Por Souza Prudente* — A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece que o voto é obrigatório para maiores de 18 anos e facultativo para os analfabetos, maiores de 70 anos e maiores de 16 anos e menores de 18 anos (artigo 14 , §10, incisos I e II, alíneas a, b e c).
O mesmo texto maior determina ainda que “é vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão somente ocorrerá nos casos de: I – anulação da naturalização por sentença transitada em julgado; II – incapacidade civil absoluta; III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem os seus efeitos IV – recusa de cumprimento de obrigação imposta a todos ou prestação alternativa, nos termos do artigo 5º, respectivos incisos I a V).
A Carta Magna também nos convoca a construir uma sociedade solidária, justa e livre, repudiando todo tipo de discriminação para o desenvolvimento sustentável, visando o bem-estar de todos, como fundamento da República Federativa do Brasil (CF, art. 30, incisos I, II e IV).
A cidadania activa e passiva de que falava Pimenta Bueno no século XIX e que foi proclamada na Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas em 1948, com a determinação de que “todo homem tem o direito de participar no governo do seu país, directamente ou através de representantes livremente escolhidos” (art. 21), já adquiriu uma nova dimensão no terceiro milénio.
Com razão, como afirma Carmem Lúcia Antunes Rocha, quando afirma “que hoje a cidadania não se afirma apenas na cidade, ou seja, o cidadão não é mais considerado nessa condição apenas pela sua condição de membro de uma determinada sociedade política”. .
Os direitos – especialmente os direitos individuais e sociais fundamentais e os chamados direitos difusos – ultrapassaram as fronteiras territoriais do Estado. (…) As barreiras, inclusive materiais, que o Estado burguês se preocupou em construir no início da era moderna estão quebradas.
A soberania ainda é, em grande medida, o poder de um povo dentro de um Estado. Mas a cidadania é maior que o Estado; Os direitos das pessoas são do interesse de todas as pessoas em todos os Estados. Os direitos fundamentais despojaram a fraternidade do uniforme normativo que o Estado Moderno se preocupou em esculpir. Eles trouxeram isso para a experiência diária de cada cidadão, obrigar-se pelos seus semelhantes em outra parte do planeta, rebelar-se contra os maus governos de todos os Estados que os têm assim, rebelar-se contra todas as formas de corrupção que prejudicam homens.”
Neste nosso país continental e em vários países deste planeta, milhares de pessoas que se encontram internadas em pleno uso das suas faculdades mentais (com excepção das que se encontram em coma, incomunicáveis) e que estão plenamente habilitadas para o exercício obrigatório ou voto facultativo, por meio de atestado dos médicos que os atendem nessas inúmeras unidades hospitalares no Brasil e no exterior, para uma eleição plena e democrática.
Não se deve esquecer que a dignidade da pessoa humana e a cidadania são pilares fundamentais da República Federativa do Brasil e do nosso Estado Democrático de Direito (CF, art. 10, incisos I e II) e que as milhares de pessoas que permanecem internadas durante períodos eleitorais e que sejam absolutamente capazes, no pleno gozo de seus direitos civis e políticos e que não se enquadrem em nenhuma das hipóteses de perda ou suspensão desses direitos políticos, nos termos da Carta Política Federal, podem e devem exercer seus direito ao voto, mediante autorização médica, devendo a Justiça Eleitoral adotar as medidas necessárias à arrecadação desses votos no Brasil e no exterior, onde houver brasileiro, nas condições aqui estabelecidas, preservando sempre o sigilo das urnas.
É preciso observar que tal procedimento é imposto por determinação expressa do comando constitucional acima delineado, dispensando qualquer resolução nesse sentido do renomado Tribunal Superior Eleitoral, bem como dos Tribunais Regionais Eleitorais do Brasil.
Garantir o direito e o dever de votar, neste contexto excepcional, é um dever constitucional de todos que lutam pela afirmação do Estado Democrático de Direito no Brasil.
Nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil, o direito e o dever de votar manifesta-se como um ato público de soberania popular no cenário democrático do Estado de Direito.
*Souza é juiz federal aposentado, formado em Direito pelas Arcadas do Largo São Francisco (USP) — Mestre e Doutor em Direito Ambiental pela UFPE — Pós-doutorado em Direitos Humanos pelas Universidades de Salamanca (Espanha) e Pisa (Itália)
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