Por João Eduardo Diamantino e Beatriz Palhas Naranjo* — Instituída pelo artigo 8º da Reforma Tributária, a Cesta Básica Nacional foi criada sob a premissa de respeitar a “diversidade regional e cultural da alimentação do país e garantir uma alimentação saudável e nutricionalmente adequada”. Contudo, o Projeto de Lei Complementar 68/2024, que regulamenta o IBS e o CBS, indica que o governo parece ter uma interpretação muito particular do que significa alimentação saudável.
Num país onde obesidade, diabetes e hipertensão lideram a lista de doenças mais comuns, o Executivo incluiu o açúcar como um dos alimentos que serão beneficiados pela alíquota zero do IBS e CBS, substitutos do PIS/Cofins, IPI, ICMS e ISS.
Isso não é novidade: os refrigerantes, que terão acréscimo, já contavam com vantagem tributária de 240% em relação ao suco integral na tributação do PIS/Cofins. O problema é que, em contraste com o benefício total dado ao açúcar, a proteína animal terá uma incidência de SII e CBS, mesmo que reduzida em 60%.
Tentar compreender a lógica da escolha do governo torna-se mais complexo quando tomamos o exemplo dos ovos: embora não faça parte da cesta básica nacional prevista no projeto, a alíquota aplicável será zero. Hoje, a carne compõe a cesta básica, o que garante isenção de PIS/Cofins e tratamento diferenciado na cobrança do ICMS.
Com a recente proposta regulatória, a proteína animal sai da cesta básica, mas o açúcar permanece. Parece confuso e não faz sentido e é tudo isso ao mesmo tempo. Vale lembrar que o imposto vai muito além da sua função fiscal (arrecadação). Assim, há também um problema de técnica — e aqui precisamos falar de parafiscalidade e extrafiscalidade. A parafiscalidade permite que recursos provenientes da arrecadação tributária sejam destinados a entidades ou atividades de interesse público, mas não gerenciados pelo governo — como pedágios ou taxas para associações profissionais.
Já a extrafiscalidade serve para estimular ou desencorajar comportamentos por meio da tributação, tornando-se um mecanismo de direcionamento do ambiente social ou econômico — um exemplo são os altos impostos sobre os cigarros. Este aspecto foi deixado de lado.
Ao zerar a alíquota, a previsão de consumo tende a aumentar, afinal, trata-se de um incentivo, contrariando a própria política de rotulagem de alimentos, que alerta os consumidores sobre o alto teor de açúcar na composição — e o Brasil é o quarto maior mercado consumidor global deste produto. tipo de produto. Num cenário em que as proteínas animais não pudessem ser tributadas, seria um exagero esperar que o governo utilizasse a sua função extra-fiscal para incentivar a alimentação saudável e democratizar o acesso aos alimentos?
Após o descumprimento da extrafiscalidade, ainda há a questão nutricional. Uma refeição deve ser dividida em três grandes grupos: carboidratos, gorduras e proteínas. Os dois primeiros estão presentes na grande maioria dos 15 alimentos isentos do projeto. Mas a proteína animal é a base de uma alimentação saudável e faz parte da tradição culinária brasileira. Só falta entrar na cesta básica.
Olhando para toda a cadeia produtiva, a legislação vigente também oferece tratamentos diferenciados para as empresas do agronegócio. A título de exemplo, parte dos insumos utilizados nas atividades agrícolas também são isentos de tributação. Como consequência, os alimentos (inclusive as carnes) acabam hoje tendo um valor menor devido à redução dos custos tributários.
Mas o PLP 68/2024 também propõe a tributação desses insumos e, mesmo que a tributação do CBS e do IBS seja reduzida em 60% para as carnes, a incidência do imposto na cadeia produtiva se refletirá no preço dos alimentos.
As opções do governo deixam claro que há preferência pelo consumo de itens não essenciais em detrimento de alimentos nutricionalmente mais adequados para uma alimentação saudável. A proteína animal foi uma das estrelas da propaganda eleitoral. Mas quem esperava picanha deveria receber açúcar.
*João e Beatriz são tributaristas e sócios da Diamantino Advogados Associados
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