduta em seu artigo 65. Porém, foi somente com a Lei nº 14.132/2021 que houve um avanço significativo na criminalização da perseguição, com a inclusão da artigo 147-A do Código Penal. Assim, a classificação de “molestar alguém ou perturbar seu sossego”, prevista na norma de 1941, foi revogada e substituída por um tipo penal mais completo:
“Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando sua integridade física ou psicológica, restringindo sua capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.”
Apesar deste importante marco, permanecem algumas lacunas legislativas, especialmente no que diz respeito ao ambiente digital, em que as vítimas podem ser monitorizadas e assediadas através de redes sociais, e-mails, aplicações de mensagens e outras plataformas.
A falta de especificidade na regulamentação cria dificuldades tanto na caracterização do crime como na sua investigação e punição, razão pela qual é necessário refletir sobre as limitações da legislação atual.
Como o dispositivo legal trata do crime de stalking em geral, não abrange os aspectos específicos do cyberstalking, não se adaptando às peculiaridades da tecnologia. Isto cria dificuldades na interpretação e aplicação da norma.
Além disso, o stalking virtual é uma prática complexa, que pode se manifestar de diversas formas, o que torna sua caracterização e combate ainda mais desafiadores. Assim como ocorre no espaço online, o rastro deixado pelo agente pode ser facilmente mascarado ou manipulado por meio de técnicas que garantem o anonimato, como uso de VPNs, criptografia e contas falsas, dificultando significativamente a identificação do autor.
A internet também oferece ferramentas acessíveis que facilitam a prática de inúmeras formas desse crime, como o envio de mensagens repetitivas e intimidatórias por e-mail e redes sociais, o uso de aplicativos de geolocalização para monitorar a vítima, a invasão de contas pessoais para obter informações privadas e o uso isso como forma de chantagem, além de criar perfis falsos para assediar. Estas práticas limitam a eficácia das medidas restritivas previstas na lei, como a proibição do contacto entre o agente e a vítima.
Outro grande obstáculo na investigação é a questão das provas digitais. A volatilidade dos dados dificulta a preservação de evidências, que podem ser rapidamente apagadas ou adulteradas, dependendo dos registros da plataforma. Além disso, muitas destas empresas adotam políticas rigorosas de proteção de dados e privacidade, o que pode dificultar ou retardar a colaboração com as autoridades.
É essencial incentivar a cooperação entre as autoridades judiciais e as redes sociais, a fim de garantir a proteção eficaz das vítimas, através de ações como o bloqueio de contas de stalkers e a remoção de conteúdos ofensivos.
Diante disso, observa-se que o cyberstalking está amplamente difundido nos meios digitais, evidenciando a urgência da legislação brasileira acompanhar os avanços tecnológicos. Caso contrário, o direito penal tradicional será insuficiente para combater a perseguição cibernética. É, portanto, necessário atualizar constantemente as práticas investigativas e implementar medidas de proteção adaptadas à realidade digital.
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