Com sua voz doce e muitas piadas, a “cantora” — como gosta de ser chamada — Tulipa Ruiz se prepara para levar ao palco do Festival Convenção de Música e Arte (CoMA), no dia 3 de agosto, um rico repertório. Este ano, o evento retorna aos jardins do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) para uma celebração da diversidade de sons e ritmos brasileiros. Tulipa — que além de cantora, também é ilustradora e artista visual — se apresentará no primeiro dia do festival com a turnê Extraordinary Skills em show com entrada gratuita.
Na noite da última terça-feira, o pai de Tulipa, o violonista e jornalista musical Luiz Chagas, morreu durante o sono. Foi amplamente reconhecido por ter participado do movimento Vanguarda Paulista, além de ter integrado a banda Isca de Polícia ao lado do cantor e compositor Itamar Assumpção. Ao lado de Tulipa, Luiz Chagas colaborou em faixas do repertório da filha, como o excelente Sushi.
Em entrevista com Correspondência — realizado antes da morte de Chagas —, Tulipa Ruiz falou sobre o show que fará em Brasília no início do próximo mês, bem como sobre a relevância de seu primeiro álbum de estúdio, Efêmera (2010), além de não poupar elogios quando descrevendo seu irmão e parceiro de longa data, o produtor musical Gustavo Ruiz.
Entrevista // Tulipa Ruiz
Qual é a sua relação com o público em Brasília?
Brasília foi um dos primeiros lugares fora do circuito Rio-São Paulo que fui a trabalho. Desde o meu primeiro disco, Efêmera, de 2010, fui muito bem recebido em Brasília e foi um dos primeiros lugares que me surpreendeu que o álbum chegou antes de nós. Eu tinha acabado de lançar Tudo tanto, por exemplo, que é meu segundo disco e fomos tocar em Brasília. O álbum foi lançado há poucos dias e as pessoas já sabiam cantar as músicas. Guardo isso com muito carinho. Brasília foi o primeiro lugar onde entendi isso, onde a música chega antes de nós. Tenho muito carinho por Brasília.
Prestes a completar 15 anos de lançamento, como você se relaciona com Efêmera, seu primeiro álbum de estúdio?
Agora posso acompanhar e ouvir esses relatos de que Efêmera faz parte de uma memória afetiva. É um álbum que atravessa o tempo e me dá muita alegria por causa disso. Ele faz parte de várias histórias, então é muito comovente quando as pessoas me contam que o pai ouviu, que a tia ouviu, que a irmã ouviu.
O que você acha da importância de fazer shows com entrada gratuita, como o seu no CoMA?
É super importante para a construção de público, o que para nós é muito maravilhoso porque não necessariamente é o público que já iria no meu show pago. Então, eu tenho um público que não conheço, um público novo, e isso é muito importante para a democratização do nosso trabalho.
Quais são suas expectativas para se apresentar em Brasília com a turnê Extraordinary Skills?
Há muitos anos que vou a Brasília, mas, sobretudo, depois desse ponto de virada da pandemia, o público se renovou. As pessoas amadureceram muito durante a pandemia. Então, tem um público novo em Brasília, que eu também não conheço, porque tem gente que me acompanhou e tem gente que não ia aos shows e agora vai. É uma oportunidade de conhecer esse novo público e ocupar a cidade com arte. É um lugar de formação gigantesca.
Como seu pai influenciou você musicalmente?
Meu pai, Luiz Chagas, tocou em todos os meus discos e tocou na minha banda. Tocou muito tempo com Itamar Assumpção, um músico muito importante da Vanguarda Paulista daqui de São Paulo. Meu pai era violonista do Isca de Police e também jornalista especializado em música. Então, cresci com essa influência enorme do meu pai como guitarrista, mas também como jornalista. Meus pais eram separados e meu pai sempre nos mandava discos com lançamentos. Eu cresci ouvindo discos e lendo lançamentos desses discos. Minha educação é muito influenciada pela influência do meu pai como jornalista musical.
O que tens ouvido ultimamente?
Hoje em dia ouço muita música contemporânea e gosto muito da produção musical brasileira. Ultimamente, o último álbum da Ava Rocha tem tocado no meu toca-discos. Estou ansioso pelo novo álbum do Liniker, que também é produzido pelo meu irmão. Acompanhei um pouco o processo porque ele é um dos produtores. Será um álbum muito bem-vindo. Tenho ouvido muito Ana Frango Elétrico e gosto muito do Bruno Berle também.
Por que você se autodenomina “cantor”?
Acho que me entendo muito mais como artista multimídia do que apenas como cantor, porque mesmo como cantor me vejo também como autor. Acho que no Brasil não usamos a palavra cantautora, não temos essa palavra no dicionário, mas temos usado cada vez mais essa palavra, trazendo cada vez mais para o português brasileiro. No português de Portugal já se usa cantautora.
Como você avalia a interação entre música, ilustração e tecelagem que você pratica?
Quando tenho algum flash, alguma eureka, alguma necessidade de expressão, de compor alguma coisa, pode sair em forma de música, mas também pode ser um desenho, ou um enredo. Também me entendi muito como tecelão. Gosto muito de fazer coisas com linha, tecer linha. Então, a minha expressão acontece nesses três lugares, e esses três lugares são musicais. Meu canto é semelhante à minha fala, que é semelhante ao meu enredo. Está tudo bem misturado.
Quão importante é para você ter o apoio familiar para seguir a carreira artística?
O apoio da minha família é fundamental. Tenho uma família artística, meu irmão é músico, meu pai é músico e minha mãe é musical. Quando eu era adolescente, tive aulas de canto coral com minha mãe. Nós nos encorajamos muito. Minha mãe também estudou teatro na juventude, aqui em São Paulo. É preciso ter muito cuidado com suas palavras. Meu pai e meu irmão têm muita influência musical direta. Estamos sempre fazendo coisas artísticas independente do trabalho. Ou vamos ao cinema juntos, ou a um concerto juntos.
O que você acha da importância desse apoio?
O mais importante sobre o apoio deles é que em nenhum momento eles me apressaram. Demorei para entender que a música poderia ser um trabalho para mim também, mas sempre respeitaram o meu momento. Acho que esse é o maior apoio. Nunca fiquei ressentido em mostrar nada a eles nem fiquei muito animado. Acho que o respeito é o principal. Eles sempre ouviam todos os meus rabiscos. Minhas primeiras experiências já foram lidas por eles de forma atenta e respeitosa. Isso me deu muita confiança para correr riscos e experimentar.
Qual a sua relação com seus parceiros mais próximos, seu irmão, Gustavo Ruiz, e seu pai, Luiz Chagas?
Acho o Gustavo o melhor produtor do Brasil, sem sombra de dúvida. Trabalho com ele, não porque seja meu irmão, mas porque é maravilhoso. E meu pai é um super guitarrista, então sou um grande fã deles e sei que eles também são meus fãs. Fazer música juntos faz nossos olhos brilharem. É uma coisa muito nutritiva.
Quais são as suas expectativas para o festival CoMA?
Adoro tocar em festivais porque nem sempre é só o meu público. Tem muita gente que me interessa muito. O CoMA tem uma formação muito diversificada, então acho que isso significará que teremos um verdadeiro mashup de pessoas. O público será muito misto por causa disso e adoro o desafio de chegar às pessoas do zero também, pois gosto de tocar e cantar para pessoas que nunca me ouviram. Acho que por ser um festival com muitas misturas, vou conhecer muita gente nova.
*Estagiário sob supervisão de Severino Francisco
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