Por Gabriel Cosme de Azevedo* — A Austrália está prestes a implementar uma legislação inovadora e controversa: uma proibição total da utilização das redes sociais por menores de 16 anos. Este é um movimento sem precedentes no mundo, com profundas implicações tanto para a sociedade como para o sector tecnológico.
Proposta no início de 2024, a lei já foi aprovada pelo Parlamento australiano e deverá entrar em vigor dentro de um ano, dando às plataformas e ao governo o tempo necessário para implementar mecanismos de supervisão. Esta legislação sem precedentes coloca a Austrália na vanguarda da regulamentação do uso de tecnologia por adolescentes, mas também levanta questões sobre a sua eficácia prática e os desafios de aplicação.
Dados mostram que os índices de depressão, ansiedade e pensamentos suicidas dispararam com a popularização dos smartphones e das redes sociais a partir de 2010. Paralelamente, há queda no desempenho escolar, dificuldades de concentração e aumento de casos de bullying.
O principal argumento a favor da medida australiana é a necessidade de proteger a saúde mental dos jovens. As redes sociais, com os seus algoritmos concebidos para maximizar o envolvimento, criam um ambiente propício à comparação social, ao isolamento e ao vício. Além disso, há um reconhecimento crescente de que o uso excessivo da tecnologia prejudica as competências interpessoais e reduz o tempo dedicado a atividades saudáveis, como desporto e estudo.
Outro ponto importante é a responsabilização das plataformas. A legislação proposta transfere o fardo da supervisão para as empresas, que enfrentarão multas significativas se menores forem apanhados a utilizar as suas plataformas. Isto cria um incentivo direto para que os gigantes da tecnologia desenvolvam sistemas de controlo de idade mais robustos.
Apesar do apoio popular, a implementação desta medida apresenta inúmeros desafios. Governos anteriores em todo o mundo tentaram medidas semelhantes, mas nenhuma foi tão abrangente. Por exemplo, na Noruega, as redes sociais são tecnicamente proibidas para crianças com menos de 13 anos de idade, mas mais de 70% das crianças norueguesas com 11 anos estão nas redes, destacando a ineficácia da regra.
A proposta australiana sugere a utilização de identidades digitais ligadas a dados governamentais, o que levanta preocupações legítimas sobre privacidade e vigilância. Embora esta solução garanta mais controlo, também abre a porta a potenciais abusos por parte do governo.
Os críticos apontam que a medida australiana é uma solução simplista para um problema complexo. A crise de saúde mental entre os jovens, argumentam, é uma combinação de factores, incluindo cortes no investimento na saúde mental, educação de baixa qualidade e um sistema económico que dificulta o acesso à habitação e ao emprego.
A iniciativa australiana é, sem dúvida, uma experiência ousada. Mas para que a medida seja bem-sucedida, será necessário um equilíbrio cuidadoso entre regulamentação e respeito pelas liberdades civis.
*Especialista em Direito Digital, advogado da Bento Muniz Advocacia
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