A condenação do republicano Donald Trump por 34 acusações de fraude contábil chamou a atenção dos brasileiros não apenas pela sua importância no cenário mundial. Também pelas semelhanças e diferenças entre os processos criminais e eleitorais nos Estados Unidos e no Brasil. Em entrevista à seção Direito&Justiça, o procurador da Fazenda Nacional João Carlos Souto, autor do livro Suprema Corte dos Estados Unidos — Principais Decisões (4ª ed/2021, Editora Atlas)explica o impacto da condenação histórica do ex-presidente por ocultar um pagamento de US$ 130 mil para comprar o silêncio da atriz pornô Stormy Daniels nas eleições de 2016, quando foi eleito presidente, derrotando a candidata do Partido Democrata, Hillary Clinton.
Professor de direito constitucional e mestre e doutor em direito, João Carlos Souto explica que o sistema penal nos Estados Unidos é mais rigoroso, com penas maiores, e maior tempo para o condenado conseguir algum benefício, como a progressão. Por outro lado, o Judiciário tende a interferir o menos possível nas eleições. Lá não existe uma Lei da Ficha Limpa, que retire do jogo políticos envolvidos em crimes, e as condenações têm pouco efeito nas candidaturas. Portanto, mesmo condenado, Trump continua candidato à sucessão do presidente Joe Biden e é considerado o favorito.
Donald Trump é o primeiro ex-presidente dos Estados Unidos a ser condenado por um crime. Mesmo assim, continua pré-candidato a Presidente. Como funciona o processo de inelegibilidade nos Estados Unidos?
Os Estados Unidos atribuem enorme importância à soberania popular, ao voto. Tanto que é comum nas eleições a cada dois anos a realização de consultas populares, algo que não temos aqui no Brasil, para tratar de questões como, por exemplo, permitir brigas de galo ou uso de maconha. Há o entendimento de que o Judiciário deve interferir o mínimo possível nas eleições. Note-se que o caso Bush v. Gore que decidiu a eleição do sucessor de (Bill) Clinton, que acabou por ser George W. Bush, foi decidido pelo Supremo Tribunal, mas foi uma raridade. Nunca antes o Supremo Tribunal interveio para decidir uma eleição presidencial. Nos Estados Unidos, não existe uma Lei de Registro Limpo. O juiz não é quem decide. Não é o Judiciário. O povo decide se alguém deve ou não ser candidato.
Trump foi condenado por 34 acusações. Por que a prisão não foi ordenada?
Porque o crime a que foi condenado não é um crime grave. É uma questão de crime eleitoral. Ele terá 78 anos e nunca foi condenado por nenhum outro tipo de crime antes. Então, se você combinar essas três situações, ele é réu primário.
O que acontecerá se Trump, considerado o favorito nas eleições norte-americanas deste ano, for eleito? Ele está cumprindo a pena que será imposta pelo juiz como presidente?
Se for eleito, será uma situação bizarra, mas poderá sim ocupar a Presidência da República. Como eu disse, a chance dele ser preso é mínima. Não é impossível, mas é muito difícil, na verdade, Nova York é um estado liberal junto com a Califórnia, junto com Vermont. Este tipo de crime não é comum ser punido com pena de prisão. No máximo, prisão domiciliar, algo assim, ou pagar multa.
Ele poderá votar nas eleições?
A lei da Flórida proíbe um condenado de votar e ele não poderia votar a menos que fosse revertido em segunda instância. Ele também não pode usar uma arma.
Se eleito, você poderia conceder-se perdão?
Os perdões nos Estados Unidos são muito amplos. Mas ele não poderia conceder-se perdão, porque se trata de uma condenação estadual e não federal, na verdade, esta é uma constatação factual que derruba suas falsas alegações de que (Joe) Biden o estava perseguindo. Como Biden irá prosseguir se esta ação foi proposta pelo Ministério Público do Estado de Nova Iorque e julgada pelo tribunal estadual? Portanto Biden não tem interferência nesse processo. Portanto, Trump não poderia conceder-se perdão a menos que fosse um crime federal, ainda assim seria controverso.
Segundo membros da campanha de Trump, a candidatura do republicano recebeu um impulso substancial na arrecadação de fundos após sua condenação. Na sua opinião, os eleitores de Trump não se importam com as acusações de fraude, não respeitam o veredicto?
O eleitorado não está prestando muita atenção. Basta lembrar que em 2016 ele foi acusado naquele caso chamado Access Hollywood, quando foi divulgada uma gravação em que ele dizia que se sentia muito atraído por mulheres e, por ser uma celebridade, normalmente conseguia se aproximar das mulheres agarrando seus órgãos genitais. Em nenhum momento ele contestou isso. Ele disse que poderia atirar na cabeça de alguém na 5ª Avenida e nada aconteceria. Como a situação nos Estados Unidos é extremamente polarizada, ele é o candidato da direita e da extrema direita. Então é isso que você tem. E o Partido Republicano, que já foi chamado de partido da lei e da ordem, tem sido dominado por ele e não dá muita importância a este tipo de comportamento.
Trump foi condenado por um júri. Na sua avaliação, até que ponto a influência política impactou este resultado?
Muito pouco ou quase nada. Há 12 membros do júri escolhidos pelos advogados de Trump e pelo Ministério Público de Nova York. Então, acho que a influência política é mínima. Existem 12 cidadãos de Nova York. Houve 34 acusações e ele foi condenado por unanimidade em todas elas. Na verdade, tem que haver unanimidade. Se não tivesse sido unânime, ele não teria sido condenado por todas as 34 acusações.
Qual a principal diferença entre os processos criminais brasileiros e americanos?
Esta é uma questão um pouco complexa. Uma das diferenças básicas é que aqui só temos júris em casos de crimes contra a vida. Nos Estados Unidos, há júri para praticamente tudo, inclusive um júri civil se as partes assim o desejarem, por incrível que pareça. Existem sete membros aqui. São 12. No processo penal nos Estados Unidos, as penas tendem a ser mais duras, mais amplas e com possibilidade de libertação mais retardada, maior prazo para cumprimento da pena do que no Brasil e alguns crimes nos Estados Unidos são não sujeito a progressão de sentença. É o que se chama sem liberdade condicional, sem possibilidade de sursis, suspensão condicional da pena.
Você acredita que se Trump for eleito presidente ele poderá de alguma forma ajudar Bolsonaro que é inelegível e pode até ser preso?
São de correntes políticas idênticas. É possível que haja ajuda, mas dizer que será decisiva não acredito. E ele tem muito com que se preocupar com o Médio Oriente, com Israel, com a Ucrânia, com a presença russa em África. Os Estados Unidos têm muito com que se preocupar na fronteira com o México. Não creio que tenha tempo para me preocupar com as eleições no Brasil.
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