O ano de 2024 não foi bom para investimentos de risco, como ações. De janeiro a julho, segundo pesquisa da consultoria Elos Ayta, aplicações vinculadas ao Crédito de Depósito Interbancário (CDI) —índice que acompanha a taxa básica da economia (Selic)— e até cadernetas de poupança acumulam ganhos acima da Bolsa de Valores de São Paulo. Paulo (B3). Nos sete primeiros meses do ano, o Índice Bovespa (Ibovespa), principal indicador da B3, caiu 4,87%. No mesmo período, a poupança valorizou 4,08%, e o CDI, 6,13%.
Até a última sexta-feira, considerando apenas os dois primeiros dias de agosto, a queda da B3 já havia aumentado para 6,21% desde o início do ano. O dólar valorizou quase 17% até julho e está próximo de registrar alta de 20% no ano. Analistas reconhecem que agosto começou com mais turbulência no mercado financeiro, com queda nas bolsas e fortalecimento do dólar, que sinaliza novo patamar, acima de R$ 5,70.
Apesar do desemprego ter caído para 6,9%, voltando ao patamar observado em junho de 2014, e do rendimento médio do trabalhador ter crescido 5,8% no trimestre encerrado em junho, em relação ao mesmo período de 2023, especialistas alertam para o cenário mais incerto nos próximos meses, com as eleições municipais aqui e a corrida presidencial nos Estados Unidos, onde há receios de uma recessão a caminho. A recomendação deles é ser cauteloso e buscar investimentos conservadores, como renda fixa.
Analistas alertam que, se o dólar continuar acima de R$ 5,50, o impacto na inflação será maior e acima do teto da meta de 4,50% e, com isso, o Banco Central terá ainda mais dificuldade em cortar a taxa Selic, mantida em 10,50% ao ano, na última quarta-feira, na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Reforçam que a situação fiscal continua preocupante e os efeitos disso estão impactando diretamente na taxa de câmbio, que continua valorizada. Com isso, a tendência é que os investidores busquem o porto seguro da renda fixa em vez da renda variável.
“Quando os juros estão baixos, o investidor aceita arriscar e vai para a bolsa, que acaba subindo porque há maior demanda. Quando os juros estão baixos, isso ajuda a economia e as empresas a terem maior retorno e maiores dividendos até porque dão lucro. E os juros altos inibem o crescimento das empresas e da economia”, explica Miguel Ribeiro de Oliveira, diretor executivo de Estudos e Pesquisas Econômicas da Associação Nacional dos Dirigentes de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac).
Segundo o levantamento feito por Einar Rivero, da Elos Ayta, sobre a rentabilidade de diversos ativos em 2024, os dados revelam um cenário dinâmico e diversificado e o ponto fora da curva é o Bitcoin, que registrou a maior valorização, de 78,18%. no período, mas é um ativo muito volátil, com risco muito elevado. E quem quiser apostar em criptomoedas precisa tomar cuidado para não cair nos inúmeros golpes desse mercado ainda muito mal regulamentado. Outro indicador que registrou ganhos neste ano, graças ao dólar mais forte, foi o BDRX, índice de ações de empresas estrangeiras negociadas na B3, que ficou em segundo lugar com valorização no ano, de 41,47%. Em seguida, vem o ouro, que registrou ganhos de 20,10% de janeiro a julho, segundo dados da consultoria.
“Ativos tradicionais, como ouro e BDRX, confirmam seu papel como refúgios seguros e lucrativos, especialmente em tempos de incerteza econômica”, afirma Rivero. Ele destaca que, apesar da queda acumulada no ano, o Ibovespa ainda apresenta rentabilidade positiva nos últimos 12 meses, refletindo “uma possível recuperação do mercado brasileiro, trazendo otimismo aos investidores”.
Para o especialista, a melhoria do desempenho do mercado dependerá do comportamento da política económica e das taxas de juro do governo, porque, neste momento, os investidores tendem a tornar-se mais conservadores. “Atualmente, com a Selic mantida em 10,5% ao ano, e com o dólar em alta, as expectativas de decolagem do Ibovespa ficam mais comprometidas”, enfatiza.
