Por Clayton Germano* — JRR Tolkien, filólogo e escritor britânico, é amplamente reconhecido como um dos maiores autores de fantasia do século XX. Em sua obra-prima O Senhor dos Anéis, Tolkien narra a saga de Frodo Bolseiro e seus companheiros para destruir O Anel, artefato criado pelo Senhor das Trevas, Sauron, para controlar todos os outros anéis de poder e subjugar os povos da Terra Média. A narrativa não só explora a luta entre o bem e o mal, mas também reflete sobre a corrupção do poder e suas consequências.
Análogo ao poder do Um Anel, as redes sociais, controladas por grandes corporações tecnológicas conhecidas como big techs, têm um alcance sem precedentes na formação do comportamento humano. Essas plataformas, como Facebook, Instagram, Twitter, TikTok, YouTube, WhatsApp, LinkedIn, Snapchat e Reddit, utilizam algoritmos sofisticados e inteligência artificial para coletar dados dos usuários. Utilizando esses dados, eles conseguem prever e influenciar decisões e comportamentos, muitas vezes sem o conhecimento consciente dos indivíduos, como se “controlassem” suas mentes. Tal como o Um Anel atraiu reis humanos, prometendo poder, as redes sociais oferecem benefícios aparentes, mas escondem os custos do controlo e da manipulação.
De certa forma, as redes sociais e os smartphones a elas conectados tornaram-se versões modernizadas e mais eficientes do One Ring. Enquanto Sauron pretendia controlar nove reis humanos através dos seus anéis, as redes sociais aprisionam milhares de milhões de pessoas em todo o mundo. Os smartphones, que carregamos constantemente, são os “anéis modernos” que nos conectam a um fluxo incessante de notificações, algoritmos e estímulos que moldam o nosso comportamento. Ao contrário do Um Anel físico, o controle é invisível e onipresente, infiltrando-se em nossa rotina de forma quase inevitável, tornando-nos dependentes de seu poder.
Infelizmente, a utilização das redes sociais foi distorcida, tornando-se um terreno fértil para a disseminação de notícias falsas, discursos de ódio e ideologias antidemocráticas. Exemplos emblemáticos são o ataque ao Capitólio dos Estados Unidos, em 6 de janeiro de 2021, e a invasão da sede dos Três Poderes no Brasil, em 8 de janeiro de 2023. Em ambos os casos, as redes sociais tiveram papel central na organização e propagação de falsas narrativas que alimentaram o caos e a violência. Estas plataformas têm sido utilizadas para desestabilizar as instituições democráticas, provando que o seu poder, se mal regulamentado, pode ser devastador.
A comunicação é um dos pilares do desenvolvimento humano. Segundo Jürgen Habermas, na sua teoria da razão comunicativa, o diálogo genuíno requer três pressupostos básicos: verdade (os participantes procuram a verdade nos factos), legitimidade (o diálogo respeita normas e direitos) e sinceridade (as intenções dos interlocutores são transparentes). No entanto, as redes sociais muitas vezes não conseguem observar estes pressupostos. Os algoritmos priorizam o envolvimento em detrimento da verdade; conteúdos polarizadores e sensacionalistas ganham destaque; e a opacidade das grandes tecnologias impede a transparência necessária para um debate público saudável.
Tal como o Um Anel corrompeu e manipulou os seus portadores, as redes sociais estão a ser utilizadas para manipular corpos e mentes, de acordo com interesses políticos e económicos que comprometem o Estado Democrático de Direito e as suas instituições. Redes que poderiam ser instrumentos de conexão e diálogo serviram para dividir, manipular e desinformar.
Portanto, é imperativo que as redes sociais estejam sujeitas a maior transparência, regulação e desconcentração de poder. Só com medidas que garantam a responsabilidade e o respeito pelos direitos fundamentais será possível evitar que as big tech continuem a manipular a vontade popular.
A quem interessa manter redes sociais sem transparência e regulamentação? A ausência de regras claras apenas favorece aqueles que beneficiam da manipulação e concentração de poder, colocando em risco sociedades inteiras.
Em última análise, um famoso dono de rede social poderia ser comparado a Sauron. Assim como o personagem pretendia controlar todos os homens com o poder do Um Anel, este indivíduo busca consolidar sua influência global através do domínio da informação e da comunicação. Esta centralização do poder, tanto na ficção como na realidade, é um lembrete dos perigos de concentrar grandes potências sem supervisão e regulamentação adequadas.
*Procurador de Justiça do Distrito Federal e Territórios
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