Por Mário Vinícius Hesketh* — Victor Nunes Leal talvez não imaginasse que ele próprio seria vítima do “coronelismo”, tese central da sua dissertação de ingresso na então Faculdade Nacional de Filosofia. De certa forma, outro mineiro, Pedro Aleixo, também não imaginava as consequências de não se preocupar com o general Costa e Silva. O nihil obstat dos civis pressupunha apenas a repercussão que a Lei dentro do golpe de Estado poderia causar na cabeça da “guarda de esquina”.
E junto com o ministro Vitor Nunes Leal, outros dois membros do Supremo Tribunal Federal (STF) também foram cassados devido a um novo tipo de “coronelismo”, o do quartel: Evandro Lins e Silva e Hermes Lima, estabelecendo a jurisprudência da história e sempre atual entendimento de que não existem propostas inocentes quando se pretende corrigir distorções no sistema de representação política de uma sociedade, especialmente de uma sociedade constituída sob um Estado Democrático de Direito.
No Coronelismo, enxada e voto, o algoritmo de Nunes Leal baseava-se na concentração de terras por coronéis, numa época em que as mulheres não eram elegíveis, o voto não era secreto, e quando assim passou, o resultado desejado foi forjado através de diversas fraudes, como a pitoresca figura do “fósforo”, o falso eleitor que votou no outro!
Com a industrialização do país no pós-guerra, surgiram novos “coronéis”, tratados na literatura acadêmica como líderes populistas, e que aprenderam ao longo de oito décadas a manobrar com extrema perspicácia o algoritmo do sistema proporcional de lista aberta: quem previu que isso iria “Sobrar” mudou partidos, certamente com financiamento eleitoral através de “caixa dois”, com honrosas exceções.
E assim, com poucas modificações, a cota de Hare elegeu, de 1945 até 2022, 20 legislaturas no Congresso Nacional, passando ilesa por duas mudanças de regime (a curta experiência do gabinete Tancredo Neves e a duradoura ditadura militar), três Constituições, um Pacote de Abril, dois plebiscitos sobre a forma de governo (presidencialismo versus parlamentarismo), três processos de impeachment, e o fim do voto manual e a introdução da urna electrónica a partir de 1996.
O que ninguém poderia prever foi o surgimento de uma nova geração de coronéis, que, através de algoritmos, começaram a manipular o sistema de representação política em todo o mundo. O laboratório foi a “Primavera Árabe”, como destacou o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Alexandre de Moraes, durante o encerramento do “Seminário Inteligência Artificial, Democracia e Eleições”.
Os novos coronéis, com círculos eleitorais no Vale do Silício, fazem parte da seleta lista dos dez homens mais ricos da humanidade segundo a Forbes, e suas Bigtechs Meta (Instagram, Facebook e WathsApp), Google (GoogleAdds e Youtube), Twiter), A Microsoft e o TikTok, este último com sede em Pequim e ameaçado de proibição pelo governo americano, são acusados de influenciar o processo eleitoral em diferentes partes do mundo.
O caso mais notório e escandaloso foi o perpetrado pela empresa britânica Cambridge Analytica, arguida confessa, que utilizou dados de 50 milhões de utilizadores do Facebook para interferir indevidamente nas eleições americanas de 2018, a favor do seu cliente, o candidato eleito Donald Trump. .
O tempo em que as eleições foram vencidas através da captura ilícita do sufrágio, e face a recursos não contabilizados, ainda persiste. Mas a onda, ou o quociente, é agora sofisticada. As bigtechs transformaram a população mundial em uma “geração ansiosa”, techaddicts, a ponto de um brasileiro passar 9 horas e 14 minutos diariamente conectado aos seus smartphones, colocando nosso país em 2º lugar no ranking mundial segundo o DataReportal (a média global é 6h e 35 min).
Conectados por mais de um terço do seu dia, algoritmos direcionam “mídias sintéticas”, passando a fazer lavagem cerebral nos incautos, ou não, criando bolhas que se retroalimentam com curtidas, comentários e robôs.
E quando as autoridades procuram salvaguardar a integridade do Estado Democrático de Direito, são vítimas de perseguição, desencadeada por oligarcas das bigtech. O perseguidor Elon Musk atacou o ministro Alexandre de Moraes e ameaçou reativar “contas” bloqueadas pelos tribunais brasileiros, resultando em 70 milhões de interações nas redes sociais em abril, ultrapassando em 10 milhões o número total de interações relativas aos tribunais judiciais brasileiros, em outubro de 2022, em o calor das eleições para a Presidência da República.
Sem alarme, o Google contornou a Resolução do TSE, simplesmente “proibindo” a publicidade política paga em suas plataformas nas próximas eleições municipais. Com uma ressalva: a medida vale apenas para o Brasil, sem prejuízo e controle sobre o conteúdo dos cronogramas que os usuários continuarão recebendo
Como “calar a boca não é morrer”, a nova presidente eleita do TSE, ministra Cármen Lúcia, alertou: combaterá o “coronelismo digital”, e com “enxada” se for preciso.
*Mario Vinicius Hesketh é advogado, conselheiro da OAB/PA
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