O economista João Luiz Mascolo, sócio da SM Managed Futures e professor de economia da Faculdade Albert Einstein, reforça que a valorização do dólar e a queda da Bolsa estão relacionadas ao aumento do risco fiscal e aos temores de uma política econômica “baseada mais no aumento de impostos do que em cortes de gastos”. Ele lembra que, depois que o Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) sinalizou que poderia começar a reduzir os juros a partir de setembro, o dólar subiu ainda mais frente ao real, atingindo seu maior nível desde dezembro de 2021, de R$ $ 5,73, em vez de cair. “Em tese, o real deveria se valorizar, o dólar deveria cair. Isso mostra que o risco fiscal está embutido”, ressalta. Segundo as suas estimativas, o PIB atingirá um crescimento máximo de 2% com taxas de juro ao nível actual. “Então, não vejo isso, não estou muito entusiasmado com a Bolsa”, diz.
Mascolo destaca que os juros dos investimentos em renda fixa, como títulos públicos, já estão próximos de 12% ao ano e ainda não atingiram o pico. Para ele, a tendência ainda é de alta e, por isso, os investidores que querem apostar em títulos do Tesouro Nacional, por exemplo, recomendam investir aos poucos. “Os níveis estão altos, mas não creio que estejam no auge, porque ainda vejo muita incerteza pela frente. Tem eleição chegando e, pelo que vejo, o governo vai tentar uma galinha fuga, que se chama pejorativamente essa tentativa de aquecer o PIB por um curto período e acho que isso está em andamento novamente”, ressalta.
Perspectivas
Especialistas lembram ainda que, conforme sinalizou o Banco Central, na última reunião do Copom, a Selic deverá ser mantida no patamar atual por mais tempo e, portanto, a renda fixa continuará mais atrativa que a Bolsa, já que a possibilidade A A subida das taxas de juro este ano não está completamente descartada se houver uma deterioração persistente da taxa de câmbio.
Portanto, na avaliação deles, será difícil para o Ibovespa atingir o patamar dos 145 mil pontos, indicado pelas previsões mais otimistas, justamente pelo aumento da incerteza. Vale lembrar que mesmo os investidores estrangeiros estão cautelosos com o mercado de ações, já que de janeiro a julho a retirada de capitais de não residentes da B3 totalizou R$ 31,5 bilhões. E dados recentes apenas confirmam essa piora da situação fiscal, que fez com que o governo anunciasse o congelamento de R$ 15 bilhões em despesas este ano. Esse volume, porém, não é suficiente para cumprir a meta fiscal, que prevê zerar o déficit primário nas contas públicas neste ano, conforme projeções do mercado.
Para piorar, o buraco fiscal cresce devido ao forte aumento das despesas e os números não são muito animadores. Segundo dados do BC, a dívida pública bruta atingiu 77,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em junho, totalizando R$ 8,7 trilhões, e a necessidade de financiamento do setor público atingiu níveis mais elevados do que durante a pandemia de Covid-19. (que inclui a conta de juros da dívida pública) acumulada nos 12 meses até junho somou R$ 1,1 trilhão, equivalente a 9,92% do PIB.
“A situação está um pouco nebulosa. Externamente, o cenário é melhor, o que sinalizaria uma redução do dólar. Mas, a situação fiscal é preocupante”, diz o economista e especialista em Finanças Fabio Gallo, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-EAESP). Ele não acredita que a B3 consiga chegar ao patamar de 145 mil neste ano e destaca que existem diversas boas ofertas de renda fixa no mercado, como CDBs e títulos do Tesouro Direto. “No momento, o IPCA do Tesouro está valendo e, como a inflação pressiona, os juros devem permanecer no patamar atual”, afirma.
Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, também reconhece que o mercado está um pouco confuso no momento, com alguns investidores temerosos de uma recessão nos Estados Unidos. Para ele, há espaço para a B3 subir para cerca de 135 mil pontos neste ano.
Segundo Julio Hegedus, economista da ConfianceTec, em vez de chegar aos 140 mil pontos, o Ibovespa ainda pode recuar ainda mais e ficar na casa dos 120 mil pontos. “A bolsa está lateralizada e acredito que ficará ‘congestionada’ em 120 mil pontos. A agenda fiscal é muito pesada. A regulamentação da reforma fiscal terá lugar até ao final do ano, mas a reforma das pensões está de volta ao debate. Lembremos que o anterior não afetou parte dos privilégios do judiciário e dos militares”, destaca. Manifesta preocupação pelo facto de o Orçamento ser muito limitado e ter pouca margem de manobra. “Sendo que 95% das despesas estão “carimbadas”, 2% a 3% comprometidas com emendas parlamentares, sobra muito pouco. E como são concedidos vários reajustes aos servidores, não mexer na agenda previdenciária e não cortar de fato os créditos tributários, colocam o governo em um beco sem saída”, afirma. Para o analista, a volatilidade neste ano deve continuar aumentando caso o PT perca terreno nas eleições municipais.
O economista Otto Nogami, professor do Insper, destaca que a recente decisão do Copom de manter a taxa Selic em 10,5% ao ano, aliada à alta do dólar e à queda da Bolsa, geraram um cenário de incerteza para os investidores. , que acabam buscando renda fixa. “Isso pode justificar uma postura mais conservadora neste momento”, diz ele. Nogami também não vê potencial para o Ibovespa atingir patamares mais elevados, como 145 mil pontos, “principalmente se houver uma recuperação econômica global e local, além de um cenário político mais estável”. “Se a economia brasileira der sinais de recuperação mais robusta, isso poderá atrair mais investimentos para o mercado de ações. Um ambiente político mais estável poderá aumentar a confiança dos investidores. Setores como tecnologia, saúde e commodities poderão impulsionar o índice se apresentarem bons resultados Por outro lado, é importante considerar riscos, como inflação, política monetária e acontecimentos internacionais”, explica.
Oportunidades
Apesar da queda acumulada do Ibovespa no ano, é possível encontrar ações listadas na Bolsa com ganhos consideráveis. João Daronco, analista da Suno Research, destaca que há um grande número de ações com valorização significativa dentro do indicador, pois têm parte de seu faturamento em dólar e, diante da alta do dólar, essas empresas estão ganhando receita. É o caso da Embraer e da Weg, que registraram valorização de 21,2% e 20,2%, respectivamente, somente em junho.
No grupo Small Caps, Daronco destaca que há uma penalidade maior porque algumas ações estavam supervalorizadas e agora voltam a um patamar maior de normalidade. “Entendo que é um momento muito positivo para adquirir boas small caps, que continuam com suas vantagens competitivas intactas e com valuations muito atrativas… É um dos melhores momentos dos últimos anos.”
Otto Nogami, do Insper, cita o Tesouro Direto como “uma excelente opção, principalmente em um cenário de alta da Selic”. “Com juros elevados, os títulos públicos tendem a oferecer retornos mais atrativos e com menor risco em comparação com outros investimentos, como fundos de ações que podem estar sofrendo com a volatilidade do mercado”, explica. Segundo ele, os títulos do Tesouro Selic são particularmente interessantes porque acompanham a taxa básica de juros, oferecendo segurança e liquidez. Além disso, existem opções como o Tesouro IPCA, “que protege contra a inflação, garantindo um retorno real acima da inflação”.
Para Julio Hegedus, as alternativas de investimentos em renda fixa devem continuar restritas, mas é possível obter bons ganhos com o Tesouro Direto. “Os títulos do Tesouro indexados ao IPCA estão rendendo mais de 6% de ganhos reais e podem ser uma ótima opção já que a inflação deste ano deverá ser de 4,2%”, enfatiza.
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