Nas fendas do sertão árido estão as pegadas do clássico texto de Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas, enraizado no imaginário de cada leitor da obra de 1956. Com um salto de 68 anos, a obra, reelaborada na perspectiva do cineasta Guel Arraes, irrompe nas telonas de 300 salas, com aspecto de sertanejo criminoso embrutecido. A narração de Riobaldo (Caio Blat), que virou professor, na adaptação cinematográfica, sai do ambiente das fazendas e latifúndios, e se desloca para o cenário periférico. O tema da intolerância, diante do romance proibido, ocupa grande parte da narrativa.
A dureza de hoje vai contra a poética roseana. “A violência real será maior do que no cinema. O cinema traz um retrato da tensão real. No Brasil, então, isso é uma verdade absoluta: a violência cotidiana é uma catástrofe”, observa Guel Arraes, ao falar do novo contexto do filme. Duas coisas, porém, nesse abraço e fusão de relatos de pistoleiros, policiais e moradores da comunidade permanecem inalteradas: “A proposta do texto e a prosódia de Guimarães — nada disso foi alterado”, reforça o diretor lembrado pelos sucessos do calibre de O carro da compaixão (2000) e Lisbela e o Prisioneiro (2003).
“O mundo é nosso, mas leva tempo” é gravado em determinado momento do filme, que vai contra esse ritmo, e se torna alucinante. Luisa Arraes dá vida ao corajoso personagem Diadorim, numa trama em que a ação atual engloba tipos, como “o homem feliz” (em meio ao caos) Zé Bebelo (Luiz Miranda); o líder Joca Ramiro (Rodrigo Lombardi), entre os que “tiveram sangue derramado”; o vilão Hermógenes (Eduardo Sterblitch); as sofredoras Otacília (Mariana Nunes) e Nhorinhá (Luellen de Castro), que ama, em igual medida, Riobaldo e Diadorim.
Autoridades corruptas, trabalhadores injustiçados, balas (de revólveres) e bailes (funk) invadem o “redemoinho” descrito no livro clássico e que se completa com impactos diabólicos. “Não há mudança de crenças nesta adaptação (para a tela), nem, até onde eu sei, no livro. A questão do diabo é um pouco a questão do mal e do bem. todas as religiões têm, né? Então (a religiosidade) no filme é muito genérica”, ressalta o diretor Guel Arraes, também co-roteirista do filme, ao lado de Jorge Furtado (leia a entrevista).
Lançado às vésperas do também violento Bandida — A numero uno (ambientado em uma favela carioca), Grande Sertão poderia endossar um novo movimento do cinema nacional em busca de público? “É muito difícil dizer: são dois filmes diferentes que tratam do mesmo assunto. Bandida, pelo que vi no trailer, segue a tradição dos filmes de favela brasileiros (como Cidade de Deus). Grande Sertão trata do mesmo assuntos, de outra forma, em outro tom, que é épico, teatral, e isso muda tudo. Não há muito o que comparar, um parece quase uma antítese do outro”, analisa Guel Arraes.
Descrito como a “força da vida”, o amor cede, de forma central no longa-metragem Grande Sertão. Junto com a selvageria, dá um toque especial a todo o roteiro contemporâneo. “O conteúdo de Guimarães Rosa, hoje em dia, o enredo de todo o livro é sobre a guerra, com questões comportamentais, e isso está tudo no filme, praticamente: assim como é em Guimarães e cabe como uma luva no Brasil de hoje”, finaliza o cineasta.
Três perguntas // Jorge Furtado, co-autor
Qual é a principal dificuldade de adaptação?
A principal dificuldade na adaptação de Guimarães Rosa ao cinema é que o romance é uma obra-prima incomparável. Sem dúvida, o maior romance da língua portuguesa, escrito numa prosa poética que é tão marcante que se torna inesquecível para quem já leu o livro. O contato com a prosa de Guimarães e de Riobaldo, o que se diz na boca de Riobaldo, o narrador da história, é transformador. Ninguém é a mesma pessoa depois de ler esse livro. Portanto, transformar este livro de 500 páginas num filme de duas horas é um enorme desafio. Mas acho que ele merecia ser enfrentado por vários motivos.
Como você percebe a possível receptividade ao filme?
(O filme) será o primeiro contato de muitas pessoas, tenho certeza, com esse texto porque Guel Arraes e eu fizemos todo esforço para utilizar o texto do livro sempre que possível. Então, só com isso, esse filme já merecia ser feito: só para colocar o texto de Guimarães Rosa em contato com as pessoas. A história é uma história universal e eterna; Guimarães finge escrever um romance regionalista, em 1956, quando o regionalismo já estava fora de moda… Mas, na realidade, escreve um livro universal: esta história poderia estar na Rússia, em África, nos Estados Unidos, em qualquer lugar. .
O que a trama contempla, nessa escala?
Tem os mitos básicos: a luta do bem contra o mal, o amor trágico dos jovens, a donzela guerreira, os guerreiros lutando — como numa guerra de Tróia — todos têm razão, ali, do seu lado. Então, ele faz isso com um ambiente supostamente regional brasileiro. Guimarães faz uma história completamente universal. O nosso esforço, a nossa tentativa, foi manter a prosa de Guimarães e trazer esta história até hoje porque é uma história eterna. Essa foi a maior dificuldade e acho que conseguimos, na medida do possível.
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