A jornalista, tradutora e editora Rosa Freire D’Aguiar foi a vencedora do Livro do Ano na 66ª edição do Prêmio Jabuti, por Sempre Paris: crônica de uma cidade, seus escritores e artistas (Companhia das Letras). Os vencedores das 22 categorias foram revelados em cerimônia realizada na noite de terça-feira (19/11), no Auditório Ibirapuera, em São Paulo.
Em seu breve discurso de agradecimento, a autora de 76 anos expressou surpresa em sua voz – ela estava com “taquicardia”, brincou. “Nem imaginava ganhar o prêmio da Crônica. E agora o Livro do Ano? Oh là là!”, exclamou Rosa.
Em seguida, prestou homenagem ao economista Celso Furtado (1920-2004), com quem foi casada. “Amanhã, 20 de novembro, farão 20 anos que meu marido morreu. Conheci-o na França, nos casamos na França. Ele era um exilado do golpe de 1964, moramos lá por muitos anos”, disse ela.
O prêmio Livro do Ano é concedido às obras mais bem avaliadas nas categorias Literatura e Não-Ficção. O vencedor recebe R$ 70 mil, além de ingressos e hospedagem para participar da Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha.
Minutos depois de receber o Jabuti, Rosa ainda estava eufórica ao falar com o repórter. “É inacreditável. Livro do Ano? É impressionante. Estou muito feliz por ganhar com um livro de crônica ‘jornalista'”, disse. Estadão. Em Sempre Paris, ao resgatar memórias e entrevistas da época em que morou na capital francesa como profissional de notícias, a autora constrói um rico retrato de um período de efervescência.
Nascida no Rio de Janeiro, Rosa foi para a França aos 23 anos. Lá, trabalhou como correspondente internacional de jornais e revistas brasileiras – e revela sua preferência pela cobertura de cultura e política internacional, tendo inclusive presenciado guerras. Foi ao retornar ao Brasil que começou a se dedicar ao mercado editorial.
Ela lembra do apoio do ex-marido, com quem dividiu a vida em Paris: “O Celso já estava lá quando cheguei, desde a década de 1960, mas eu nem sonhava em conhecê-lo. Demorou alguns anos. sempre me deu muita força, incentivo. A única vez que ele ficou um pouco assustado foi quando fui cobrir a Guerra Civil no Líbano também”, conta.
Em Sempre Paris, Rosa reúne entrevistas realizadas com grandes escritores, artistas e intelectuais, durante uma janela de cerca de 20 anos, entre o final da década de 1970, a década de 1980 e um pouco da década de 1990. Deles surgem as memórias, e a autora disseca o cenário parisiense que conheceu e chamou de lar durante sua longa estadia.
“As entrevistas que constavam no livro estavam guardadas em uma caixa, na França. Quando comecei a ler, percebi que era legal. Digitei tudo, com a ajuda de um sobrinho, e enviei para a editora avaliar “, disse ele sobre o processo. Ela também mandou tirar retratos da época, capturados em filme, que puderam ser aproveitados.
O livro contém, por exemplo, uma entrevista inédita com o escritor e intelectual argentino Julio Cortázar. “Quando fiz a entrevista, em 1978, ele não era tão conhecido no Brasil. Depois da morte dele, em 1984, ele explodiu aqui. Tenho algumas entrevistas lá que cresceram em perspectiva histórica, com distanciamento no tempo”, analisa.
Outros personagens do século XX que aparecem no livro em diálogo com Rosa são Alain Finkielkraut, Alberto Cavalcanti, Conrad Detrez, Élisabeth Badinter, Ernesto Sabato, Eugène Ionesco, Fernand Braudel, François Perroux, Françoise Giroud, Georges Simenon, Jorge Semprún, Michel Serres, Norma Bengell, Peter Brook, Raymond Aron, Roger Peyrefitte, Roland Barthes, Romain Gary, Simone Veil e Suzy Solidor.
Sempre Paris é publicada pela Companhia das Letras, editora onde Rosa trabalhou principalmente como tradutora de Muriel Barbery, Marcel Proust e Roberto Bolaño, e como editora dos livros de Furtado. Em 2009, ganhou o Jabuti pela tradução de A Elegância do Uriço, de Barbery.
Rosa também traduziu para o português autores como Michel de Montaigne, Pierre Bourdieu e Honoré de Balzac.
Na categoria Crônicas, os outros finalistas foram Crônicas Exusíacas e Fragmentos de Pelintra (Civilização Brasileira), de Luiz Antonio Simas; Gelo & gin: crônicas sobre bebidas, suas receitas, cinema, música, literatura e outras misturas (Quelônio), de Daniel de Mesquita Benevides; O charme discreto da magistocracia: vícios e disfarces do Judiciário brasileiro (Porém), de Conrado Hübner Mendes; e Os rostos que tenho (Record), de Nélida Piñon.
É possível especular que o gênero esteja passando por uma revalorização sutil. Há mais de uma década Jabuti não atribui o prêmio principal a um livro de crônicas: o último foi Diálogos Impossíveis, de Luis Fernando Verissimo, na edição de 2013.
O reconhecimento vem na esteira da escolha da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), importante evento do mercado editorial, para homenagear o escritor e jornalista João do Rio, pseudônimo mais famoso de Paulo Barreto (1881- 1921), muito conhecido por suas crônicas sobre o cotidiano carioca.
Como repórter, João do Rio foi um dos pioneiros do jornalismo literário no Brasil, mesclando reportagem, literatura, ficção e fato. A organização Flip, ao justificar a escolha, destacou o autor como o fundador da crônica moderna.
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