Brasília foi brindada, na noite de quinta-feira (31/10), com um dos melhores shows do ano, que ficará na memória marcado por belas e emocionantes interpretações da veterana cantora Alaíde Costa, uma das últimas grandes vozes da Era de Ouro da Rádio ainda em funcionamento. Aos 88 anos, a artista passeia solene e quase perfeitamente por um repertório de clássicos da música popular brasileira, arrancando suspiros de encantamento, lágrimas, sorrisos e aplausos devotados de um público cativado pela suprema diva negra dos palcos.
A apresentação aconteceu no Teatro Plínio Marcos, no Eixo Cultural Ibero-Americano (antiga Funarte), com acompanhamento da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro (OSTNCS), sob a direção do maestro convidado Joaquim França, na retomada do Projeto Pixinguinha, agora denominado Bolsa Pixinguinha. A iniciativa está vinculada ao Programa Nacional de Radiodifusão Funarte Rede das Artes, com apoio do Ministério da Cultura e da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal. Curiosamente, Alaíde Costa participou na primeira edição do projeto, em 1977.
Foi um encontro sublime entre músicos de excepcional domínio técnico, executando arranjos muito bem elaborados para a ocasião, unindo os universos erudito e popular em magistral harmonia para elevar o ânimo do público presente, homenageado por autoridades como a Ministra da Cultura, Margareth Menezes, e o secretário de Economia Criativa, Cláudio Abrantes. A cada música, uma Alaíde Costa concentrada, acolhida atentamente pela regência do maestro Joaquim França — a quem entregou uma garrafa de cachaça antes do show — apresentava o brilho de uma música com nuances ancestrais, mas absolutamente ligada ao presente — talvez, projetando o futuro do jazz e do samba.
A interpretação de Alaíde Costa dos versos das composições tem força trágica, poder dramático e intensidade fantasmagoricamente subversiva, pois, em vez de assustar, fascina. É impossível passar ileso ao ouvi-la cantar “…o que você fez? / Coração mais descuidado / Fez seu amor chorar de dor / Um amor tão delicado”, em Loucurade Tom Jobim. Ou ainda quando entoa “Se você não me queria / Você não deveria me procurar / Você não deveria me enganar… / Você arruinou minha vida”, em Deixe-me em pazde Monsueto Menezes e Ayrton Amorim, faixa imortalizada no álbum Clube da Esquinaao lado de Milton Nascimento.
A catarse se completa como um bêbado transfigurado, como um punhal enfiado no peito na madrugada insone, cantando “Eu fico bêbado / Porque meu futuro é muito vago / Sinto sua falta ao meu lado / Bebo sua ausência de carinho”, em Absintode Fátima Guedes. Tudo arranjado de forma complexa pela Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Cláudio Santoro, que comemora 45 anos de existência, realizando alquimia, transformando o sofrimento angustiante exposto na poesia em sons de beleza orgástica — tântrica. Um brinde à Alaíde e ao Pixinguinha!
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