Por Juliete Zambianco* — O crescente avanço tecnológico tem causado transformações sem precedentes na sociedade. A transição do analógico para o digital não só mudou a forma como a informação é produzida, partilhada e consumida, mas também redefiniu as relações humanas, o acesso ao conhecimento e ao trabalho. Neste cenário, a incorporação do digital ao cotidiano tem gerado grandes desafios para o meio jurídico, incluindo, por exemplo, métodos periciais que auxiliem o juiz na formação de sua convicção. Dentre estas, destaca-se a expertise grafotécnica, tradicionalmente associada à análise de escritas em papel, e que também é diretamente impactada pelo advento das mídias digitais.
O exame grafotécnico é uma das ferramentas utilizadas no âmbito jurídico para verificar a autenticidade e autoria de um documento, com base nas características gráficas das assinaturas — razão pela qual a perícia deve, preferencialmente, ser realizada no documento original. No entanto, o art. 424 do Código de Processo Civil prevê a possibilidade de a perícia ser realizada de forma indireta, ou seja, com base em documentos originalmente gerados em formato físico e posteriormente digitalizados. Portanto, na impossibilidade de análise da cópia física original, o Poder Judiciário autoriza a realização de perícia grafotécnica em documentos digitais, ressalvadas as possíveis consequências e prejuízos na elaboração do laudo.
Neste contexto, com o aumento da utilização de documentos eletrónicos, há necessidade de explorar como os métodos especializados podem ser aplicados e adaptados a novos formatos. Isso ocorre, sobretudo, porque o trabalho pericial pressupõe a observância de determinados critérios, tais como: idoneidade, contemporaneidade, quantidade e autenticidade (PRETTI, Gleibe, Perícia Grafotécnica na Practice. São Paulo: Editora Ícone, 2017).
Como consequência, a ausência do arquivo original acarreta o desafio de realizar perícia sobre um novo tipo de suporte documental. A perícia realizada em documentos digitalizados pode comprometer algumas técnicas, levantando questões complexas, principalmente quanto à confiabilidade das conclusões do relatório.
Embora não haja impedimento legal para que a perícia grafotécnica seja realizada em documento digitalizado, o perito tem o dever de informar no parecer que a materialidade do documento foi alterada, ou seja, que foi digitalizado. Deve indicar também quais elementos foram comprometidos ou prejudicados na análise. O perito também deverá avaliar se a cópia apresenta elementos morfogenéticos adequados para comparação pericial, bem como verificar a adequação da estrutura do documento copiado para o exame e para a conclusão do laudo.
Além disso, é fundamental que o perito justifique os fatores técnicos e específicos que podem comprometer a qualidade do laudo referente ao documento digitalizado. Isso é necessário não apenas para amparar o juiz em sua convicção — permitindo-lhe, se julgar necessário, prescindir dessa prova pericial — mas também para garantir o contraditório e a ampla defesa da parte contrária.
Embora as reproduções digitais de documentos tenham, legalmente, a mesma força probatória do original, é fato que, pela impossibilidade de mensurar com precisão todos os elementos morfogenéticos que estariam presentes em uma assinatura manuscrita com caneta, a expertise neste tipo de documento pode gerar incerteza quanto às conclusões descritas no relatório. Ainda assim, é possível considerar outros elementos que permitem uma conclusão próxima da verdade.
Portanto, os documentos originais são os mais indicados para a perícia. Porém, na impossibilidade de obtenção da via original e havendo cópia digital, a perícia é permitida, desde que o laudo registre todas as limitações do exame, indicando os obstáculos enfrentados pelo perito, bem como suas causas. e consequências. Caso o documento questionado seja impróprio para qualquer tipo de análise pericial, o perito deverá comunicar ao tribunal todos os impedimentos que tornaram o documento impróprio para avaliação.
*Advogado do escritório Antonio de Pádua Soubhie Nogueira
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