Por Carlos Mário Velloso Filho* e João Carlos B. Velloso* — Em 22 de maio de 2024, ao decidir as ações diretas 6.792 e 7.055, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu a tese de que a responsabilidade civil dos órgãos de imprensa “só será estabelecida em caso inequívoco de dolo ou negligência grave (negligência profissional evidente). na investigação dos factos)”.
No julgamento, a maioria dos ministros pareceu concordar com os parâmetros para determinação da culpa grave retirados da Carta Global de Ética para Jornalistas, da Federação Internacional de Jornalistas.
Segundo a leitura feita pela acadêmica Luna van Brussel Barroso, em artigo escrito em coautoria com o ministro Luís Roberto Barroso, a Carta sugere que a análise da conduta jornalística pode ser determinada a partir do exame de quatro fatores: (i) se havia distinção entre fato e opinião (ou seja, se a informação foi divulgada como opinião ou como verdade); (ii) se foi verificada a veracidade das informações; (iii) se existe interesse próprio do jornalista no assunto noticiado; (iv) se a outra parte foi ouvida.
O tema deverá voltar à pauta do STF na próxima quarta-feira, 5 de junho, no julgamento dos embargos de declaração interpostos pelo Diário de Pernambuco no recurso extraordinário nº 1.075.412/PE. Como advogados do jornal, entendemos que a análise baseada nos parâmetros da Carta Global leva a uma única conclusão: o caso do Diário de Pernambuco não é um caso de culpa grave.
Em primeiro lugar, a distinção entre facto e opinião parece clara no artigo publicado pelo Diário. Na abertura da entrevista (o sutiã, no jargão jornalístico), o jornal esclarece que o entrevistado era uma personalidade polêmica ligada ao regime militar, um verdadeiro “inimigo” do comunismo. Além de se tratar de uma entrevista, o que por si só denota a ideia de opinião de um terceiro, a informação disponibilizada pelo jornal foi suficiente para que o leitor médio fizesse as devidas ressalvas sobre o ponto de vista veiculado na entrevista.
Aliás, o próprio Diário de Pernambuco havia publicado, pouco antes da publicação da matéria, a versão de Paulo Cavalcanti, escritor comunista, que atribuiu a culpa do atentado a um grupo ligado à própria direita.
Em segundo lugar, no que diz respeito ao parâmetro de “verificação da veracidade”, é necessário ter em conta dois factos, devidamente reconhecidos pelo Tribunal de origem: (i) a entrevista, em formato de pingue-pongue, compreendeu 18 perguntas sobre os mais variados assuntos , com vários nomes sendo mencionados. Apenas a décima questão tratou do ataque dos Guararapes; (ii) o ofendido nunca contactou o jornal para apresentar a sua versão dos factos, o que, obviamente, teria sido acatado.
Na verdade, na audiência de conciliação, o Diário de Pernambuco ofereceu ao ofendido uma entrevista de página inteira em edição dominical, a ser conduzida pelo mesmo jornalista, mas a oferta foi recusada. Isso tudo está nos registros.
Além disso, mesmo que assim não fosse, é preciso levar em conta os diversos registros bibliográficos que mostram que o fator decisivo para atestar a inocência da vítima no atentado dos Guararapes foi a edição do Jornal do Commercio de 23/07/ 95, que foi portanto publicado, dois meses após a publicação da entrevista. Nesta reportagem, o Jornal do Commercio, com base em investigação própria e inédita, constatou que o autor do ataque foi o grupo Ação Popular, do qual o ofendido, aliás, nunca fez parte.
Porém, esse material não existia em 15 de maio de 1995, data da publicação da entrevista.
Sobre este ponto, uma última observação: o ofendido acrescentou à sentença inicial uma sentença da Justiça Militar, que demonstrou que ele, de fato, não havia sido condenado pelo crime dos Guararapes. Porém, essa sentença militar não foi de todo acessível pelo jornal, até porque, em 1995, a internet nem existia no Brasil.
Em terceiro lugar, também não é possível identificar o interesse do próprio jornal na entrevista. Como visto, o próprio Diário de Pernambuco havia publicado, pouco antes, a versão do escritor comunista Paulo Cavalcanti, na qual afirmava que a autoria do atentado era um grupo ligado à própria direita. Segundo Cavalcanti, o grupo de direita queria impedir a posse de Costa e Silva, que, como se entendia, pretendia, naquele momento, iniciar o processo de redemocratização no Brasil.
Além disso, não se pode ignorar que a entrevista foi conduzida por Selênio Homem, ícone do jornalismo pernambucano, profissional amplamente reconhecido como ético e imparcial. Finalmente, em quarto lugar, não é razoável atribuir culpa ao jornal pelo facto de a parte ofendida não ter sido ouvida. Como visto, o ofendido nunca foi ao jornal prestar declarações. E, em audiência de conciliação, recusou uma entrevista de página inteira, momento em que poderia até ter apresentado a sentença militar e a reportagem do Jornal do Commercio.
Em suma, o caso do Diário de Pernambuco não é um caso de “culpa grave”, em referência ao parâmetro recomendado pelo STF nas ações diretas recentemente julgadas em plenário. Em última análise, o caso seria um erro jornalístico. Mas a intolerância ao erro tem, como consequência, inviabilizado a actividade do jornalista, que quase sempre dispõe de apenas algumas horas para terminar uma determinada matéria.
É por isso que, além de aprimorar a tese da repercussão geral, o STF deveria corrigir, no julgamento dos embargos, uma condenação injusta, cujos valores, especialmente quando corrigidos, poderiam comprometer a saúde financeira da imprensa veículo.
*Carlos Mário Velloso Filho é advogado, ex-ministro do TSE, procurador do DF, sócio da Velloso Advocacia
*João Carlos B. Velloso é advogado, sócio da Velloso Advocacia
FRASES
“O Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu a tese de que a responsabilidade civil dos órgãos de imprensa ‘só será apurada em caso inequívoco de dolo ou negligência grave (evidente negligência profissional na apuração dos fatos)’”
“Em primeiro lugar, a distinção entre facto e opinião parece clara no artigo publicado pelo Diário. Na abertura da entrevista (o sutiã, no jargão jornalístico), o jornal esclarece que o entrevistado era uma personalidade polêmica ligada ao regime militar, um verdadeiro “inimigo” do comunismo”.
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