O brasiliense de longa data Leticia, lançado neste mês nos cinemas e estrelado pela atriz Sophia Abraão, traz como principal nome masculino um velho conhecido do público que consome cultura na capital do país. Este é Bernardo Felinto, um verdadeiro membro da casa.
O natural do Distrito Federal estudou artes cênicas na Universidade de Brasília (UnB) e na Faculdade Dulcina de Moraes, passou 10 anos no grupo local De 4 é Melhor, protagonizou grandes sucessos nos palcos dos Candangos como o aclamado Não durma com uma colher e, há 15 anos, mantém uma escola de teatro que já formou mais de 10 mil alunos.
Revelado ao Brasil através do humor Bonecada Rede Globo, o ator e roteirista de 39 anos integrou o elenco coadjuvante de diversas produções da emissora — sendo contratado três vezes: em 2013 para gravar a novela Jóia rara; em 2014, Dar certo; e em 2019, Órfãos da Terra. No cinema, Bernardo atuou nos sucessos Minha mãe é uma peça de 3, entre outros. O filme Deixe-me não serescrito pelo brasileiro, ganhou diversos prêmios de melhor roteiro.
“Por mais clichê que seja, existe uma regra que vale: o personagem que tiver que ser seu, será seu”, declarou ao Correspondência Bernardo Felinto, que é fundador do canal Só 1 Minuto, no YouTube, maior canal de humor do Centro-Oeste, com mais de 30 milhões de visualizações e 180 mil inscritos.
ENTREVISTA | Bernardo Felinto
Você tem uma longa carreira no teatro, com diversas participações audiovisuais. Agora, ele estrela pela primeira vez um filme comercial, depois de estrelar um curta-metragem de sua autoria. Gostaria que você comentasse esses trabalhos.
Comecei a me interessar mais por cinema depois de ter feito algumas novelas na Globo. Já tinha 20 anos de carreira no teatro e queria trabalhar mais com audiovisual. Fui para Nova York, em 2018, fazer um curso de cinema, que envolvia atuação e roteiro, porque já escrevia para teatro e queria começar a escrever para cinema. Desde então, escrevi três curtas-metragens e fui protagonista de todos eles — comecei a me envolver bastante com cinema. E dois deles foram muito premiados em festivais. Mas estrelar um longa-metragem foi bem diferente, foi um trabalho que exigiu muita concentração e disposição física e emocional, pois são muitas horas de gravação por dia e as gravações não seguem a ordem cronológica do roteiro. O personagem tem que ser muito sólido para que o ator não se perca no estado emocional de cada cena.
Conhecida como a capital do rock, e tendo lançado também o Natiruts, que é o reggae, Brasília também tem uma grande representatividade artística na dramaturgia, mas ainda é pequena, se comparada ao eixo Rio-SP. Como você vê esse mercado para o ator brasiliense?
Brasília possui uma cena artística muito forte, porém, a cena audiovisual está centrada no eixo RJ-SP. A televisão aberta está aí e o streaming também é produzido lá. Atualmente, com as plataformas digitais, o casting se democratizou um pouco. Assim, o ator que não está nesse eixo consegue mostrar seu trabalho com mais facilidade. Mas as grandes produções ainda estão longe de Brasília, embora muitos filmes sejam feitos aqui. O ator, e não só o brasiliense, tem que se locomover e estar disponível para trabalhar. Atualmente vejo atores que não moram no eixo RJ-SP, mas fazem seu trabalho lá e voltam para sua cidade. Fiz isso durante muitos anos quando estava na Globo. Mas penso também que, se desde o início o ator estiver nestes centros mais visíveis, isso pode ajudar a sua carreira, devido à rede de contactos que se vai formando ao longo dos anos.
Como você avalia a dinâmica dos testes de elenco para produções de TV e streaming em relação a artistas espalhados pelo Brasil? Você considera isso democrático?
Hoje é muito mais democrático do que há 10 anos, por exemplo. As plataformas de casting permitem isso. Após a pandemia, raramente há testes presenciais. Então, eu acredito que sim. Os atores têm que encarar as audições como um trabalho, preparar-se para elas e apresentar o seu melhor. Se você será escalado ou não, não está sob seu controle. A questão é que, principalmente para atores iniciantes, isso causa certa ansiedade. Eu já passei por isso no começo. Você tem a impressão de que toda a sua vida artística depende de passar naquela prova e não é o caso. Por mais clichê que seja, há uma regra que se aplica: o personagem que tiver que ser seu, será seu. A vantagem hoje é: você pode fazer provas online, não precisa se deslocar para RJ ou SP. Prefiro as provas presenciais, mas entendo a facilidade do online, e acho que permite maior abertura para atores de todo o Brasil.
