“Um ator nasce ator”, gostava de dizer Ney Latorraca, para enfatizar que atuar é algo tão profundo que dura para sempre. Porque essa eternidade é exatamente o legado deixado por Latorraca, falecido ontem, aos 80 anos, no Rio de Janeiro.
O artista estava internado na Clínica São Vicente, na Zona Sul, para tratamento de câncer de próstata, e faleceu em decorrência de sepse pulmonar. Aberto ao público, o velório será realizado no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, hoje, entre 10h30 e 13h30. O corpo será cremado em cerimônia familiar.
Com uma história que inclui mais de 50 novelas, programas e séries de televisão, 20 filmes e dezenas de peças encenadas nos palcos do teatro brasileiro, o ator foi considerado um dos mestres do humor na dramaturgia brasileira da segunda metade do século XX. Nascido em Santos (SP), em 1944, e filho de um cantor e de uma corista, Latorraca começou a atuar no final da adolescência, aos 18 anos, quando conseguiu o papel da pirata Perna de Pau, em Pluft, o fantasminha, de Maria Clara Machado.
O sucesso de sua atuação abriu portas e ele integrou o elenco de Reportagem de um tempo mau, de Plínio Marcos, peça que acabou suspensa pela ditadura militar. Quase desistiu de atuar, mas pediu ajuda a Cacilda Becker, que o encaminhou para a Escola Paulista de Arte Dramática, berço de grandes atores como Glória Menezes e Juca de Oliveira.
Trabalhou em banco, loja de roupas femininas e joalheria enquanto estudava e, felizmente, voltou aos palcos e aos sets de filmagem, com passagens pela TV Tupi, Record e TV Cultura antes de dar os primeiros passos na Globo, em 1975. foi nesta última que interpretaram personagens emblemáticos da televisão brasileira. É praticamente impossível apagar figuras como Vlad, de Vamp (1991), Barbosa, da TV Pirata, Quequé, de Rabo de Saia, e Volpone, de Um Sonho Mais (1985). Barbosa ficou tão famoso que Latorraca contou que de vez em quando estava no palco de um teatro atuando em outra peça quando alguém gritava da plateia: “Fala Barbosa!”.
Ney Latorraca também foi responsável por O Mistério de Irma Vap, peça de Charles Ludlam na qual estrelou ao lado de Marco Nanini. O sucesso foi tanto que durou 11 anos e entrou no Livro de Recordes do Guinness. No cinema, uma de suas atuações mais marcantes foi em O beijo no asfalto, adaptação de um texto de Nelson Rodrigues levado às telas por Bruno Barreto.
Ao final do filme, Latorraca encena um momento histórico do cinema brasileiro ao beijar Tarcísio Meira sob os arcos da Lapa, no Rio de Janeiro. Também interpretou o pintor Jean-Baptiste Debret no já clássico Carlota Joaquina, princesa do Brasil (1995). No palco e na tela, trabalhou com diretores como Antunes Filho, Ademar Guerra, Gerald Thomas, Carla Camuratti e Luiz Sérgio Person.
Nos cinemas com O Auto da Compadecida 2, Matheus Nachtergaele lembra de Ney como um amigo de conversas incríveis e um ator exemplar. Os dois atuaram juntos no Cine Holliúdy, em 2019, em episódio em que Latorraca interpretou mais uma vez o vampiro Vlad, de Vamp. “Ele sempre conseguiu ser palhaço e demonstrar o patético, apesar de ter uma visão grande e sóbria do mundo. Foi um homem muito completo na sua relação com o olhar do mundo, esteve envolvido em momentos fundamentais do cinema e do teatro brasileiro e, na TV, foi um ícone de comunicação profunda, carisma absoluto e elogio à simplicidade de interpretação”, afirma Nachtergaele.
“Um palhaço com P maiúsculo, que soube demonstrar suas facetas mais frágeis, seu menino mais brincalhão, sem vergonha. Está inserido na mais bela constelação de atores brasileiros.”
