A importação de produtos do agronegócio brasileiro para a Europa está em situação crítica, segundo a diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Sueme Mori.
“A legislação da União Europeia não distingue entre desflorestação legal e ilegal. Portanto, mesmo que a abertura tenha sido feita de forma legal, a partir do próximo ano, estes produtos provenientes de áreas abertas depois de 2020 não poderão mais entrar na região”, afirmou, num comunicado. entrevista com os jornalistas Carlos Alexandre de Souza e Roberto Fonseca, na edição que foi ao ar ontem no CB.Agro — parceria entre Correio Braziliense e o TV Brasília.
Segundo o especialista, essa medida mais dura da União Europeia, que entrará em vigor a partir de janeiro de 2025, impactará diretamente o Brasil e países que estão em estágio menos avançado de desenvolvimento e em processo de expansão. Na avaliação dela, a medida é unilateral e o governo brasileiro tem tentado dialogar com a outra parte, que “até agora disse que não vai mudar o que está em vigor”.
Abaixo estão os principais trechos da entrevista:
Como a CNA avalia esta questão do desacordo comercial internacional envolvendo commodities agrícolas?
Estamos passando por um momento crítico. Um tema muito discutido no comércio agrícola internacional é a entrada em vigor da legislação de desmatamento da União Europeia conhecida como EUDR (Regulamento de Produtos Livres de Desmatamento da União Europeia). Embora já esteja em vigor, a cobrança terá início em 1º de janeiro de 2025. Essa legislação impõe regras ambientais para a entrada e circulação de produtos de sete cadeias agrícolas da União Europeia: soja, carne bovina, café, óleo de palma, borracha, cacau e chocolate. Em suma, proíbe a importação desses produtos provenientes de áreas desmatadas após 31 de dezembro de 2020, além de outras exigências.
Para nós é muito preocupante porque, em primeiro lugar, o Brasil tem um Código Florestal muito rígido, que permite a abertura de terras obedecendo a diversas regras, com percentuais diferentes de acordo com o bioma. A legislação da União Europeia não distingue entre desflorestação legal e ilegal. Assim, mesmo que a abertura tenha sido feita de forma legal, a partir do próximo ano, estes produtos provenientes de áreas abertas depois de 2020 não poderão mais entrar na União Europeia.
É uma medida unilateral?
Claramente unilateral e não respeita a diferença entre os estágios de desenvolvimento dos países. A União Europeia é um bloco considerado de economia desenvolvida, que teve seu processo de expansão, inclusive agrícola, através da abertura de terras muito antes do Brasil. Agora, quem está passando por esse processo são Brasil, Indonésia, Malásia e outros países. Essa medida impacta diretamente países que estão em estágio de desenvolvimento menos avançado que a Europa e ainda em processo de expansão.
Como funcionará para comprovar que o produto não é originário de áreas desmatadas ilegalmente?
A medida utiliza um termo que é “lote de terreno”, pedem a geolocalização do terreno onde aquele produto foi produzido. Esta questão é muito complicada para ser usada como prova, e a União Europeia se comprometeu a publicar guias e orientações mais específicas sobre a medida, mas ainda não conseguiu cumprir. Entre outras coisas que também se comprometeram a fazer, esta prova ainda é uma dúvida e há questões técnicas sobre o que a União Europeia aceitará ou não do ponto de vista da prova.
E qual é a situação dos pequenos e médios produtores?
O impacto disso nos pequenos e médios produtores, o que a CNA tem dito é que o impacto maior será nesse pequeno e médio produtor, tanto os que já exportam, porque além desse custo da prova, não só isso, a UE coloca como critério outros pontos: o primeiro é essa questão da comprovação geológica, o segundo é que você tem que provar que aquele produto foi feito de acordo com a legislação pertinente do país, o que é um pouco chocante se você pensar em termos de o código florestal.
Por que?
Temos o código florestal, mas o primeiro critério não aceita o código florestal e no segundo fala de legislação pertinente, que ainda não sabemos o que é, não há uma compreensão detalhada do que isso significaria para o europeu União e o custo de comprovar isso tudo, obviamente, é muito maior para o pequeno e médio produtor. Estamos preocupados com a sustentabilidade dos nossos produtores e com a sustentabilidade da produção agrícola brasileira, mas estamos preocupados com esse custo da comprovação para o pequeno agricultor. Tudo que aumenta o custo pesa mais para ele, pois o investimento inicial é sempre mais pesado para ele do ponto de vista do tempo de retorno. Outra implicação é que o pequeno e médio produtor que ainda não exporta, e ainda está na sua expansão de produção, aumento de produtividade, início de operações no comércio exterior, esse mercado será fechado. Assim, para um pequeno e médio produtor, por exemplo, de café ou soja que esteja em região de fronteira agrícola, cumprindo a legislação brasileira, ele não poderá vender para a União Europeia se abriu a terra ou iniciou sua expansão depois 2021. Está impedido de vender para a União Europeia, que é o nosso segundo principal mercado para os produtos agrícolas brasileiros, o primeiro é a China com 36%, o segundo é a União Europeia com cerca de 13% e o terceiro são os Estados Unidos, que estão entre 6 e 7%.
