Após a turnê oficial de despedida do Sepultura passar por Brasília em março, os fãs da banda têm mais uma chance de curtir a música dos metaleiros que mostraram o Brasil para o mundo nos últimos 40 anos. O Sepultura é a atração principal desta noite na Capital Moto Week. Os roqueiros cômicos Massacration abrem o palco principal do evento.
A banda vem, mais uma vez, com Derrick Green, Andreas Kisser, Paulo Jr. e o já conhecido Greyson Nekrutman, jovem que assumiu as baquetas no início da turnê, após a saída repentina de Eloy Casagrande para o Slipknot. Eles prometem um show diferente, mas com o mesmo conteúdo emocional da apresentação solo que fizeram no início do ano.
Por fazer parte da turnê de despedida, é uma oportunidade de ver um dos últimos shows da banda. Porém, o Sepultura ainda vai rodar por muito tempo antes de terminar os trabalhos. Segundo o guitarrista Andreas Kisser, o grupo tem shows agendados até 2026 e não tem data de término definitiva. Portanto, o melhor é aproveitar enquanto dura, pois a única certeza é que o Sepultura encerrará suas atividades em breve.
Para o CorrespondênciaAndreas comentou sobre a despedida, a recepção com os fãs, a adaptação do novo baterista e a relação com Brasília antes de tocar em um dos maiores festivais da cidade.
Entrevista | Andreas Kisser, guitarrista do Sepultura
Como foi a recepção do seu primeiro show, em março, em Brasília, e qual a importância de retornar à capital do rock?
O show foi maravilhoso. Foi o maior show que fizemos em Brasília na nossa história. Foi realmente emocionante. Desde março tem sido maravilhoso fazer apresentações completas, com toda a história da banda. O repertório tem quase duas horas de duração. Estamos passando por diversas fases e nos divertindo muito. O show em Brasília foi mágico, pela localização e toda a agitação do público. Agora, esta oportunidade de voltar a um festival foi excelente. Vamos fazer shows até 2026, e queremos maximizar as nossas possibilidades, fazer o máximo possível, inclusive em lugares onde nunca estivemos. Países como a Islândia, estados como o Alasca. Felizmente, são poucos os lugares onde não estivemos, já estivemos em quase 80 países. O que quer que vejamos como oportunidade, vamos tentar fazer, só porque já estivemos em Brasília não significa que vamos dizer não a um festival bacana. Estamos tocando algumas músicas diferentes daquelas que tocamos no primeiro set. E vamos aproveitar, vamos comemorar. Para quem não teve a oportunidade de ir na primeira vez, ou para quem quer ver novamente. Será uma ótima oportunidade de retornar a Brasília.
Dá para acreditar que Greyson Nekrutman está em casa tocando bateria na banda depois de todos os últimos shows que fizeram? Como está a química da banda?
Isto é inevitável. Só o tempo, só a fase que vai dar essa química. Temos jogado cada vez melhor. Ele também trouxe músicas, ficou nos Estados Unidos, ensaiou músicas novas para a nova rodada de apresentações. O crescimento é visível. Ele tem 22 anos e um talento absurdo. Ele é um cara muito interessado, não é complacente e quer te conhecer. Por exemplo, hoje ele está em Belém, ficou lá depois do show. Ele vai fazer outra oficina, mas foi conhecendo a culinária local, tomando banho de rio e ouvindo pela primeira vez ritmos brasileiros. Acho que tudo isso enriquece a forma como ele vê a música do Sepultura, que tem muito dessa influência brasileira. Muitas vezes não tão explícito, mas os ritmos brasileiros estão lá, de alguma forma. Também estamos aprendendo com ele e tem sido um processo fantástico. Os shows têm sido muito especiais e eu gosto muito desse momento.
A primeira apresentação da sua turnê de despedida em Brasília foi um show solo. Agora, num festival a energia é completamente diferente. Então, como é para você poder atuar com energias diferentes na mesma cidade?
Hoje estamos super acostumados com isso. Desde 1990 realizamos festivais, principalmente na Europa. Já tocámos em festivais alternativos, onde a única banda de metal era o Sepultura, em vários países da Europa, sul de Espanha. Enfim, na década de 1990, quando começamos a introduzir percussões, ritmos e melodias do Brasil, que ficaram mais groovy, muitas portas se abriram para o Sepultura tocar em mais festivais pop, inclusive. Tocamos em festivais junto com Peter Gabriel, com Sting, com Alanis Morissette, por exemplo. Nesses eventos tocávamos no mesmo palco, no mesmo dia que os artistas pop, mas representando a música mais pesada de uma forma mais exótica. Com novos elementos para thrash metal, heavy metal e tudo mais. Ainda é assim hoje. Já tocamos em um festival no norte da Noruega que era só o Sepultura de metal. Iremos para a Coreia e tocaremos com Jack White e outras bandas coreanas locais, e estaremos lá representando o metal. Na Índia e na China também tocamos em festivais com outras bandas. Acho fantástico você tocar para um público que está ali para ver outra coisa e que se surpreende de forma positiva, de alguma forma, com o Sepultura. Para nós também é uma ótima escola para tocar para um público que não é popular. O fã que está ali conhece todas as músicas, as letras, e tudo realmente traz uma ótima experiência. Porém é sempre legal porque acabamos atraindo gente nova sem precisar mudar o repertório porque o público será A, B ou Z. É sempre bom ser você mesmo. Fazemos nosso show em que temos músicas trash, mais músicas de death metal, temos músicas acústicas com violão, temos músicas de percussão, faixas instrumentais, músicas mais melódicas, com orquestra. Há muita coisa acontecendo durante o show que representa muito bem esses 40 anos de história. Somos gratos por essa cultura que sempre abriu essas portas para levar o metal para outras áreas e não apenas tocar em festivais específicos de metal.
