Por Carolina Ranzolin Nerbass*, Liz Rezende de Andrade* e Luciano Almeida Lima* — Presentes em todos os estados do Brasil, especialmente nos grandes centros, as favelas representam um desafio para o desenvolvimento urbano e a inclusão social. Segundo dados do Censo Demográfico 2022, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país possui cerca de 11,4 mil favelas, onde vivem aproximadamente 16 milhões de pessoas (8% da população), num total de 6,6 milhões de habitantes. famílias.
Apesar das dificuldades enfrentadas pelos seus moradores, estas comunidades demonstram grande capacidade organizacional e resiliência, construindo as suas próprias casas e desenvolvendo os seus próprios serviços. Neste contexto, a regularização fundiária surge como um instrumento fundamental para garantir direitos sociais básicos à população que ali vive e para promover a transformação urbana, gerando um importante impacto positivo no campo socioeconómico.
Foi pensando nesta parcela mais vulnerável da população brasileira que o Corregedor Nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, editou o Provimento nº 158, de 5 de dezembro de 2023, com o objetivo de estabelecer, no âmbito do Poder Judiciário, o Programa de Regularização Permanente da Propriedade Fundiária Plena de Núcleos Urbanos Informais e Favelas – “Solo Seguro Favela”.
Com validade e eficácia nacional, o Solo Seguro Favela visa promover ações sociais, urbanísticas, jurídicas e ambientais relacionadas à Regularização Fundiária Urbana (Reurb), incorporando núcleos informais ao planejamento territorial urbano e titulando seus ocupantes com seus respectivos registros imobiliários, com base em na Lei nº 13.465/2017.
O programa foi lançado em cerimônia no Complexo do Alemão, na cidade do Rio de Janeiro, no dia 8 de dezembro de 2023, data em que é comemorado o Dia da Justiça. Na ocasião, foram entregues 80 títulos de propriedade, em ação que contou com a participação de órgãos municipais e estaduais, Poder Judiciário e cartórios de registro de imóveis.
A ideia do programa surgiu da experiência bem-sucedida obtida no âmbito do Programa Permanente de Regularização Fundiária na área territorial dos nove estados que compõem a Amazônia Legal, instituído pelo Provimento nº 144, de 24 de abril de 2023, e que, em sua primeira semana de mobilização, ocorrida entre 28 de agosto e 1º de setembro de 2023, promoveu a entrega de mais de 31 mil títulos de propriedade registrados nos estados do Acre, Amazonas, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia , Roraima e Tocantins.
A importância da Regularização Fundiária
Segundo o estudo intitulado “Síntese de Indicadores Sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira — 2023”, publicado pelo IBGE, que trata, entre outros temas, das condições de moradia, em 2022, 13,6% não tinham documentação de brasileiros que viviam em suas próprias casas.
Além dos já conhecidos problemas que a informalidade da ocupação territorial traz, como insegurança jurídica, falta de acesso ao crédito e aos serviços públicos, o contexto dos centros urbanos informais apresenta uma peculiaridade que merece a devida atenção: devido ao processo de formação, o As comunidades são marcadas pela falta de infraestrutura urbana, o que compromete a qualidade de vida dos seus moradores.
A regularização fundiária urbana, portanto, vai além da simples legalização da propriedade. Seu principal objetivo é integrar a área regularizada ao espaço urbano de forma social, econômica e ambientalmente sustentável. Isto significa garantir aos residentes o acesso a infra-estruturas e a bens e serviços públicos e privados, como água, electricidade, transportes, educação e saúde, assegurando o direito fundamental a uma habitação digna e de qualidade para todos.
Os atores do processo
Para que a regularização fundiária se concretize, é essencial a atuação conjunta dos diversos atores. Os governos desempenham um papel crucial, pois a Lei nº 13.465/2017 atribuiu ao Poder Executivo, especialmente ao poder municipal, a responsabilidade de coordenar e supervisionar o processo de regularização.
Órgãos e instituições governamentais, como departamentos de habitação, institutos fundiários e órgãos de proteção ambiental, têm a função de identificar, demarcar e analisar a documentação predial, emitindo títulos de propriedade.
Os cartórios de registro de imóveis são atores essenciais na regularização fundiária. Eles são responsáveis por conferir a documentação apresentada e registrar o título em nome do novo proprietário. Ao realizar estas tarefas de forma eficiente e precisa, os notários garantem a validade e a proteção dos direitos de propriedade.
O Poder Judiciário, no exercício de fiscalização dos registros públicos, por meio da Inspetoria Nacional de Justiça, órgão central que rege a atividade notarial e registral, também tem dado importante contribuição para viabilizar a regularização fundiária, estabelecendo e mantendo diálogo permanente com a administração pública e com a sociedade combater a informalidade e a grilagem de terras, além de promover a atuação das corregedorias estaduais como grandes catalisadores de acionamento dos atores envolvidos no processo de regularização.
O procedimento envolve ainda uma série de profissionais, como advogados, engenheiros agrimensores, arquitetos e assistentes sociais, que prestam orientação técnica, jurídica e social aos beneficiários do processo de regularização. O seu conhecimento e experiência ajudam a garantir que o processo decorra de forma justa, eficiente e respeite os direitos das partes envolvidas.
Por fim, estão os beneficiários da regularização fundiária, sejam eles proprietários de pequenas áreas urbanas, agricultores familiares ou membros de comunidades tradicionais. Ao receberem o título de propriedade devidamente registrado, tornam-se agentes de mudança em suas comunidades.
Desta forma, os atores da regularização fundiária desempenham papéis complementares e essenciais para o desenvolvimento nacional. Cada um contribui para esta extensa e complexa cadeia de procedimentos necessários para viabilizar a execução desta importante política pública.
Semana Nacional de Mobilização
Para coroar todo esse trabalho conjunto que vem sendo realizado, de 3 a 7 de junho de 2024, está acontecendo em diversas favelas do Brasil uma semana de conscientização sobre a importância da Reurb, além de mobilizar esforços para promover a entrega de títulos imóveis registrados para a população que neles vive.
Na abertura da semana, que aconteceu na cidade de São Paulo, na última segunda-feira, 3 de junho, no bairro Heliópolis, foram entregues 35 títulos de propriedade a moradores daquela comunidade. Durante a semana de mobilização nacional pelo Solo Seguro Favela, a expectativa é que mais de 17 mil títulos de propriedade cadastrados sejam entregues em todo o país.
Com essas ações, esperamos investir no futuro do Brasil, na construção de um país mais justo e fraterno, contribuindo para a inclusão social, a segurança jurídica, o planejamento territorial, o desenvolvimento socioeconômico e a preservação ambiental, em benefício não apenas das comunidades atendidas , mas de toda a sociedade brasileira.
“A regularização fundiária surge como um instrumento fundamental para garantir direitos sociais básicos à população ali residente e para promover a transformação urbana, gerando um importante impacto positivo no campo socioeconômico”.
*Carolina Ranzolin Nerbass é juíza assistente da Inspetoria Nacional de Justiça.
*Liz Rezende de Andrade é juíza auxiliar da Inspetoria Nacional de Justiça.
*Luciano Almeida Lima é membro do Departamento Nacional de Justiça.
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