O senhor esteve recentemente na Europa e esta questão envolve diversas organizações internacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC). Qual foi a posição da CNA em relação a este debate e qual foi a receptividade e o ambiente aí existente?
A CNA realizou uma missão a Genebra e Bruxelas, onde tive a oportunidade de falar com o diretor da agricultura da OMC, reunir-me com adidos agrícolas de 10 países exportadores agrícolas e também participar em conversas no Parlamento Europeu e na DG Agri, que é o equivalente ao Ministério da Agricultura na Europa. Em todas estas conversas, o tema central foi a mesma preocupação, o impacto nos produtores e no comércio agrícola. Esta medida abre precedentes para outras medidas punitivas unilaterais, como a legislação sobre desmatamento. A União Europeia afirmou que esta não é uma medida comercial, mas sim uma medida ambiental necessária. A UE não quer encorajar a desflorestação global, mas sim pará-la, utilizando o comércio para o fazer. O que temos defendido é que existam fóruns multilaterais específicos para discutir questões e compromissos ambientais, bem como fóruns multilaterais para discutir o comércio. O que a União Europeia fez foi ignorar ambos e tomar medidas unilaterais.
O que a CNA propõe na prática que pode ser melhorado para que os produtores brasileiros tenham acesso ao mercado europeu?
Esta é a medida tal como está hoje. Existem questões que são entraves para a agricultura brasileira. Essa data limite é preocupante, assim como no Brasil, no Reino Unido e nos Estados Unidos sinalizaram uma solução em que poderia haver uma diferenciação entre desmatamento legal e ilegal. Este é um ponto muito central na medida e nas conversas que a CNA tem mantido com representantes da União Europeia. Esse é um ponto que eles nem querem discutir, mesmo com o nosso Código Florestal permitindo abertura.
Neste cenário, haverá dificuldades para o Brasil exportar, isso abre uma brecha para outros concorrentes que eventualmente se adaptem a essas exigências da União Europeia. Então, o Brasil poderia perder participação de mercado?
Sim, isso se chama desvio comercial, porque quando você fecha para alguns países, abre para outros. O Brasil já passou por isso outras vezes, mas não com medidas dessa natureza. Hoje, somos um importante fornecedor de determinados produtos para a União Europeia e, a curto prazo, a questão é: a quem irá a União Europeia comprar? Pode até ser verdade que, no curto prazo, haja uma dificuldade. Porém, se esta medida continuar a ser implementada desta forma, no médio prazo, a União Europeia procurará outros fornecedores ou outros países se interessarão por este mercado, prejudicando o comércio brasileiro. O Brasil também deve ser classificado como de alto risco, portanto o impacto não é apenas no comércio bilateral com a União Europeia, mas com o resto do mundo, pois o Brasil receberá a classificação de alto risco. Isso é muito ruim para o agronegócio brasileiro, para o setor agrícola brasileiro, que tem um peso enorme na economia nacional.
Como está a posição do governo federal sobre esse assunto?
Os três ministérios mais envolvidos são: Ministério da Agricultura, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e Itamaraty. É o Itamaraty que vai discutir, que conversa e dialoga. A postura do governo brasileiro tem sido buscar o diálogo, conversar, mostrar o lado brasileiro e apoiar o setor privado para construir essa ponte com eles. Mas, por se tratar de uma medida unilateral, o governo pega a pauta e argumenta, tentando dialogar com a outra parte que, até agora, disse que não vai mudar o que está em vigor.
A CNA propõe soluções, como um dos programas, o Agro BR, detalha para gente um pouco como funciona ou como?
O Agro BR é um projeto que apoia a internacionalização de pequenos e médios produtores rurais de cadeias não tradicionais do setor exportador brasileiro. Que é aquele que não está entre os três principais produtos que mais exportamos. No topo da nossa cadeia estão a soja, a carne bovina, a cana-de-açúcar e a celulose, que são os principais produtos que exportamos.
No projeto estamos falando de mel, frutas, cachaça, azeite, nozes e uma série de outros produtos. Nossa pauta de exportação não reflete a diversidade da nossa produção, pois o Brasil produz de tudo e praticamente exporta tudo, mas em volumes e proporções diferentes. Sempre digo que, para diversificar a nossa agenda, a Agro BR tem uma proposta de diversificação. Não precisamos parar de exportar nada para lugar nenhum; precisamos exportar mais do que já exportamos e incluir outros produtos que ainda não estão no topo desta lista. Precisamos exportar mais soja, mais carne bovina e entender melhor o mercado.
O Brasil também possui produtos que podem atender essa demanda mais específica. A cachaça, por exemplo, é um item tipicamente brasileiro e há interesse do mercado internacional por esse tipo de bebida?
Você fala de cachaça, que parece o Brasil, mas as frutas também parecem o Brasil. O café tem cara de Brasil. Produtos que têm pegada, por exemplo, de biodiversidade, têm hoje a cara do Brasil. Ocupam um pequeno espaço no comércio exterior. Mas não se trata apenas de agricultura, é uma questão brasileira. O Brasil tem uma pequena base exportadora; o número de empresas que exportam é muito pequeno. As últimas estatísticas do ministério apontavam 28,5 mil, o que é muito pouco e o foco do projeto é justamente aumentar esse número.
*Estagiária sob supervisão de Rosana Hessel
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