Após o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciar a contenção de R$ 15 bilhões em despesas no Orçamento deste ano para tentar entregar um resultado primário dentro do limite da meta fiscal, os analistas refazem os cálculos sobre o corte adicional que será necessário para o próximos meses para que o objectivo seja alcançado.
O anúncio faz parte da antecipação do relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas a ser divulgado, nesta segunda-feira, pelos ministérios do Plano e da Fazenda. O consenso entre os analistas é que o governo não conseguirá colmatar o hiato fiscal, previsto na meta deste ano. Embora o ministro tenha afirmado que será possível encerrar 2024 com déficit nas contas públicas dentro do limite da meta, as projeções da Secretaria de Política Econômica (SPE), chefiada pelo ministro, divulgadas no mesmo dia do anúncio da o corte, indicam que não haverá déficit zero até pelo menos 2026.
Segundo cálculos de analistas ouvidos pelo Correspondência, ainda será necessário um corte adicional de R$ 10 bilhões a R$ 21 bilhões nos próximos dois meses para que o governo consiga entregar o resultado primário dentro da meta. Mas isso depende dos instrumentos que Haddad poderá utilizar para atingir a meta fiscal, sem fazer nova mudança, como ocorreu em abril. O fato positivo do anúncio foi que o número de contingência anunciado por Haddad, após reunião da Diretoria de Execução Orçamentária (JEO) —formada pelos chefes de Fazenda, Planejamento, Casa Civil e Gestão— acabou ficando um pouco acima do esperado por mercado, mas permanece abaixo do necessário para cumprir a meta fiscal.
No anúncio, Haddad destacou que serão bloqueados R$ 3,8 bilhões para cumprir o limite de despesas — 70% do crescimento da receita, sendo permitido até 2,5% do crescimento real — e, a maior parte, R$ 11,2 bilhões, será condicionado ao cumprimento da meta fiscal de déficit primário zero com tolerância para um rombo nas contas públicas de até 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB), equivalente a R$ 28,8 bilhões.
Segundo o ministro, há possibilidade de revisão caso haja avanço nas negociações com o Senado Federal para a retomada do reembolso da folha salarial de empresas de 17 setores beneficiados. Essa proposta ainda está no radar do ministro, mas a medida provisória que tratava do assunto foi devolvida pelo Congresso e o projeto enviado como substitutivo está preso no Senado Federal, exigindo muita negociação.
O economista Simão Davi Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP), foi categórico ao afirmar que o valor do corte de gastos anunciado por Haddad será insuficiente para o governo cumprir a meta fiscal. “As despesas obrigatórias crescem num ritmo mais rápido do que todos previam e, mesmo com o orçamento contingencial do governo de R$ 15 bilhões, vai faltar dinheiro”, alertou Silber.
Pelos cálculos do doutor em economia, o governo ainda precisará fazer um corte adicional de R$ 21,2 bilhões para conseguir cumprir a meta fiscal. “Há erros nas estimativas, porque as receitas cresceram menos que o esperado e as despesas crescem em ritmo ainda mais acelerado e, portanto, o contingenciamento deveria ser de R$ 36,2 bilhões, porque esse é o tamanho do buraco fiscal deste ano”, acrescentou o professor da USP.
Segundo a economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, ela elogiou o fato do ministro ter anunciado um bloqueio maior do que o esperado pelo mercado, mas acrescentou ao coro que ainda serão necessários mais cortes. “Isto mostra que o governo está, de facto, a utilizar os instrumentos para atingir a meta e o limite de despesas do quadro e está a mostrar sinais de compromisso com isso. Isto é importante para os mercados no sentido desta sinalização, pois mostrou que a equipa económica está, de facto, a utilizar os instrumentos, apesar das questões políticas e da luta interna”, disse ela.
O analista disse que a equipe da Tendência ainda está finalizando as contas, mas tudo indica que será necessário um corte adicional nos próximos dois meses entre R$ 15 bilhões e R$ 20 bilhões. “Isso deve ser anunciado nos próximos dois meses com reavaliações. Ainda temos um caminho a percorrer antes de chegarmos perto da meta e até da questão de limitar o crescimento dos gastos no quadro, mas penso que o sinal do governo foi bastante positivo”, acrescentou.
