Com o crescente número de residências unifamiliares e a evolução do conceito de família no Brasil, há um aumento significativo de adoções feitas por pessoas solteiras, divorciadas ou viúvas, formando o que se conhece como adoção monoparental. Neste cenário, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garante que todos, independentemente da configuração familiar, tenham os mesmos direitos legais.
“Os requisitos são exatamente os mesmos para todas as situações. O adotante monoparental tem os mesmos direitos e deveres do adotante casado, incluindo o direito de criar e educar o filho, bem como a responsabilidade de proporcionar amor, educação, cuidado e apoio material”, responde Jussara Marra, presidente da Angaad – Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção.
Além disso, segundo ela, os requisitos para casais ou candidatos que decidam se qualificar sozinhos são os mesmos. A adoção não discrimina sexo ou estado civil para maiores de 18 anos, desde que o adotante seja pelo menos dezesseis anos mais velho que o adotado.
Aumento na adoção de pais solteiros
A pesquisa Estatísticas do Registro Civil 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra aumento nos divórcios e queda no número de casamentos no Brasil. Em 2022, foram registados 970.041 casamentos, 11.022 entre pessoas do mesmo sexo. O total representa uma queda de 9,87% na média dos cinco anos anteriores à pandemia. “O número de homens e mulheres solteiros que adotam é reflexo do comportamento da sociedade”, afirma Jussara.
A pesquisa constatou ainda que, em 2022, foram registrados 420.039 divórcios concedidos em primeira instância ou por escrituras extrajudiciais, o que representa um aumento de 8,6% em relação ao total registrado em 2021. Essa mudança de comportamento reflete um aumento no número de adoções. realizado apenas por mulheres e homens.
Segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2023, 390 mulheres e 105 homens solteiros optaram pela adoção – um aumento significativo de 119,10% e 169,23%, respectivamente, em comparação ao período pré-pandemia da COVID-19 . Além disso, as adoções por casais também registaram um aumento de 46,62% no mesmo período, encerrando o ano com 4.501 adoções.
Mudanças trazidas pelas residências unifamiliares
Para Sandra Sobral, mãe por adoção e presidente do Instituto Geração do Ajante, a sociedade brasileira vem passando por mudanças com o aumento das residências unifamiliares e a evolução do conceito de família. “O Sistema de Justiça vem acompanhando essa tendência, uma vez que não há obstáculo legal à adoção, seja por ser monoparental ou por ambientes antes considerados fora do padrão”, afirma.
A principal mudança está de acordo com um princípio básico do ECA, entendendo que a adoção atende ao melhor interesse da criança e do adolescente, e não de quem deseja adotá-los. “Essa mudança de paradigma, com foco no sistema integral de proteção à criança e ao adolescente, trouxe uma nova perspectiva: é preciso encontrar um família que atenda às necessidades de crianças e adolescentes, em vez de um filho ou filha atender aos desejos dos adultos que os desejam. Uma diferença que pode parecer subtil a nível gramatical, mas que tem um impacto enorme no trabalho de toda a rede de proteção e até no perfil das adoções atuais”, acrescenta Sandra Sobral.
Além disso, é importante ressaltar que ampliar o conhecimento sobre a possibilidade de adoção por pessoas solteiras é fundamental, uma vez que, por muito tempo, persistiu a crença de que apenas casais (e casais heterossexuais) poderiam adotar. Outro ponto que chama a atenção é que esses perfis de novos adotantes são mais abertos para acolher crianças e adolescentes que, via de regra, não são a principal escolha de outros pretendentes.
“O que vemos nas estatísticas, de facto, é que as adoções monoparentais e as realizadas por famílias do mesmo sexo são mais receptivas à aceitação de crianças mais velhas, de grupos de irmãos, de crianças inter-raciais e de pessoas com deficiência”, afirma Sandra Sobral .
Como funciona o processo de adoção?
A lei é a mesma para todos: “maior de 18 anos, não ter antecedentes criminais, apresentar diferença mínima de 16 anos em relação à idade do criança ou adolescente adotado e desfrutar plenamente de suas faculdades mentais”, detalha Sandra Sobral.
A elegibilidade para adoção é o primeiro passo após tomar a decisão. Este é o procedimento que decorre no Tribunal Distrital onde residem os requerentes. Na maioria dos condados não há necessidade de contratar um advogado.
