Das cerca de 3.500 crônicas que Ruy Castro escreveu para o jornal Folha de São Paulo ao longo de 16 anos, 120 falavam de Tom Jobim. Era natural que o compositor estivesse muito presente, afinal Castro escreveu três livros em que Jobim é um dos protagonistas. Mesmo assim, o escritor ficou surpreso. “Foi sem pensar. Eu mesmo fiquei com medo. Isso prova que o Tom não sai da nossa vida, ele está presente no nosso dia sem que a gente perceba”, diz. Junto com sua assistente Flávia Leite, Castro selecionou então alguns desses textos para compor o livro O Ouvidor do Brasil —99 vezes Tom Jobim, que acaba de chegar às livrarias.
Num processo de reedição, Ruy Castro fez alguns ajustes e revisões nas crônicas para que se adaptassem melhor ao formato do livro. “Um texto para um jornal é uma coisa, para um livro é outra. No jornal você precisa dar certas informações como onde, quando e por quê. Foi o que fiz: limpei essas informações e, no espaço, escrevi outras e tentei enriquecer o texto, mas mantive o tamanho original, em torno de 1900 caracteres”, explica Castro.
As crônicas falam de um Tom Jobim mais ambientalista e menos músico. É na perspectiva ecológica do compositor que Ruy Castro se centra. Em um dos textos, o autor conta como certo editor de jornal descartou entrevistas com o músico por considerá-lo monotemático: queria falar mais sobre natureza do que sobre música. Hoje, talvez todos procurassem os comentários de Jobim sobre a crise climática. É um tema contemporâneo que já era urgente na época do músico e acabou também traduzido nas suas canções. “As suas preocupações com o ambiente eram normalmente transferidas para a sua música, tal como a experiência da praia e do mar quando jovem resultou na bossa nova”, alerta Ruy Castro, que já tinha escrito sobre o compositor em Chega de saudade, The onda que surgiu do mar e Ela é carioca. Recentemente, o autor publicou também Os Perigos do Imperador — Romance do Segundo Reinado, ficção histórica em que imagina um plano para assassinar D. Pedro II.
Nas crônicas de O Ouvidor do Brasil, o autor lembra frases em que Jobim lamentava o descaso do Brasil com o meio ambiente. “Outro dia fui na floresta cantar um taro e o que saiu de trás do mato? Um Volkswagen”, disse o compositor, para quem o Brasil “é o único país do mundo com nome de árvore. não tem mais aquela árvore”. E continuou: “O Japão é um país muito pobre, com vocação para a riqueza. Somos um país muito rico, com vocação para a pobreza”.
Como não há uma cronologia rígida entre as crônicas, é possível lê-las aleatoriamente, como se fossem pequenas gotas jobinianas com lembretes de que o Brasil tem encantos difíceis de superar.
Entrevista // Ruy Castro
Em que sentido e de que forma a música de Tom Jobim melhorou o Brasil?
Ele estabeleceu um certo padrão de exigência, que creio que não existiu nem no Pixinguinha nem no Ary Barroso. Ao contrário deles, que trabalhavam muito pelo mercado, Tom só trabalhava com inspiração própria. Ele nunca aceitou encomendas, nem mesmo as de Hollywood, o que lhe renderia muito dinheiro. Cada música era um produto único da beleza que ele conseguia criar. Por isso, dedicou-se durante meses a cada música, sem nem saber se e quando seria gravada.
Você pensa ou tenta imaginar o que Tom Jobim estaria dizendo diante da crise climática vivida pelo planeta e causada pela humanidade?
Ele sem dúvida ficaria ainda mais preocupado, como todos nós. E talvez desanimado porque, se não resolveram nem os problemas mais simples do seu tempo, como resolverão o aquecimento da Terra, os desastres naturais e as epidemias causadas pela falta de controlo climático?
“Que sorte o Tom não ter chegado ao Bolsonaro”: será que o Tom teria aguentado?
Também mais um motivo de desânimo, como todos nós. No caso dele, talvez pior, porque veio de uma época em que poderíamos ter figuras como Getúlio, Dutra ou Jânio Quadros, sem falar nos militares, mas um Bolsonaro era impensável.
Sempre há algo muito atual nas crônicas. Como Tom Jobim estava à frente de seu tempo?
Acho que ele nunca pensou nisso. Mas, quando você faz algo com a qualidade que ele fez — e tudo que ele fez foi com qualidade —, a permanência do trabalho ou da pessoa faz parecer que ela estava à frente do seu tempo.
Existe alguma outra personalidade da cultura brasileira que esteve tão presente em suas crônicas quanto Tom Jobim?
Honestamente, não sei. Talvez exista e, assim como aconteceu com Tom, ficarei chocado ao descobrir.
Queria que você também falasse sobre Os Perigos do Imperador. Por que ele estava interessado nesta história e por que decidiu escrevê-la na forma de um thriller policial?
Bom, a história — o ataque a D. Pedro II em Nova York — nunca aconteceu, eu inventei. Todo o resto, absolutamente tudo (os personagens principais e secundários, o cenário, a época), é rigorosamente fiel à História. Passei anos pesquisando o Rio e Nova York em 1876 e só acrescentei ficção. A ideia surgiu de duas coisas que sempre me interessaram: a figura do Imperador e a Nova Iorque do século XIX. Adorei juntar os dois.
Como o romance histórico pode atrair o leitor para conhecer a história do Brasil?
Se bem feito, um romance histórico pode atrair o leitor para a grande História. Você simplesmente não pode confundir ficção histórica com História. Para isso, tive o cuidado de colocar na capa: “Um romance do Segundo Reinado”. Para o leitor saber que se tratava de um romance, de uma ficção, e não de História ou da minha biografia de D.Pedro.
Ouvidor do Brasil – 99 vezes Tom Jobim
Por Ruy Castro. Companhia das Letras, 230 páginas. R$ 69,90
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