Com uma programação robusta que reúne artistas de Angola, Brasil e França e uma diversidade capaz de colocar no mesmo palco samba, passinho, parcours e kuduro tradicional angolano, o Festival Intercâmbio e Dança Angola e Brasil (Idaeb) chega a Brasília, começando amanhã, para mostrar como a linguagem corporal é capaz de unir continentes. Criada em 2017 pela coreógrafa e dançarina Lenna Siqueira, da Cia. Corpus Entre Mundos, e do bailarino angolano Dilo Paulo, o festival vai na sua oitava edição, sendo seis realizadas no Rio de Janeiro, uma online, durante a pandemia e outra em Angola. Esta é a primeira vez que o Idaeb sobe ao palco em outra cidade brasileira.
Distribuído pelo Espaço Cultural Renato Russo, Centro de Dança do DF e Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), o festival reúne cerca de 150 artistas em uma agenda que incluirá exposições competitivas, oficinas de dança, palestras, salão de baile, batalhas abertas e shows. “Lenna e eu começamos a ver a necessidade de estruturar um caminho que tornasse mais fácil para as pessoas no Brasil conhecerem tanto o ambiente de trabalho e de outros artistas em Angola e para quem está em Angola conhecer quem produz arte no Brasil “, explica Dilo Paulo. “Angola e Brasil têm esta ligação como países irmãos, mas também têm uma grande distância na hora de se deslocar de um lugar para outro em termos de trabalho. Foi assim que começámos a pensar no festival.”
A diversidade de género é uma das marcas do Idaeb. Se as danças urbanas como o break, o popping, o passinho e o afro house estão bem representadas, há também espaço para o samba no pé, o kuduro angolano, o jazz funk e o jongo. “Acho importante misturar a diversidade inerente à estrutura do mundo”, explica Dilo. “À medida que as danças se desenvolveram, elas foram se separando, isoladas em cada grupo”.
A filosofia do povo Ubuntu, cujo lema é “Eu sou porque nós somos”, norteou os curadores na montagem da programação e na ideia de dar ao Idaeb uma diversidade representativa da dança contemporânea. “Quem dança precisa saber um pouco de música, de iluminação. Esse contato com outras artes é importante para fortalecer a identidade. Uma aula de contemporâneo ou de kuduro, por exemplo, pode agregar ao balé clássico. diversidade de estilos presentes no festival”, afirma. A intenção é abrir os olhos e estimular a sensibilidade para que o público possa ter contato tanto com um show de break quanto com um espetáculo de balé clássico. “Queremos tornar as pessoas mais sensíveis a todas as formas de arte”, alerta Dilo.
Inspiração
Ubuntu é também uma das inspirações do artista, escritor e produtor cultural angolano Isidro Senene, que realizará a futura performance Wapalama e uma conversa com Helena Neto, Karina Araújo. Na performance, que Senene também chama de monólogo, a artista propõe uma reflexão sobre os fluxos migratórios, o meio ambiente e a espiritualidade. “No fundo, é um apelo baseado no aprendizado de um imigrante que usa seu corpo e seu devaneio sobre o estado contemporâneo da humanidade, que está adormecido. preocupações futuras com questões sociais, políticas, extrema direita, extrema esquerda. Tudo hoje é muito superficial. O homem não consegue mais olhar para si mesmo”, explica o artista, lembrando que wapalama significa maldito.
Convidado que abre o programa amanhã com o espetáculo Nas suas marcas, prepara, dispara, dança, o francês Deyvron Noël trabalhou com os dançarinos da Cia. Corpus Entre Mundos para criar uma coreografia multicultural. “O espetáculo traz o tema do gesto primitivo de correr, que é um gesto cotidiano, mas que remonta há muito tempo”, alerta Noël. “Partimos da ideia de correr para fugir do perigo, de correr em direção ao amor ou à felicidade, ou de fugir de coisas que nos machucam”. No palco, os bailarinos emprestam referências do hip hop, da dança contemporânea e do afro funk.
Para Noël, o maior valor de trabalhar com bailarinos brasileiros é descobrir novas formas de se movimentar. “Podemos fazer festivais de dança contemporânea na Europa, mas ficamos num registo muito comum. Aqui a experiência enriqueceu-me muito, é realmente multicultural em relação a França. a impressão de que todos convivem, com corpos e identidades trazidas pela cultura de cada um. Isso é um tesouro cultural”, afirma o artista.
Passionista e professora de samba, eleita 1ª Princesa do Carnaval do Rio de Janeiro, Luara Bombom ficou surpresa e emocionada ao receber o convite para ministrar uma oficina durante o festival. É uma forma, acredita ela, de superar barreiras e preconceitos que impedem considerar o samba como uma dança contemporânea. “Estar em um festival que recebe jazz funk, kuduro, jongo faz com que as pessoas entendam que o samba deve ser estudado e respeitado como qualquer outra modalidade. Principalmente os bailarinos, porque na galeria de dança urbana o samba é visto como um jogo”, afirma Luara.
O programa conta ainda com a participação dos angolanos Vandro Poster, especialista em kuduro e afro house, Hellie Groove, representante do popping, e B-Boy Erivan, dançarino de break. Do Brasil, além de Luara, estão presentes Laranjinha, com passinho, Bruno Vitor Jazz, com jazz funk, JP Black, com locking, Gil Tobias, com jongo, e Geo, com afrofusion. Giselle Rodrigues e Kaled Andrade trazem a dança contemporânea.
Interação e preconceito social
Além das apresentações e oficinas, o Idaeb também terá uma mostra competitiva com batalhas de dança e um evento seletivo aberto ao público amador. Os prêmios chegam a R$ 4 mil para apresentações individuais ou em grupo. Um salão de festas produzido pela House of Zion, de São Paulo, faz parte da programação. A intenção dos organizadores é proporcionar ao público e aos profissionais da dança a criação de uma rede de contactos capaz de fomentar colaborações e intercâmbios no futuro. “Hoje temos claro que a cara do festival é pensar na nova geração. É uma geração muito nova, de artistas novos. Eles são novos por estarem viajando pelo mundo, não são novos na quantidade de trabalho já feito” , alerta Dilo Paulo.
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