Um dos principais gêneros da música europeia, marcante em terras portuguesas, o fado será trilha sonora de Brasília entre segunda (25/11) e terça (26) no Teatro do Museu Nacional da República no Festival de Fado. O maior evento do género a nível mundial, tendo visitado 18 grandes cidades da Europa, África, América Latina e Ásia, chega pela primeira vez a Brasília com apresentações de António Zambujo e Raquel Tavares.
Esta é a 14ª edição do projeto, que leva o género musical mais português pelo mundo, não apenas no formato de espetáculos. Este ano, por exemplo, os participantes ainda poderão assistir ao filme O cônsul de Bordéus e a conferência O fado e a Liberdade, liderada por Rodrigo Costa Félix.
O evento deste ano comemora o 50º aniversário da Revolução dos Cravos de Abril de 1974, movimento social e militar português que pôs fim à ditadura do Estado Novo e restaurou a democracia no país. “É muito importante recuperar a memória, embora eu ache importante viver o presente. As memórias são essenciais para que não voltes a cometer os erros do passado”, destaca Zambujo, em entrevista ao Correspondência. “Infelizmente esta memória não existe neste momento, atravessamos uma fase algo turbulenta e confusa, mas o nosso dever e papel na sociedade, como artistas, é defender um país livre, a democracia e a liberdade”, acrescenta.
A intenção desde o início é partilhar cultura e espalhar a história portuguesa para outros países. Desta forma, o fado parece a forma ideal. Um género com raízes portuguesas que já corre o mundo e tem fãs fora de Portugal. “Queremos mostrar a nossa música, a nossa forma e o género do fado”, afirma Zambujo.
No entanto, devido à proximidade linguística e à curiosidade aguçada dos ouvintes, o Brasil parece ser uma terra ainda mais fértil para o Festival de Fado. “Se existe um lugar no mundo onde eles possam nos acolher e nos compreender, esse lugar é o Brasil”, exalta Raquel Tavares, que ainda comemora a chegada do evento a Brasília. “O fato de Brasília ser uma comunhão de pessoas, povos e culturas ajuda”, ressalta.
Os curiosos são essenciais, afinal o foco do festival é divulgar. Ou seja, conquistar novos públicos. “O festival espera que esta música chegue a pessoas que não conhecem e capte a sua atenção”, afirma a fadista. O interesse dos brasilienses é uma expectativa dos músicos. “Já joguei duas vezes em Brasília e fiquei surpreso com a forma como nos receberam. Ninguém nos conhecia, saíram por curiosidade e ainda nos deram uma recepção calorosa”, lembra Zambujo.
Embora o fado seja um gênero que tem músicas de destaque e mais antigas que a própria cidade de Brasília, a aposta é que os jovens também saiam com força. “O fado pode parecer ultrapassado, mas não poderia ser mais contemporâneo. Espero gente mais jovem nas nossas actuações”, acredita Raquel. “Acho que as novas gerações estão mais interessadas em reconhecer as raízes das coisas, seja no Brasil ou em Portugal. Por isso, penso que estão genuinamente disponíveis para ouvir estes géneros”, acrescenta.
Não é só tristeza
O Fado como género musical carrega o estigma da música triste e melancólica. No entanto, esta é uma visão redutora de algo muito mais amplo. “Quando estive no Brasil, percebi que a surpresa por parte de quem me ouviu cantar fado foi enorme. A grande maioria dos brasileiros que me ouviram pensava que o fado era apenas música melancólica e profunda”, recorda Raquel, que veio morar no Rio de Janeiro por alguns meses. “O Fado caracteriza-se pelas emoções que contempla, mas contém também muitas outras”, acrescenta.
A cantora destaca que o gênero é reflexo direto das pessoas que o desenvolveram. “Não somos apenas um povo abatido. Adoramos festas, somos felizes e gostamos de sentar à mesa, acordar cedo e ter calma. Cantamos isto no fado também”, explica. A diferença está no poder que as coisas ganham nessa música. “Cantar fado é cantar a vida e a vida tem coisas e momentos extraordinários e felizes. Mas quando cantamos tristeza, fazemos isso com uma tragédia imensa (risos)”, acrescenta.
A música que será apresentada em Brasília é uma exposição de emoções muito singular na perspectiva dos portugueses. A questão faz os artistas compará-lo com outros ritmos para entendê-lo. “Sempre encontro muitas semelhanças entre as músicas de raiz que conheço, principalmente as mais latinas. [de Cabo Verde]o tango, o bolero, as valsas. Tudo isso tem uma base muito interessante e quanto mais recuamos no tempo, maiores são as semelhanças. As referências devem ser as mesmas”, diz Zambujo
A fadista classifica o género como um dos mais poéticos do mundo. “É poesia musicada. A música está aí para ajudar a palavra, para dar uma dimensão diferente ao que está escrito”, explicam. No entanto, entenda que é uma experiência individual. “O género do fado é sempre muito aberto, cada artista tem a sua visão. São formas únicas de ver a música”, comenta.
Festival de Fado
Segunda (25/11) e terça (26), no Teatro do Museu Nacional da República, às 20h. Os ingressos custam a partir de R$ 100 e estão disponíveis na plataforma Ingresso Digital
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