Egle era amigo dos meus pais. Uma das primeiras pessoas que os acolheu quando, ainda recém-casados, se mudaram para um prédio de três andares na Rua Eça de Queiroz, em São Paulo. Mamãe e papai vindo de Recife. Egle morava no final do corredor do térreo. Mamãe e papai lá em cima. Por se tratar de um imóvel térreo, havia um pequeno quintal nos fundos, que ela não utilizava.
Egle era costureira. Seu marido, motorista de caminhão. Eles tiveram um filho. Mamãe adorava conversar com Egle. Nome diferente. Procurei e descobri que significa deusa do esplendor. A Egle que conheci era uma mulher generosa, amiga. Porém, seu esplendor foi aplacado pelo destino que escolheu para si. Ele tinha cabelos curtos e levemente volumosos. Castanho claro. Altura mediana – talvez ela fosse baixa, porque as lembranças de quando criança sempre nos enganam.
Memórias de infância
Lembro-me pouco das feições de Egle, mas lembro exatamente dos detalhes do apartamento onde morei, dos cheiros e dos sentimentos que estavam impregnados no corpo do meu filho. Apartamento escuro, com pouca luz natural. Móveis grandes em um espaço pequeno. Atmosfera fria e permeada por forte cheiro de mofo. Dois quartos. Tudo me sufocava, causando náusea. Para onde quer que eu olhasse havia coisas: revistas de moda, tecidos, roupas para cerzir, cortar, costurar. Eu não entendia como era possível viver assim. Sem sol.
Não adianta ter quintal e não cultivar flores
Demorei para perceber que não adianta ter quintal se não se cultivam plantas. Tenha janelas para esse mesmo quintal, caso não queira abri-las. Deixe o ar entrar. A luz refrata. Respirar. Transformar. Para viver. Num domingo de julho, conversamos sobre vestidos de festa e lembramos da nossa antiga vizinha, de sua habilidade com as falas e da amizade entre mamãe e ela. Perguntei se ele sabia sobre Egle. “Não. Liguei sempre que pude, conversamos. Um dia ela não atendeu e nunca mais tive notícias dela.”
Fizemos um cálculo rápido e entendemos que Egle, se estivesse vivo, teria mais de 90 anos. “Provavelmente já desapareceu”, concluiu mamãe. Passei pela Rua Eça de Queiroz. O edifício de três andares deu agora lugar a um imóvel com muitos apartamentos, com varandas onde deveria haver sol e calor.
Em última análise, somos nós que cultivamos os cantos escuros. Nossa casa apenas os reflete como um sussurro incômodo no ouvido. Mas continuamos inseridos como se nada estivesse acontecendo. Até que um dia o telefone toca e ninguém atende.
Por Ana Holanda – revista Vida Simples
Ele adora a sua própria casa, com cores e plantas por toda parte. @anaholandaoficial
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