Por Lindemberg Reis* e Guilherme Dantas* — Vamos imaginar. Você está prestes a ligar um aparelho elétrico e ao conectar o equipamento na tomada aparece vapor, mas não é calor ou curto-circuito, mas sim, por trás da cortina de fumaça, aparece o gênio da lâmpada. Surpreso, ele logo o acalma e diz: “Sou o gênio do mundo da eletricidade, meu nome é Electron, e a partir de agora você tem três pedidos, que irei atender, mas todos têm que ser voltados para o Setor elétrico brasileiro. Pense e me pergunte.”
Encorajado, você rapidamente reflete e faz três desejos ao seu novo amigo (i) quero pagar menos pela luz; (ii) quero contribuir para a transição energética e, portanto, quero energia elétrica renovável; e (iii) por fim, quero gerar minha própria energia, ser sustentável, como algumas pessoas dizem hoje em dia. Veja, o setor elétrico brasileiro tem se destacado pelo paradoxo da energia barata – em grande parte renovável – e das tarifas finais caras.
Este fenómeno é provocado não só pela elevada carga fiscal no país, mas também pela presença de subsídios das mais variadas naturezas, que acabam por aumentar o preço pago pelos consumidores.
Notavelmente, uma parte significativa destes aumentos deriva do crescimento dos volumes de subsídios. Para efeito de dimensionamento, os consumidores finais terão que pagar mais de R$ 60 bilhões em subsídios em 2024, o que significa que, para cada R$ 100 gastos em energia elétrica, cerca de R$ 16 são usados para financiar subsídios. Contudo, compreender estes aumentos também requer uma compreensão da engenharia económica das concessionárias de distribuição de energia.
Primeiramente, é necessário destacar que as distribuidoras ficam com uma fração de aproximadamente 25% da receita arrecadada dos consumidores de energia elétrica. Em relação aos custos operacionais, observa-se que a regulação de incentivos promovida pela Aneel vem se mostrando bem-sucedida e esses custos apresentam tendência decrescente. Entre 2013 e 2022, esses custos médios por unidade consumidora tiveram uma redução média de 27% nas distribuidoras. O estímulo à eficiência fez com que a fronteira produtiva fosse modificada, para melhor, fazendo mais com menos recursos.
Por outro lado, a análise da necessidade de investimentos aponta para uma tendência crescente. Estão projetados investimentos da ordem de R$ 18 bilhões anuais para os próximos três anos. Portanto, é necessário compreender a lógica da decisão de realizar investimentos para melhor compreender esta tendência. Historicamente, uma distribuidora fazia investimentos para atender ao aumento do seu mercado, substituir equipamentos — renovar seus ativos — ou melhorar o desempenho operacional, com impactos diretos nos níveis de serviço e qualidade comercial.
No âmbito dos investimentos na expansão do sistema, nota-se que o mercado vem apresentando relativa estagnação. O mercado vem crescendo desde 2018 a uma taxa inferior a 2,5% ao ano, portanto, já são cinco anos sem crescimento perceptível. Observa-se, portanto, que não há elemento que permita identificar necessidades de investimentos superiores à média histórica, e esse diagnóstico se estende aos investimentos em reposição de equipamentos, afinal, a parcela de reintegração de ativos é razoavelmente constante entre os ciclos tarifários.
Em termos de investimentos em melhoria/qualidade, há que destacar a redução média de 42,5% na duração das interrupções no fornecimento de energia elétrica entre os anos de 2014 e 2023. Portanto, este é, indiscutivelmente, um driver relevante para a tomada de decisões de investimento nas empresas. Porém, será que esses investimentos, isoladamente, poderiam ser identificados como responsáveis pelo atual aumento no volume de CAPEX?
Associada à discussão sobre qualidade está a necessidade de dotar as redes de distribuição de maior resiliência devido ao aumento da frequência de eventos climáticos severos. Notavelmente, este é um assunto de extrema relevância. Contudo, dada a sua natureza incipiente, ainda não afectou os volumes de investimento dos distribuidores. Em grande medida, é possível afirmar que o aumento dos volumes de investimento na atividade de distribuição está associado às mudanças em curso nas configurações das redes de distribuição.
Para além dos investimentos na modernização e digitalização, a descentralização das redes elétricas imposta pela disseminação dos sistemas de microgeração e de minigeração distribuída não pode ser negligenciada como um potencial motor de investimento. O caso da Cemig é emblemático. Historicamente, a concessionária mineira construiu aproximadamente 20 subestações por ciclo tarifário de cinco anos. No ciclo atual serão construídas 127 subestações. Enquanto no ciclo passado foram investidos R$ 11 bilhões de reais, o ciclo atual terá investimentos da ordem de R$ 23 bilhões. Não se trata de ser a favor ou contra a descentralização dos sistemas eléctricos.
A questão central é deixar claro que existem custos enormes relacionados com a conciliação desta transformação da rede com a manutenção dos padrões de qualidade e fiabilidade das redes de distribuição. Informar a sociedade civil sobre esses custos com clareza e transparência é um dever do setor elétrico brasileiro. Neste momento, após esta reflexão, você volta sua atenção para o gênio. Aí ele pergunta: “Então, você pode atender aos meus pedidos?” Porém, para sua surpresa, ele desaparece. Desaparece! Ele não lhe dá nenhuma explicação. Esse, meus amigos, é o dilema do setor elétrico atual – cheio de subsídios, energias renováveis abundantes, muitas delas descentralizadas, sem possibilidade de despacho e tarifas altas -, não creio que nem o gênio de uma lâmpada possa resolvê-lo !
*Lindemberg Reis é gerente de planejamento e inteligência de mercado da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee)
*Guilherme Dantas é Sócio Diretor da Essenz Soluções e Pesquisador Sênior do CEBRI
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