No teatro, sua presença mais forte foi em grupos de comédia locais, mas você disse, certa vez, que não queria ser conhecido como comediante. Essa percepção de imagem foi quebrada?
Trabalhei com comédia por 15 anos no teatro. Em Brasília, há 10 anos com o grupo De 4 está melhor. Fiz Zorra por 2 anos, comecei em 2012. E só fui Boneca porque um produtor de casting da Globo me viu no teatro, no RJ, fazendo comédia. Gosto muito de fazer comédia, mas hoje depende da proposta. Fazer comédia é, na minha opinião, mais difícil do que fazer drama. Na TV, preferi me afastar um pouco da comédia; no teatro, continuo fazendo, em Brasília. Estive recentemente nos cinemas com a peça Tudo sobre nossa vida sexual, que é uma comédia, e adoro fazer isso. O que me incomodava antes era ser reconhecido como comediante, porque não quero esse título. Sou um ator que faz comédia, talvez seja a melhor definição.
Ele acredita que esse papel mais comercial na Leticia Era esta a oportunidade que faltava para ganhar mais notoriedade no setor audiovisual?
Acredito que ser protagonista de um longa comercial pode fazer com que os produtores de elenco me vejam de forma diferente. Existem atores de longa data que ainda não desempenharam um papel de liderança nos cinemas, então acho que é um poder de validação. Mas não é possível afirmar com certeza como isso se manifestará. Não acredito que o ator deva ficar sentado esperando por convites. O ator tem que se produzir, para ele, fazer o que acredita, tudo que vem é consequência e passível de aceitação ou não dependendo do contexto. Hoje posso selecionar um pouco melhor os projetos que vou aceitar, mesmo que seja no audiovisual, se não for algo interessante, prefiro não fazer. Gosto da composição do personagem, meu desafio está naquele lugar, então o que surgir nesse sentido estarei sempre à disposição.
Em Brasília você dá aulas de teatro. Além das aulas de atuação, qual é a principal lição que você costuma dar aos seus alunos?
O Curso de Teatro Bernardo Felinto existe em Brasília há mais de 15 anos. É um curso de formação de atores e, mais do que isso, é um curso de desenvolvimento pessoal. Nem todo mundo que entra no curso quer ser ator profissional, mas para quem quer, sou sincero, o importante é estar preparado e capacitado antes de entrar no mercado de trabalho. Não adianta querer fazer um mês de aula e querer aparecer na TV, não é assim que funciona. Ser ator é profissão, tem estudo prévio, conhecer o mercado, não é ser famoso primeiro como influenciador e depois virar ator. A outra coisa é a autoprodução, que é fundamental.
Você acredita que é possível morar em Brasília e trabalhar com arte no eixo Rio-SP?
Sim, faço isso há muitos anos. Mas já morei algumas vezes no RJ, já morei em SP também. E hoje acredito que com os testes online isso fica muito mais fácil. Você pode morar onde quer que vá, trabalhar no exterior e voltar. A questão é: morar no eixo RJ-SP permite conhecer mais pessoas da região, fazer conexões, projetos.
Em 2019, você teve um roteiro de filme premiado internacionalmente. Desde então, como tem sido o seu investimento nesta área?
Ganhar prêmios no cinema é uma conquista, pois são obras autorais. Estas curtas-metragens que ganharam prémios internacionais foram obras que escrevi e atuei, portanto são projetos pelos quais tenho muito carinho, inevitavelmente. A questão é que fazer cinema no Brasil é uma arte muito cara, então leva muito tempo desde o roteiro até a pós-produção. Um projeto de filme raramente é feito em menos de 2 anos. Já vi projetos que demoraram quase 10 anos para se concretizarem. Mas ainda quero produzir cinema, é a arte que mais gosto de fazer hoje em dia.
Quais são seus próximos projetos?
São muitos. Quero voltar para o RJ com uma peça minha, ainda estou avaliando qual será o gênero. Quero fazer mais cinema também, tenho alguns parceiros nesta área e estamos em negociações para um próximo projeto. Tenho um projeto de voltar a internet também, voltar com o canal por apenas 1 minuto ou algo assim. Este canal teve mais de 30 milhões de visualizações há alguns anos e sinto que ainda pode proporcionar bons aprendizados e possibilidades.
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