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, acredita que ainda falta um corte de R$ 15 bilhões para o governo alcançar um resultado fiscal dentro da meta, ou seja, um saldo negativo inferior a 0,25% do PIB e, portanto, adicional os cortes nas despesas serão inevitáveis no futuro. “Eles estão no caminho, mas ainda na metade do que precisa ser feito. Como o governo proibiu mais medidas de ajustamento estrutural, será inevitável que esses bloqueios sejam comuns até 2026”, destacou.
O cumprimento da meta com o volume de contingência anunciado exigirá surpresas muito positivas nas receitas, cortes adicionais significativos ou alteração no seu valor após as eleições primárias, segundo analistas do Banco Safra. “Como o não cumprimento da meta poderia reduzir o limite do crescimento real das despesas em 2026 para 0,5% do crescimento das receitas e desencadear gatilhos que impeçam aumentos para os funcionários públicos, o mercado pode já estar a precificar uma mudança na meta, com impacto no preço dos ativos , inclusive taxa de câmbio”, segundo relatório divulgado aos clientes.
Em relatório da Warren Investimentos, o economista-chefe Felipe Salto escreveu que, do ponto de vista prático, o anúncio é positivo, apesar de ainda restar a necessidade de corte de gastos de R$ 12 bilhões. “Ao longo dos próximos meses, a dinâmica das despesas obrigatórias que estão ligadas à evolução da receita poderá contribuir para o ajustamento remanescente. Entendemos que, mesmo assim, será necessária uma segunda parcela de contingência”, destacou.
Divisão política
O economista Murilo Viana, consultor sênior da GO Associados, também considerou que, dentro do governo, existem diferentes visões sobre a condução da política fiscal. “O JEO inclui o ministro Rui Costa (Casa Civil), um dos principais críticos de Haddad e da meta fiscal. E, portanto, é preciso acompanhar como será esse ponto”, destacou o especialista, a respeito das expectativas de quais áreas serão os cortes.
Na avaliação de Viana, o Congresso Nacional também tem dado sinais contraditórios em relação ao compromisso com a austeridade fiscal, o que também dificulta o trabalho de Haddad no cumprimento da meta. “Uma questão fundamental será, sem dúvida, destacada na segunda edição da desoneração tributária sobre a folha de pagamento. O governo, com razão, tem dito que os Três Poderes têm que fazer parte do ajuste das contas públicas. Esta é uma mensagem especial para o Congresso, cujo orçamento cresceu muito nos últimos anos. Ele respondeu muito à sua força”, destacou.
O economista citou a PEC Quinquênio, que pode gerar impacto de R$ 5,2 bilhões a R$ 42 bilhões nas despesas com remuneração dos servidores públicos, e as negociações em torno da renegociação da dívida estadual. No caso da desoneração tributária, o Supremo Tribunal Federal (STF) prorrogou até setembro a decisão que manteve o benefício fiscal. “Quanto mais perto esta questão estiver do final do ano, mais difícil será cobrir o défice de redução fiscal. E se o Congresso não der uma solução, o governo terá que fazer ajustes maiores nas contas.”
Viana lembrou que a regra fiscal tem “duas pernas”, limite de gastos e resultado primário. “As despesas com os beneficiários do BPC (Benefício de Prestação Continuada) vêm crescendo em ritmo muito acelerado. O governo precisa fazer esse contingenciamento para outros por causa do resultado primário, que ainda está longe da meta de déficit zero, com tolerância de 0,25 ponto percentual do PIB”, ponderou.
Na visão do professor de economia do campus Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), Leandro Nakabashi, a abordagem de apenas regularizar os benefícios sociais, citada pela ministra do Planejamento, Simone Tebet, não é suficiente para a questão fiscal e mostra a falta de opções que o governo tem para controlar o aumento das despesas.
“É preciso desvincular algumas despesas para dar autonomia ao governo federal para priorizar determinadas despesas e reduzir outras. Não adianta melhorar agora, em 2024 e 2025, e em 2026 já entramos numa situação em que o défice público não vai no sentido do controlo da dívida pública, ou até piora”, afirmou.
(Colaboração de Raphael Pati)
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