A partir do trabalho coletivo proporcionado pelo cinema, o diretor André Hayato Saito, concorrente brasileiro na competição de curtas do 77º Festival de Cannes, captou um intenso potencial de transformação. Amareloo curta selecionado pelo festival francês faz parte de um processo constante e interno do cineasta. Kokoro para Kokoro (filme baseado na amizade estrita de sua avó) mergulhou nas raízes de Saito, enquanto vento dourado (listada como atração do 31º Sheffield Doc Fest, relevante festival britânico, e, em julho, presente em festival português) deu relevância à família do cineasta, Amarela se pautou pela “força de mostrar a lacuna identitária e a cultura confronto entre Brasil e Japão”, nas palavras de Saito. Um novo impulso na carreira aguarda o cineasta: crisântemo amareloseu primeiro longa-metragem, será o único filme latino-americano (em uma seleção de 175 projetos) a fazer parte do Torino FeatureLab, instrumento de aprimoramento de filmes em processo.
Entrevista // André Hayto Saito, cineasta
Como o cinema resolve questões de pertencimento?
Não diria que o cinema cura, mas tem potencial de transformação, tanto para quem o faz como para quem o vê. No caso de Amarelo, montamos um time, majoritariamente amarelo. Foi muito novo para nós, em um set de filmagem, olharmos uns para os outros e nos reconhecermos, desta vez não como uma minoria, e sentir que pertencíamos. Para muitos asiáticos brasileiros que vivenciam a questão do intermediário – de não se sentirem pertencentes, nem aqui nem ali – isso pode ser transformador. Para quem assiste também. Procuramos ampliar os horizontes de quem assiste, para que possamos complexificar, humanizar e criar empatia por outras realidades.
Ser nipo-brasileiro lhe traz um orgulho especial em ver o estúdio Ghibli valorizado em Cannes?
É incrível. Estou muito feliz porque cresci assistindo aos filmes do Ghibli Studios. Com certeza é uma referência para mim, uma narrativa magistral, com um olhar muito sensível para as questões humanas. Este ano o cartaz do festival é uma cena de Rapsódia em agosto, de Akira Kurosawa. Essas referências japonesas certamente influenciaram muito a minha carreira e a minha forma de ver o mundo. Eu lembro de ver A viagem de Chihiro quando eu tinha 17 anos e foi uma catarse para mim. É um universo tão rico e complexo, sensível, com aspectos de sonho e surrealismo, com mensagens humanas muito fortes. É o filme que mais me marcou dos Estúdios Ghibli e certamente contribuiu muito para a formação do meu olhar cinematográfico.
Qual é a conexão entre vento dourado e a Amarelo?
Ó vento dourado é o segundo da trilogia de curtas que resgata minha ancestralidade e investiga a identidade amarela no Brasil. Eles têm essa conexão temática. O primeiro filme da trilogia, Kokoro para Kokorofoi filmado no Japão. Vento dourado, com minha família no Brasil. E Amarela foi o momento em que quis retratar o encontro e o choque cultural entre a cultura japonesa e a brasileira.
Com que sentimento você se aproxima de Cannes?
É uma emoção e uma grande honra chamar esse (meu) cinema de cinema brasileiro. E, claro, Cannes é um lugar especial, por onde passaram grandes mestres do cinema. A animação é ótima. É incrível podermos representar o Brasil com a nossa história, do povo amarelo brasileiro. Podemos ampliar o horizonte do que significa ser brasileiro. Normalmente temos caixas muito estereotipadas e pequenas sobre o que é um rosto brasileiro. Nesse sentido, Amarela complexifica e enriquece a visão do Brasil.
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