Qual é a sensação quando cada caminhada no palco parece uma contagem regressiva para o fim?
Eu não vejo dessa forma. Não vejo isso como uma contagem regressiva. Também não estou ansioso com o fim ou esperando o futuro. Estamos vivendo um momento. Ainda queremos criar diversas ideias e tocar em vários lugares. Não estamos contando, porque ainda não há data de término, nem nada muito definido. Estamos gravando um álbum ao vivo e iremos lançá-lo durante esse processo no qual incluiremos algumas músicas novas que estamos começando a trabalhar agora. De qualquer forma. Há muito a fazer. Não é porque estamos morrendo como banda que somos inúteis para a sociedade. Acho que grande parte do processo é o movimento que criei depois que minha esposa faleceu de câncer. Falo sobre cuidados paliativos e morte em geral com o movimento Mãetricia. Acho que é isso, é respeitar o final, respeitar a morte, respeitar o fechamento de uma porta gigantesca, mas ao mesmo tempo, outras 10 se abrem. Tenho pensado muito nisso, em encontrar outro Andreas, outra forma de ver a vida, de ser criativo, tudo através da morte e do encerramento de ciclos. Quando você vai ao cinema, assiste um filme e ele não acaba, não faz sentido. O fim é o significado de tudo. O final é onde você relembra a história, onde você tem a moral da história, onde você tem a conclusão de uma ideia. O fim é tudo, no final. E aqui no Brasil temos a tendência de evitá-la, de encontrar apenas tristeza, de pensar que a morte é um julgamento, que a morte é um castigo. Não é isso. A morte tem sido minha maior professora na vida. Por mais paradoxal que isso possa parecer e soar. Respeitar a finitude: esse é o processo que estamos fazendo com o Sepultura também. Esses 40 anos já são um álibi fantástico, é uma história muito rica, muito bonita. Temos esses últimos dois, três anos para realmente comemorar esse fim, deixar um disco ao vivo e trabalhar o momento. Veremos o futuro quando ele chegar.
O Sepultura nunca fez uma balada. Você declarou em uma entrevista recente que vocês estão pensando em fazer um. Na época foi uma brincadeira ou você pretendia mesmo fazer a balada do Sepultura?
Na verdade, isso é uma coisa antiga. Tudo começou como uma piada interna sobre fazer uma balada. Porque, dentro do heavy metal, existem tantas bandas legais, como Scorpions, Whitesnake e o próprio Metallica, que têm baladas grandes, lindas, com peso, com mensagem, com atitude. Sempre foi nosso desejo que, por uma razão ou outra, nunca conseguíssemos concretizar ou fazer o nosso. Agora acho que é uma oportunidade de nos despedirmos, de fazermos esse projeto que não fizemos antes. Acho que a morte também faz você querer ir lá e realizar seus sonhos e desejos. Vamos ver o que acontece, se conseguirmos. Vai ser interessante, será um grande desafio para nós, e isso é sempre muito motivador
Os fãs que você fez estão espalhados por todo o mundo. O que significa para você estar nos maiores palcos do planeta gritando: “Sepultura do Brasil”?
Representa as nossas limitações de ser brasileiro, limitações no sentido de não ter acesso a equipamentos, de não ter apoio cultural do governo, o pessoal do heavy metal teve que cavar água de pedra para gravar um álbum, não tínhamos produtor, os produtores tinha medo de distorção. Acho que dentro dessas limitações aprendemos a ser criativos, aprendemos a fazer coisas. Acredito que isso é uma qualidade, uma característica do brasileiro, do jeito brasileiro no melhor dos sentidos. Não no sentido de aproveitar ou tentar enganar ou ludibriar alguém. Mas na forma como você encontra soluções, seja criativo, trabalhe com elementos limitados e faça acontecer. Você vê que há muitos brasileiros competentes em todo o mundo. Trabalhar em grandes empresas globais ou na NASA, em locais de responsabilidade, inteligência, criatividade e mostrar novos caminhos. O Sepultura sempre se reinventa, até hoje escrevemos um novo Sepultura ou fazemos um novo Sepultura todos os dias. Procuramos novas informações e novas formas de fazer música pesada. Ser brasileiro é isso, é trabalhar com as adversidades e dentro dessas adversidades ser o mais criativo possível.
Você acha que esse fim do Sepultura é para sempre? Será o fim do Sepultura?
Para mim, isso é irrelevante. Você não precisa encontrar nada agora. A consequência do futuro é o que fazemos no presente, por isso estamos trabalhando nessa ideia de terminar com tranquilidade. Vamos até 2026 e, quer voltemos ou não, isso também é um aspecto do futuro. Cuidaremos disso, seja possível ou não, quando chegar. Não importa se você define para sempre, ou até certo momento, cinco, 10, 15 anos, seja qual for o tempo que você definir. Isso é completamente irrelevante. As possibilidades estão sempre abertas para mudanças de ideias, mudanças de conceitos. O negócio é ser livre. Estamos gostando muito dessa ideia, estamos gostando muito dessa despedida, os fãs ficam muito emocionados ao lembrar o quão importante o Sepultura é na vida de cada um de nós e na nossa própria vida. Como crescemos dentro dessa banda, conhecemos o mundo e aprendemos idiomas, se for para sempre, veremos quando o “para sempre” chegar, se não, faremos algo primeiro.
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