Soldador Rodrigues, da Cia. de Comédia Os Melhores do Mundo, lembra que a TV Pirata foi um divisor de águas no humor brasileiro e Ney Latorraca faz parte disso. “É uma referência a ser seguida. O legado dele é gigantesco, o impacto de todos os personagens que ele interpretou na TV e no cinema, o impacto do Barbosa, do Cornélio, do Vlad. E são sempre personagens bem-humorados”, afirma.
“Quando sou convidado para fazer uma novela, digo que sou um comediante emprestado para uma novela. E é óbvio que há a influência do Ney quando se faz humor na dramatização”, acrescenta Welder, que inclusive viajou para São Paulo três vezes só para assistir O Mistério de Irma Vap. “Eles trocaram de roupa de forma mágica, em três segundos, e interpretaram todos os personagens da peça. Incrível, né?”, lembra.
O diretor e ator Eduardo Wotzik, que recentemente foi exibido no CCBB com Hannah Arendt — Uma Master Class, diz que a saída de Latorraca deixa um buraco, um vazio nos palcos brasileiros. “Ney também deixa para trás um estilo, o de ator completo, que dança, canta, representa tudo, capaz de dar vida aos mais diferentes papéis e gêneros, com uma empatia rara entre um ator e o público. E também nos ensinou como transpor um personagem rodriguiano para o cinema, com seu inesquecível Arandir, de Beijo no Asfalto”, afirma.
Ele também desempenha papéis memoráveis em peças como Hair, Jesus Christ Superstar, Othello e King Lear. Para Wotzik, Latorraca foi responsável pela formação de toda uma geração de atores, uma lenda que, ao entrar em uma sala, desacelerou o tempo.
O diretor brasiliense Fernando Guimarães lembra que quando assistiu O Mistério de Irma Vap ficou impressionado com a versatilidade de Latorraca. “Ele era um ator extraordinário e tinha a habilidade de fazer bem tanto drama quanto comédia”, diz ele.
“Ele se deixou permear de várias direções. Muito completo, muito divertido, muito alegre. Cumpriu muito bem o papel que veio.” Também diretor, Allex Miranda acredita que o teatro perdeu um de seus pilares, uma espécie de farol. “Ney Latorraca foi muito mais que um ator brilhante; foi um inventor de momentos inesquecíveis. Ele nos ensinou que a arte vai além da técnica – é a coragem de ser genuíno”, afirma.
André Amaro, criador do Teatro Caldeidoscópio de Brasília, também ficou muito impressionado ao assistir O Mistério de Irma Vap. “Tive a sorte de vê-lo nesta produção”, diz ele. “Eu sempre digo, de alguns atores muito especiais: há atores bons e atores únicos que, além de bons, são dotados de uma personalidade muito particular. Acho que foi o caso dele, ele tinha uma ironia latente na sua conduta como pessoa foi o que aconteceu. Me fez vê-lo de forma diferente, sempre com aquele humor na ponta da língua, com seu sorriso largo”, lembra.
Para o dramaturgo Sergio Maggio, Latorraca entendeu o caminho do humor e da comédia como ninguém. “Ele deu a alma, criou uma cor para cada personagem, nunca foi repetitivo. Assistir aos seus espetáculos, principalmente aqueles com múltiplos personagens, como O Mistério de Irma Vap, era um acontecimento teatral”, lembra. “Além disso, ele tem uma história no teatro, vem dessa matriz do teatro de resistência. O humor foi sua grande resistência para não cair em um esquema padronizado”.
*Estagiário sob supervisão de Nahima Maciel
consultar proposta banco pan
blue site
cartao pan consignado
juros consignados inss
empréstimo banrisul simulador
cnpj bk
o que significa consigna
banco consignado
emprestimos no rio de janeiro
simulados brb
juro consignado