A primeira etapa é o pré-cadastro, realizado pelos próprios requerentes no site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e consiste no fornecimento de dados pessoais e no preenchimento de formulários pré-estabelecidos. Feito isso, o candidato recebe um número de protocolo, com o qual deverá dirigir-se ao Juizado da Infância e da Juventude, ou ao Tribunal Judicial que exerce esta atividade na comarca, recolhendo os documentos listados no sistema.
Os documentos necessários, segundo o site do Conselho Nacional de Justiça, são:
- Cópias autenticadas da certidão de nascimento ou casamento, além de declaração relativa ao período de união estável, se for o caso;
- Cópias da carteira de identidade e inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF);
- Comprovante de renda e residência;
- Certificados de saúde física e mental;
- Certidão negativa de distribuição civil;
- Certidão de antecedentes criminais.
Além desses documentos, obrigatórios no Estatuto da Criança e do Adolescente, durante o processo, dependendo do caso específico, poderão ser exigidos complementos.
Fase de habilitação
A licença, com validade de três anos, é requisito para ingresso no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA). Feito isso, os pretendentes escolhem os locais onde estão abertos para receber contatos para adoção, sempre considerando possibilidades e custos de deslocamento não só para conhecer a criança ou adolescente, mas também para completar o período de reaproximação, necessário nos processos de adoção.
Ainda na fase de qualificação, há avaliação técnica realizada por equipe interprofissional ou multidisciplinar do Poder Judiciário. A preparação também é obrigatória, exigida por lei, mas sem definição, até o momento, de como deve ser realizada, ou seja, deve ser realizada de formas diferentes em cada local.
Primeiros contatos com a criança
Superada a fase de habilitação, os requerentes de adoção são efetivamente inscritos como habilitados na base de dados do SNA, aguardando efetivamente a chegada de uma criança ou de um adolescente que se enquadre nos parâmetros previstos no perfil desejado, mediante qualificação. Apesar da ansiedade dos solicitantes em saber quanto tempo esperarão a chegada do filho, não existe um tempo médio de espera para que ocorra uma “combinação” entre os perfis das crianças/adolescentes e dos solicitantes de adoção. Muitos fatores estão envolvidos.
Havendo compatibilidade de perfis entre solicitantes e crianças/adolescentes, o contato com os solicitantes é feito por profissionais do Judiciário. A partir da sua vontade de dar continuidade ao processo, será realizada uma primeira reunião, com apoio e auxílio de equipes técnicas, tanto do Poder Judiciário quanto da Recepção, sempre que possível. Em seguida, inicia-se o período de reaproximação com visitas e interações supervisionadas, fase que tem duração determinada individualmente, de acordo com cada caso específico.
Posteriormente, é concedida a guarda provisória para fins de adoção, o que garante aos adotantes direitos e deveres equivalentes aos dos pais.
Avanços nos últimos anos
Não há diferenciação entre adoções entre casais, sejam eles heterossexuais ou do mesmo sexo, ou entre pessoas solteiras, que constituem adoções monoparentais. “Desde o início da preparação, qualificação e todo o processo de adoção, as limitações que podem surgir são as mesmas que poderiam ser observadas pelos casais ou em qualquer outra configuração familiar.“destaca Jussara Marra.
Houve muitos avanços nos últimos anos. Durante o processo de adoção do filho, em 2012, Sandra Sobral percebeu que os técnicos, juízes e promotores no Brasil ainda não entendiam os prazos, a Prioridade Absoluta e o respeito à convivência familiar e comunitária garantidos pelo ECA, que muitas vezes ainda não são respeitado na prática.
Segundo ela, poucos tinham um conhecimento profundo da lei e da importância da preparação de técnicos, candidatos e crianças e adolescentes. “É essa ‘tríade’ que garante que as adoções sejam humanizadas, ágeis, legais e que respeitem o tempo da criança e do adolescente”, avalia.
Os preconceitos devem ser combatidos
O processo é conduzido por indivíduos que fazem avaliações e tomam decisões subjetivamente. E, apesar de não ter sofrido preconceito ao adotar seu filhoJussara Marra ressalta que isso pode não ser verdade em todo o Brasil.
“Em cidades pequenas, distantes dos grandes centros, ainda pode haver discriminação em relação a determinadas questões. A preparação é, sem dúvida, o tema central que todos devem focar. Deve ocorrer para os requerentes, incluindo crianças, adolescentes ou demais familiares e atingindo os agentes do processo e a sociedade como um todo, pois o conhecimento eliminará valores errôneos para que os melhores interesses da criança e do adolescente sejam verdadeiramente atendidos.” , ele conclui.
Por Cleide Assis
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